POV DARIUS.
Eu estava me perdendo, sentindo meu corpo afundar num vazio profundo. Baltazar estava em silêncio, eu estava sozinho, desprotegido. Era como se uma sombra densa me envolvesse, me puxando para o abismo. Minha mente gritava por força, mas meu corpo estava exausto demais para continuar lutando. A dor era sufocante. Eu já havia aceitado o fim, até que… ouvi uma voz.
Ela era doce, quase como um sussurro, mas cheia de medo, implorando para que eu não a deixasse. Essa voz… trazia algo mais, uma força que eu já não sabia que possuía. “Lute”, dizia ela, e por mais que parecesse impossível, algo dentro de mim reagiu. Ela me dava ânimo, esperança e, com o pouco que me restava, agarrei-me àquele som angelical e comecei a lutar.
Senti, de repente, um toque suave, como o calor de um raio de sol após dias de tempestade. Era acolhedor, reconfortante. Lentamente, algo dentro de mim se reacendia. A dor ainda estava presente, mas agora eu tinha uma centelha de força. Lutei contra o peso nas minhas pálpebras e, finalmente, consegui abrir os olhos. Pisquei algumas vezes, tentando entender onde eu estava.
O ambiente era estranho. O ar tinha um cheiro diferente, e meu corpo todo latejava, como se cada músculo estivesse reclamando. Olhei ao redor, confuso. Não conseguia me mover, estava preso num corpo que parecia não me obedecer. Foi então que meus olhos pousaram nela. Uma mulher, uma humana, parada à minha frente. Seu olhar encontrou o meu, e pude ouvir o ritmo acelerado do coração dela, quando percebeu que eu estava acordado.
— Você acordou. Graças a Deus. Isso é um ótimo sinal. Pensei que não conseguiria te salvar, mas você é um lobinho muito forte. Eu não vou te machucar. Por favor, não me morda. Não quero ter que te colocar uma focinheira — disse ela, com uma voz trêmula e, ao mesmo tempo, aliviada. Então, reconheci aquela voz. A voz que havia me puxado de volta à vida. A voz que me fez lutar.
Espere… Ela disse que me salvou? E que história era essa de lobinho? Que audácia dessa humana me chamar assim! Sou Darius, um rei alfa supremo, a besta infernal, e ela ousa me comparar a um cachorro? Se eu pudesse me mover agora, ela sentiria toda a extensão da minha fúria por tamanha desrespeito.
Ela pegou um estetoscópio e, com delicadeza, o colocou em mim, começando a me examinar como se eu fosse um simples animal. A raiva dentro de mim crescia, e, com o pouco de força que ainda restava, rosnei baixo. Ela se assustou, recuando, o que me trouxe uma sensação de satisfação momentânea, até que a dor me pegou de surpresa, fazendo-me soltar um gemido involuntário.
A fraqueza era humilhante, mas eu não permitiria que essa humana achasse que tinha qualquer controle sobre mim. Como ela ousa me tocar sem permissão? Ela me olhava com olhos arregalados, a mão sobre o peito, como se tentasse acalmar seu coração do susto que levou.
— Você me assustou, lobinho — murmurou, tentando manter a calma, mas eu podia sentir seu nervosismo. Um sorriso nervoso surgiu em seus lábios, e isso só aumentou minha raiva. Rosnei mais uma vez e vi seus olhos se arregalarem ainda mais.
— Olha, se continuar rosnando, terei que colocar a focinheira. Não posso correr o risco de você me morder e me transmitir raiva ou outra doença de lobo. Eu não sei nada sobre você, não fiz nenhum exame para saber se tem alguma doença — continuou ela, tentando soar firme, mas seu tom de voz tremia. Rosnei novamente, mais forte desta vez.
Doenças? Raiva? Ela estava insinuando que eu, um lobisomem, poderia estar contaminado? Não sou um humano fraco. A insolência dessa criatura parecia não ter fim. Mas agora não havia nada que eu pudesse fazer. Estava preso no meu próprio corpo, incapaz de me vingar.
— Pare de rosnar. Você está fraco, mal acabou de acordar de um coma. Eu quase te perdi, sabia? Então, se comporte. Não quero te amarrar e sedar — disse ela, sem qualquer noção de quem estava ameaçando. Minhas presas doíam de frustração, mas eu sabia que, no momento, não poderia fazer nada. Resmunguei, irritado com a minha impotência.
Ela se aproximou novamente, ignorando meus avisos, e continuou seu exame, inspecionando cada um dos meus ferimentos. Eu sentia o calor de suas mãos, e cada toque parecia acender algo dentro de mim que eu não queria reconhecer. Ela estava falando sem parar, o som da sua voz começava a me irritar.
