O INVERNO ME TROUXE VOCÊ
O INVERNO ME TROUXE VOCÊ
Por: Josiane Ribeiro
UM ERRO

Ana Jully Meireles

Olho no espelho pela terceira vez numa ansiedade absurda. Nunca fui vaidosa, entendo muito pouco de maquiagem e moda, e com a correria do dia a dia quase não tenho tempo para isso, mas confesso que sinto vontade de mudar um pouco, talvez minha autoestima melhore.

Situações como esta, me deixam um pouco perdida. Nicolas, meu amigo de trabalho, acaba de me enviar uma mensagem dizendo que está a caminho, faz alguns dias que estou revisando sua tese de mestrado, e segundo ele, precisamos discutir o assunto, hoje. Depois que ele e Laura romperam, ficamos mais próximos, e mesmo minha amiga Lili insistindo que é fruto da minha imaginação, às vezes sinto que ele me paquera. Talvez ela esteja certa, Nicolas sempre esteve ocupado com todas as mulheres que se lançam ao seus pés, para me notar. Não posso negar que me sinto muito atraída por ele, afinal se tratando de um homem tão charmoso, fica difícil não ter nenhum tipo de interesse, é do tipo alto, forte, pratica vários esportes como hobby e se sobressai em quase todas as modalidades. Sua pele negra tem um contraste incrível com seus olhos verdes, e cabelos levemente encaracolados. Porém, mesmo que por alguma conspiração do universo ele se interessasse por mim, não sei se estou preparada para ter qualquer tipo de relacionamento, mesmo casual.

A campainha toca e meu coração se agita, coloco meus óculos na gaveta e solto o cabelo que estão abaixo dos ombros tentando ser um pouco menos nerd e mais atraente, mas confesso que não me convenço, no entanto não tenho muito tempo, sigo até a porta e abro.

— Oi, Jully.

Odeio meu nome, Ana Jully, mais ainda que me chamem de Jully, mas quando Nicolas me chama assim, é estranho não me sentir incomodada. Talvez eu esteja mesmo atraída por ele. Como agora que fico sem fôlego por Nícolas estar tão lindo usando apenas uma calça Jeans e camisa polo, bem diferente das roupas sociais do trabalho.

— O…oi… — respondo com dificuldade ainda nervosa.

Ele passa por mim bastante à vontade para entrar em meu apartamento, e sinto o cheiro de álcool nele, certamente havia bebido, aliás ele faz isso com frequência. Então noto que trouxe uma garrafa de vinho e coloca na mesa. Ainda analisa cada parte do meu apartamento, fico vermelha de vergonha, está tudo fora do lugar, o que é normal, sou muito desorganizada. O computador está aberto e as cópias de sua tese espalhadas pelos cantos.

— Vejo que tem trabalhado bastante — ele diz.

Fecho a porta e sigo até ele sentindo uma estranha sensação. Há um formigamento na minha barriga, uma ansiedade absurda por algo que nem eu sei o que é. Estou parada bem as suas costas e de repente Nicolas se vira ficando a milímetros de mim, nossos rostos quase se tocam.

— Você fica linda sem os óculos — sua voz sai rouca e sedutora.

Sinto seu hálito, de whisky, e vodka. Fico muito nervosa com suas palavras e tento me esquivar, mas ele me segura pelo antebraço.

— Jully…

Eu conheço esse olhar, acho que Verdadeiramente o universo resolveu conspirar, ou Nicolas realmente não saiba o que está fazendo por causa da bebedeira.

Quando suas mãos tocam minha cintura, aquele frio que até então era apenas na barriga, passeia por cada veia do meu corpo. Suas mãos vão subindo devagar e é impossível não ficar tensa, a ideia de ser tocada, me apavorava, mas após anos de terapia talvez não fosse tão ruim assim, na verdade eu poderia muito aproveitar este momento para descobrir, e quando Nicolas me beija, me perco em sua boca, seu beijo é possessivo e urgente, e é bom na medida que vou relaxando.

Ele sussurra ainda sobre meus lábios:

— Jully, sempre fui louco pra fazer Isso.

Fico surpresa com sua declaração e imóvel ao sentir sua mão subir até minha coxa por baixo do vestido.

