POV DARIUS.
— Não acredito… temos uma companheira de segunda chance. — A voz de Baltazar ressoou em minha mente, cheia de um misto de admiração e empolgação.
Eu não conseguia desviar o olhar. Ali estava ela, minha companheira, movendo-se com uma graça que prendia minha atenção em cada pequeno gesto, cada sorriso. Quando Alice me deu bom dia, com aquele brilho no olhar e um sorriso despreocupado, senti uma onda de felicidade que há muito não sentia. Era uma sensação estranha, mas agora eu entendia. Aquele turbilhão de emoções confusas que vinha me atormentando ultimamente… tudo fazia sentido. Minha alma reconhecia Alice como minha.
— Acha que ela sente algo? — perguntei a Baltazar, não em dúvida, mas buscando entender o que ele via.
— É claro que sim, — respondeu Baltazar, com uma certeza fria e orgulhosa, quase arrogante. — Ela pertence a nós. Mesmo sem saber, o corpo dela responderá… ao nosso toque, ao nosso olhar. — Disse.
Alice se aproximou e seus dedos delicados começaram a deslizar pelo meu pelo, tocando e examinando minhas cicatrizes. O calor de seu toque espalhou-se por todo o meu corpo, um calor bom, arrebatador. Era o primeiro contato físico entre nós, e, sem ela saber, estava dando início ao processo de ligação, o começo de algo que selaria nosso destino para sempre.
— Darius… ela é nossa! — exclamou Baltazar, sua voz embargada de emoção. Eu podia sentir nosso rabo abanando de alegria.
— Sim… e não há mais volta. — Minha mente estava em paz com essa certeza. Ela era minha. Mas eu precisava voltar à minha forma humana, só que não aqui, não na frente dela. Alice se assustaria. Humanos se impressionam facilmente e ficam horrorizados com o que não entendem.
Alice continuava a me observar, passando seus dedos por meu pelo com um cuidado inesperado, sem nem mesmo um traço de medo. Era uma mistura de curiosidade e carinho que eu jamais havia visto. Ela abaixou o rosto e suspirou enquanto me examinava.
— Ah, quem diria… um lobinho tão imponente, mas com um olhar tão… suave — murmurou ela, rindo para si mesma. A suavidade de sua voz tocou algo dentro de mim, uma necessidade de protegê-la.
— Nossa companheira é linda e incrível, Darius — disse Baltazar, sua voz emocionada.
Abanamos o rabo novamente, deixando escapar um leve rosnado, mas um rosnado afetuoso. Passamos a língua pelo focinho, enquanto Alice nos observava, e eu podia sentir a felicidade transbordar entre mim e Baltazar. Estávamos completos por encontrá-la, por sentir seu toque em nossa pele.
— Ora, o que foi isso? — Alice sorriu, arqueando uma sobrancelha. — Está tentando me impressionar, lobinho? — Perguntou alegre por nos ver abanando o rabo e sendo brincalhão.
Ela deixou o estetoscópio cair ao chão e abaixou-se para pegá-lo. Mas, ao se levantar, vi seus olhos se fecharem por um segundo, e seu corpo perdeu o equilíbrio. Foi como assistir a uma cena em câmera lenta. Ela vacilou e caiu para o lado. O desespero tomou conta de mim, um medo avassalador que nunca havia sentido antes.
— Alice! — Baltazar e eu gritamos em uníssono em pensamento, temendo pelo que poderia estar acontecendo com ela.
POV ALICE.
— Droga… — murmurei, tentando recobrar o controle do meu corpo, mas a tontura persistia, tornando cada movimento um esforço.
Fechei os olhos, respirando fundo. Por um momento, minha mente flutuou entre a consciência e o torpor, cada segundo se alongando como uma eternidade. Tentei abrir os olhos, mas meu corpo parecia pesado, imóvel.
Logo senti a presença do lobo ao meu lado. Olhei em sua direção, ele se aproximou, cauteloso e preocupado, seus olhos brilhando com uma inquietação quase humana. Era como se ele pudesse sentir que algo estava errado comigo. Tentei sorrir para tranquilizá-lo, mas minha cabeça girava e tudo que consegui foi um sorriso fraco.
— Acho que estou tão cansada quanto você, lobinho — falei, forçando um tom de brincadeira, tentando aliviar o momento. Eu queria levantar, mas meu corpo parecia preso ao chão. O lobo observava cada movimento meu, suas orelhas inclinadas em alerta. Então, desisti de tentar me levantar e decidi que ficar um pouco no chão não era tão ruim assim.