— Não acredito! Suas feridas estão cicatrizando tão rápido. Isso é incrível, lobinho. Você é impressionante. Desse jeito, logo poderá voltar para a natureza — disse ela, com um brilho de fascinação nos olhos. Natureza? Ela realmente achava que eu, sou um animal qualquer? Essa humana era ainda mais tola do que eu imaginava.
— Você não vai poder ficar aqui no sítio, como os outros animais que resgatei e cuidei. Minha mãe não permitiria. Ela tem muito medo de você. Sabe? Ela nem se aproxima muito quando está aqui, me ajudando a cuidar de ti. Mas não posso culpá-la. Você é um lobo selvagem, perigoso e enorme — disse ela, rindo como se fosse alguma piada.
Se ao menos soubesse o quão certa a mãe dela estava. E se Baltazar estivesse aqui, provavelmente me diria para ser grato, para reconhecer o ato dela de salvar minha vida. Talvez ele tivesse razão, mas naquele momento, tudo o que eu queria era me ver livre dessa situação humilhante.
Antes que eu pudesse processar mais sobre o que estava acontecendo, senti um toque suave atrás da minha orelha. Era reconfortante, e por mais que eu quisesse rejeitar, algo dentro de mim relaxou com o carinho. Era estranho… desde que matei minha companheira e nosso filhote, nunca deixei ninguém se aproximar de mim dessa forma. Mas agora, estava gostando do toque dessa humana.
— Você vai ficar bem logo. Sei que não está se movendo agora, é porque seu corpo estava muito ferido. Demorará um pouco para se recuperar totalmente, mas já é uma vitória estar acordado e rosnando. Você se envolveu numa briga muito violenta, lobinho — disse ela com uma ternura que eu não entendia.
Minhas emoções estavam confusas. Eu deveria desprezar essa criatura insignificante. No entanto, algo em sua presença me acalmava. Eu estava começando a me perguntar se era algum tipo de feitiço… até que ouvi passos pesados e a porta foi aberta.
— Ele está acordado? Alice, afaste-se dessa fera, agora! — gritou uma voz nervosa, me trazendo de volta à realidade. Pronto. Outra louca para me tirar do sério.
POV DARIUS.Olhei na direção da porta e uma senhora de feições gentis me encarava. Seus olhos brilhavam com uma mistura de medo e indignação ao ver essa humana tão próxima de mim, tocando-me como se eu fosse um simples animal inofensivo. Ela tinha um ar de determinação e desagrado que ficou claro. Então essa insolente se chama Alice?A idosa me olhava como se eu fosse uma ameaça iminente, pronta para atacar. Se soubesse quem eu realmente era, teria fugido apavorada. Alice, por outro lado, permaneceu imóvel. Seus olhos voltaram-se para mim antes de responder com tranquilidade:— Mãe, está tudo bem. Ele não vai me machucar — disse Alice, olhando com firmeza para a idosa. Sua voz era suave, mas segura. Então ela é mãe dessa insolente. Observei atentamente, tentando entender de onde vinha essa confiança. Eu poderia dilacerá-la em segundos, mas ela parecia não ter medo.— Não vai te machucar? — A mãe de Alice deu um passo à frente, os olhos cheios de preocupação. — Ele é uma fera selvagem,
POV ALICE.O primeiro raio de sol invadiu meu quarto através das cortinas entreabertas, aquecendo levemente meu rosto. Abri os olhos devagar, sentindo o conforto da minha cama macia. Meu quarto, embora simples, tinha tudo o que eu precisava. As paredes eram de um tom creme suave, decoradas com fotos antigas da família e quadros pintados à mão. A mobília era antiga, mas muito bem conservada, cheia de memórias. Havia uma prateleira de madeira no canto, abarrotada de livros de veterinária e algumas plantas que minha mãe insistia em cuidar para mim.Me sentei na cama e olhei em volta. Aquele lugar era mais do que um simples cômodo; era um refúgio de tranquilidade. Meu quarto refletia a simplicidade da nossa casa: aconchegante, cheio de amor, um lugar onde o tempo parecia passar mais devagar. Estiquei os braços, sentindo a leve dor nos músculos de tantas noites mal dormidas. Eu precisava descansar mais, mas não podia deixar aquele lobo sozinho.Com um suspiro, levantei e me arrumei rapidam
POV DARIUS.A voz de Baltazar era uma brisa de alívio. Meu lobo estava de volta, e o vazio que ele deixou, parecia, finalmente, preenchido. Mas algo havia mudado profundamente dentro de mim. Uma angústia diferente me apertava o peito, uma mistura de medo e alívio. Como seria agora, depois de tudo?— Baltazar… você finalmente voltou — falei, tentando controlar a felicidade que me transbordava. Eu, sem meu lobo, sou apenas uma casca, um humano inútil, perdido e incompleto. Senti uma onda de gratidão me percorrer, e parecia que Baltazar sentia o mesmo.— Parece que você sentiu minha falta — ele respondeu com sua risada familiar, vibrando dentro da minha mente como uma melodia que eu jamais queria esquecer.— Você não faz ideia do inferno que tenho passado sem você. Viver como humano é uma merda — contei, deixando minha voz trêmula revelar o que realmente sentia.— Sei o que você passou, Darius. Nós não podíamos nos comunicar, e você não podia me sentir, mas vi, ouvi e senti tudo o que vo