— Nicolas... — estou dura feito uma pedra, preciso tentar me soltar.

Sinto seu corpo empurrar o meu delicadamente, e caio sobre o sofá entre tantos papéis, Nicolas deita por cima.

É estranho sentir tantos sentimentos opostos, desejo fazer isso, entretanto não é tão fácil quanto parece.

*

Acordo ainda sem conseguir acreditar no que houve entre mim e Nicolas. Olho para o lado e fico surpresa que ele ainda esteja aqui, pensei que fosse embora antes que eu acordasse, assim evitaria qualquer tipo de diálogo.

Analiso a figura deitada ao meu lado na cama, coberto parcialmente por meu lençol de estampas azuis, e seus cachos negros meio atrapalhados que o deixaram bem a vontade. Me movo devagar a fim de sair da cama sem acordá-lo, mas é inútil, dois pares de olhos incrivelmente verdes me analisam. Fico apreensiva e um temor me invade.

Como será que ele vai reagir?

Agora sem o efeito do álcool, vai dizer que tudo foi um erro e vai me pedir desculpas.

"Tudo bem, Nicolas, eu sei que isso foi um erro..."

— Me perdoe por tê-lo acordado — falo.

Ele esfrega os olhos devagar tentando associar o local em que está.

— Quantas horas são? — fala procurando por algo, talvez seja seu celular, rapidamente o encontra na cabeceira da cama.

Ainda estou tensa.

Ele olha para a tela e fica mais tranquilo, será que se recorda de tudo o que houve? Espero que não, pois minha performance no sexo certamente não foi a melhor que ele já teve, então decido facilitar as coisas.

— Nicolas eu sei que você prefere fingir que nada disso aqui aconteceu… por mim está tudo bem…

Ele se aproxima de mim se arrastando na minha cama.

— Ei… mas é claro que não!

Fico surpresa com sua reação.

Nicolas segura meu queixo carinhosamente e consigo relaxar.

— Eu pensei que tivesse bebido além da conta e por isso…

— Jully, você pensou errado. Nunca notou que eu estive interessado em você?

Encolho os ombros e me lembro de Lili, sempre me disse que era fruto da minha imaginação.

— Somos amigos…

— Amigos que compartilham experiências. Por mim podemos continuar com isso, se você quiser é claro.

Ainda demoro para assimilar as coisas, ele deseja ter um caso comigo? Fico tentando digerir suas palavras.

— Jully, ainda precisamos conversar sobre a minha tese e preciso de outro favor… — ele fala e deita colocando as mãos por trás da cabeça confortavelmente.

Fico surpresa com a mudança brusca de assunto. Talvez ele deseja me deixar mais à vontade.

— Ah, claro, o que você precisa?

— Decidi concorrer aquela vaga de jornalista de campo, soube que George a ofereceu a você e não aceitou.

Quando me formei em jornalismo, eu acreditava que estava realizando um grande sonho, porém, descobri que não era o meu sonho. Então me especializei um pouco mais e acabei como editora da redação, e às vezes escrevo pra coluna de notícias, mas gosto mesmo é de me enterrar atrás do meu computador trabalhando com todo tipo de notícia que chega, editando as informações, analisando e corrigindo textos, pois sair por aí em busca de notícias e lidar com pessoas nunca foi o meu forte, por isso que não aceitei a oferta de Geroge.

Respondo:

— … Acho que você se sairia muito bem…

— Também acho. Por isso pensei que talvez… pudesse indicar meu nome para Geroge, isso aumentaria minhas chances.

— Ah, sim. Prometo falar com ele.

Então, de repente Nicolas pega seu celular novamente. Parece simplesmente não estar mais aqui, fica atento a tela do aparelho passando o dedo para baixo e conferindo suas mensagens.

— Bom… você vai ficar para o café? — falo a primeira coisa que me vem à mente.

Então ele responde sem ao menos largar o aparelho em suas mãos pra me olhar.

— Eu gosto do café sem açúcar, por favor.

Mesmo ainda confusa com sua mudança de comportamento repentina, me levanto a fim de ir até a cafeteria buscar algo, afinal não preparo nenhum tipo de refeição em casa, e nem ao menos tenho uma cafeteira.

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