Ele começou a choramingar e, para minha surpresa, lambeu meu rosto e minhas mãos. Estranhei o comportamento. Já tinha visto cães agirem assim com seus tutores, mas lobos? Nunca ouvi falar de tal comportamento vindo de um animal selvagem. Porém, ele não era um lobo qualquer.
— Ei, garoto, eu estou bem. Só estou um pouco tonta, só isso. — Forcei um sorriso para tranquilizá-lo, mas a verdade é que as lambidas dele era reconfortante. Passei a mão pelo seu pelo grosso e quente, e ele se acomodou ao meu lado, colocando a cabeça em cima do meu peito. Aquele gesto quase me fez esquecer minha tontura.
— Não tenho dormido muito nos últimos dias, mas não é por sua causa, lobinho. — Sussurrei, sentindo uma mistura de alívio e surpresa. Ele permaneceu ali, seus olhos fixos em mim, transmitindo uma preocupação que eu jamais imaginaria ver em um lobo. Eu sentia sua respiração ofegante e quente contra minha pele.
Fechei os olhos por um instante, deixando-me envolver por sua presença. Ele parecia me entender, mais do que qualquer outra pessoa. Ele roçou o focinho suavemente contra meu rosto, como se dissesse: estou aqui. De repente, ouvi passos rápidos e apressados virem na nossa direção. Antes que eu pudesse me levantar, ouvi a voz aflita da minha mãe ecoando pelo celeiro.
— Alice! Saia de perto dela! Maldito, solte minha filha!
POV DARIUS.Alice ainda estava deitada no chão, respirando fundo para se recuperar da queda. Seu rosto mostrava sinais de cansaço, mas os olhos mantinham um brilho determinado e um leve sorriso, como se quisesse esconder qualquer fraqueza. Eu permanecia ao seu lado, atento a cada movimento dela, e mesmo em um momento de vulnerabilidade, Alice parecia determinada a se mostrar forte.No entanto, nossa aproximação foi bruscamente interrompida pela chegada de sua mãe, escandalosa e de olhos arregalados de pavor. Ao me ver ao lado da filha, o pânico dela se transformou em uma fúria descontrolada. A voz, embargada pelo desespero, pegou um pedaço de madeira, que estava encostado na parede, empunhando-o como uma arma e me ameaçando sem hesitar. Senti um rosnado profundo formar-se em meu peito; uma resposta automática à ameaça que ela representava. Baltazar revoltou-se imediatamente.— O que ela pensa que vai fazer com aquele pedacinho de madeira? Essa humana ousa nos desafiar! Precisa aprende
POV ALICE.Minha mãe se aproximou e me ajudou a levantar. Seu olhar permanecia determinado. Senti o lobo encostar em mim. Acariciei seu pelo, ele estava ao meu lado. Eu sentia a tensão em cada fibra de meu corpo. Eu sabia que sua presença aqui incomodava minha mãe, mas eu não queria que ele fosse embora.— Mãe, por favor, me escute — falei, minha voz carregada de urgência. — Ele ainda não está totalmente curado. Se o mandarmos embora agora, ele não sobreviverá lá fora. Está machucado demais para se defender de qualquer perigo. — Falei exagerando, eu sabia que ele estava bem, mas não o queria longe de mim.Minha mãe cruzou seus braços, o rosto inexpressivo, embora eu pudesse ver a preocupação escondida em seus olhos. Ela suspirou, impaciente, e olhou para o lobo com uma expressão de desconfiança.— Alice, você não entende. Esse é um lobo, um animal selvagem. Não é como os outros bichos que resgatou e depois acolheu. Ele já está aqui há tempo demais, e quanto mais tempo ele fica, mais e
PRÓLOGO.Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldiç
POV DARIUS.— O que tinha no chá, sua maldita? — perguntei com raiva.— Não se preocupe, querido, agora você é meu. — Disse Agnes, sorrindo vitoriosa.Senti uma leve tontura e percebi o cheiro de lobos se aproximando. Rosnei de raiva e Agnes se assustou. Levantei-me, pronto para matar a todos. Agnes me olhou, com os seus olhos arregalados, e saiu correndo pela porta da cabana. Eu me levantei, ainda um pouco tonto, e saí da cabana logo atrás da bruxa, pronto para acabar com sua vida. Mas, quando cheguei na porta, só pude ver ela desaparecendo em meio à fumaça roxa e densa. Com dificuldade, fui me transformando em um lobo negro de olhos azuis, mas era tarde demais. Minha visão estava turva, e meus reflexos, lentos.Havia algo naquele chá que me impedia de lutar com toda a minha força. Maldita hora em que confiei naquela bruxa e suas promessas. Pensei, enquanto minhas mandíbulas se fechavam em torno do pescoço de um lobo marrom, quebrando-o com um estalo surdo. O gosto metálico do sangue