POV DARIUS.— Não acredito… temos uma companheira de segunda chance. — A voz de Baltazar ressoou em minha mente, cheia de um misto de admiração e empolgação.Eu não conseguia desviar o olhar. Ali estava ela, minha companheira, movendo-se com uma graça que prendia minha atenção em cada pequeno gesto, cada sorriso. Quando Alice me deu bom dia, com aquele brilho no olhar e um sorriso despreocupado, senti uma onda de felicidade que há muito não sentia. Era uma sensação estranha, mas agora eu entendia. Aquele turbilhão de emoções confusas que vinha me atormentando ultimamente… tudo fazia sentido. Minha alma reconhecia Alice como minha.— Acha que ela sente algo? — perguntei a Baltazar, não em dúvida, mas buscando entender o que ele via.— É claro que sim, — respondeu Baltazar, com uma certeza fria e orgulhosa, quase arrogante. — Ela pertence a nós. Mesmo sem saber, o corpo dela responderá… ao nosso toque, ao nosso olhar. — Disse.Alice se aproximou e seus dedos delicados começaram a desliz
POV DARIUS.Alice ainda estava deitada no chão, respirando fundo para se recuperar da queda. Seu rosto mostrava sinais de cansaço, mas os olhos mantinham um brilho determinado e um leve sorriso, como se quisesse esconder qualquer fraqueza. Eu permanecia ao seu lado, atento a cada movimento dela, e mesmo em um momento de vulnerabilidade, Alice parecia determinada a se mostrar forte.No entanto, nossa aproximação foi bruscamente interrompida pela chegada de sua mãe, escandalosa e de olhos arregalados de pavor. Ao me ver ao lado da filha, o pânico dela se transformou em uma fúria descontrolada. A voz, embargada pelo desespero, pegou um pedaço de madeira, que estava encostado na parede, empunhando-o como uma arma e me ameaçando sem hesitar. Senti um rosnado profundo formar-se em meu peito; uma resposta automática à ameaça que ela representava. Baltazar revoltou-se imediatamente.— O que ela pensa que vai fazer com aquele pedacinho de madeira? Essa humana ousa nos desafiar! Precisa aprende
POV ALICE.Minha mãe se aproximou e me ajudou a levantar. Seu olhar permanecia determinado. Senti o lobo encostar em mim. Acariciei seu pelo, ele estava ao meu lado. Eu sentia a tensão em cada fibra de meu corpo. Eu sabia que sua presença aqui incomodava minha mãe, mas eu não queria que ele fosse embora.— Mãe, por favor, me escute — falei, minha voz carregada de urgência. — Ele ainda não está totalmente curado. Se o mandarmos embora agora, ele não sobreviverá lá fora. Está machucado demais para se defender de qualquer perigo. — Falei exagerando, eu sabia que ele estava bem, mas não o queria longe de mim.Minha mãe cruzou seus braços, o rosto inexpressivo, embora eu pudesse ver a preocupação escondida em seus olhos. Ela suspirou, impaciente, e olhou para o lobo com uma expressão de desconfiança.— Alice, você não entende. Esse é um lobo, um animal selvagem. Não é como os outros bichos que resgatou e depois acolheu. Ele já está aqui há tempo demais, e quanto mais tempo ele fica, mais e
PRÓLOGO.Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldiç
POV DARIUS.— O que tinha no chá, sua maldita? — perguntei com raiva.— Não se preocupe, querido, agora você é meu. — Disse Agnes, sorrindo vitoriosa.Senti uma leve tontura e percebi o cheiro de lobos se aproximando. Rosnei de raiva e Agnes se assustou. Levantei-me, pronto para matar a todos. Agnes me olhou, com os seus olhos arregalados, e saiu correndo pela porta da cabana. Eu me levantei, ainda um pouco tonto, e saí da cabana logo atrás da bruxa, pronto para acabar com sua vida. Mas, quando cheguei na porta, só pude ver ela desaparecendo em meio à fumaça roxa e densa. Com dificuldade, fui me transformando em um lobo negro de olhos azuis, mas era tarde demais. Minha visão estava turva, e meus reflexos, lentos.Havia algo naquele chá que me impedia de lutar com toda a minha força. Maldita hora em que confiei naquela bruxa e suas promessas. Pensei, enquanto minhas mandíbulas se fechavam em torno do pescoço de um lobo marrom, quebrando-o com um estalo surdo. O gosto metálico do sangue