POV ALICE.Meu primeiro instinto foi correr. O lobo era gigantesco, mais do que eu já tinha visto em qualquer documentário ou livro. Nunca havia ouvido falar de lobos nesta região, e sabia serem perigosos. Mas… algo em mim não permitiu que eu fugisse. Talvez fosse a minha paixão por animais. Ser veterinária sempre foi o meu sonho, e ali estava, diante de mim, uma oportunidade de ajudar. Mesmo que fosse imprudente.Aproximei-me devagar. Peguei um galho ao meu lado, hesitante, e cutuquei o corpo inerte. Nenhuma reação. Ele não se mexeu. Meu coração acelerou, mas a tensão que sentia diminuiu um pouco. Me ajoelhei perto dele, sentindo o cheiro de terra e pinho preenchendo o ar ao meu redor.— Você é enorme… — murmurei, enquanto minha mão tremia ao tocar de leve seu pelo. O calor de seu corpo me chocou. Ele estava vivo, mas tão machucado que eu mal conseguia entender como ainda respirava. Uma onda de pânico me percorreu.— Você está vivo… — sussurrei, me afastando rapidamente, o coração di
POV ALICE.Toquei seu focinho frio e observei atentamente. Seus olhos continuavam fechados, sem qualquer sinal de movimento. A respiração, antes pesada, agora era quase imperceptível. Entrei em pânico.— Não, não, por favor, aguente firme! — implorei em voz baixa, tentando manter a calma. Mas o medo crescia dentro de mim. Então, percebi.— Droga, acho que ele entrou em coma… — minha voz falhou, uma mistura de desespero e impotência tomou conta de mim.Olhei para o lobo, sentindo meu coração apertar. O que eu faria agora? Ele estava à beira da morte, e eu não tinha tempo a perder. Precisava agir, mas não sabia se conseguiria salvá-lo. Apenas uma coisa era certa: eu não poderia desistir dele agora.O lobo continuava imóvel, seu peito mal se movendo. Eu podia sentir o peso da urgência esmagando meu peito. Precisava fazer algo. Mas o quê? Sou apenas uma ajudante de veterinário.Olhei em volta, tentando pensar em uma solução.O único som era minha própria respiração acelerada. Peguei o est
POV ALICE.Eu e mamãe corremos desesperadas em direção à porta do celeiro. Saímos às pressas, ofegantes e tomadas pelo pavor do rosnado que ouvimos.— Eu te disse que esse lobo ia acordar e nos atacar! O que faremos agora com um lobo selvagem dentro do nosso celeiro? — disparou minha mãe, nervosa, a voz trêmula de medo.— Calma, mamãe, eu vou resolver — falei, tentando manter a compostura, enquanto espiava pela fresta de madeira. O celeiro estava quieto, silencioso. Lá dentro, o lobo permanecia deitado, imóvel, no mesmo lugar. Senti um alívio imediato.— Ele continua parado. Acho que rosnou enquanto dormia. Vou entrar para verificar — falei, tentando soar confiante. Minha mãe agarrou meu braço, a preocupação nítida em seus olhos.— Você está louca? E se ele estiver acordado e te atacar? — murmurou, a voz baixa, temendo até mesmo o som de suas palavras.— Vou ter cuidado, prometo — comentei, acariciando a mão dela antes de entrar no celeiro. Aproximando-me do lobo, peguei um pedaço de
POV DARIUS.Eu estava me perdendo, sentindo meu corpo afundar num vazio profundo. Baltazar estava em silêncio, eu estava sozinho, desprotegido. Era como se uma sombra densa me envolvesse, me puxando para o abismo. Minha mente gritava por força, mas meu corpo estava exausto demais para continuar lutando. A dor era sufocante. Eu já havia aceitado o fim, até que… ouvi uma voz.Ela era doce, quase como um sussurro, mas cheia de medo, implorando para que eu não a deixasse. Essa voz… trazia algo mais, uma força que eu já não sabia que possuía. “Lute”, dizia ela, e por mais que parecesse impossível, algo dentro de mim reagiu. Ela me dava ânimo, esperança e, com o pouco que me restava, agarrei-me àquele som angelical e comecei a lutar.Senti, de repente, um toque suave, como o calor de um raio de sol após dias de tempestade. Era acolhedor, reconfortante. Lentamente, algo dentro de mim se reacendia. A dor ainda estava presente, mas agora eu tinha uma centelha de força. Lutei contra o peso nas