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PLACAR ANA 10 X NICOLAS 0

Ana

Quando estaciono no meu prédio, vejo que meu convidado, observa cada detalhe. Ajudo-lhe a subir até o elevador, enquanto ele me pergunta:

— Você mora aqui há muito tempo?

Aperto o botão do 3° andar enquanto respondo:

— Há 5 anos.

Chegamos e abro meu apartamento, somente agora me lembro sobre o quanto está tudo sujo e bagunçado. Sou a desorganização em pessoa. Tem roupas espalhadas por toda parte e enquanto ele se senta vou recolhendo pelo menos algumas peças, principalmente meu sutiã branco de renda na qual ele acaba de se sentar em cima. Fico vermelha de vergonha, ele sorri como se não se importasse. Porém, eu me importo, e desejo sumir neste momento. Noto também, que há sacos de salgadinhos espalhados, latinhas de refrigerante no canto da sala e meus sapatos próximos do corredor.

Bufo.

— Me desculpe a bagunça, é que não tenho muito tempo para faxinar a casa.

— Tudo bem.

Tudo bem nada! Estou morta de vergonha. Procuro um assunto para disfarçar:

— Já que você resolveu vir, pode ficar os três dias, pelo menos até conseguir colocar o pé no chão.

Ele parece não gostar da ideia.

Franze a sobrancelha.

— Acho melhor não — fala com seu tom grosseiro.

Bufo novamente imaginando que ele voltará a ser bruto comigo.

— Deixa de ser teimoso. Olha, eu quase não paro aqui. Trabalho bastante, você não vai ter que se importar com minha presença. E vai ser bom para sua recuperação.

Ele parece insatisfeito, mas percebo que não vai se exaltar, sabe que estou só tentando lhe ajudar.

— Eu sei que na rua não terei como fazer repouso..., mas não quero incomodar.

Dou um passo á frente.

— Olha, pense que é uma retribuição pelo que fez por mim, se está nesta situação é justamente por ter me salvado.

— Quando lhe ajudei, estava assumindo todos os riscos.

Fico brava, pois, ele sempre tem uma resposta na ponta da língua.

— Deixa de ser teimoso! — falo franzindo a sobrancelha.

Ele parece pensar na ideia com mais aceitação.

— Mas, três dias é muito, e sua família pode não gostar.

Mentalmente estou rindo de sua fala, fico imaginando dona Márcia surtando ao saber que eu trouxe um morador de rua para dentro do meu apartamento.

— Minha família...? Só tenho minha mãe, e ela quase não vem aqui.

Ele ainda parece procurar motivos para que eu desista desta ideia.

— E seu... Namorado?

Agora estou rindo em voz alta e ele fica confuso com minha reação.

— Ah, não...não tenho namorado... não mais. — Porém as lembranças de mim e Nicolas me invadem, estão em toda parte desta casa, e meu sorriso vai se desfazendo dando lugar a um imenso vazio, me esqueço que não estou sozinha. Acho que fica muito nítido minha desilusão amorosa, pois o cara a minha frente me responde rápido demais como se desejasse me tirar de meus pensamentos.

— Tudo bem, são somente os três dias, contando com o dia de hoje. Então eu fico.

Aproveito a deixa para me esquecer de minhas angústias. Finalmente o convenci.

— Fechado! — falo tentando ficar mais animada, mas acho que forço demais. Um silêncio se instaura entre nós e tento quebrar o gelo.—Vou preparar algo para gente comer, já está tarde — falo saindo.

Quando me viro acabo tropeçando em um móvel, felizmente não caio. Mas dói pra caramba.

Resmungo:

— Se machucou? — ele pergunta preocupado.

— Não, não. Está tudo bem — digo seguindo pra cozinha me certificando de que não vou me machucar novamente.

Hoje já estourei minha cota de vergonha.

— Se quiser tomar um banho, vou pegar roupas pra você e deixo na porta do banheiro. Pode entrar na segunda porta a direita, há toalhas limpas no armário — grito quando estou longe.

Paro em frente a pilha de vasilhas que tenho. Ajeito meu coque e começo minha tarefa. Coloco água pra ferver enquanto lavo a louça, depois corto alguns tomates e uma cebola, choro horrores com o legume, como ficaria feliz se cortar a cebola, fosse o único motivo que me fizesse chorar na vida, mais uma vez me recordo do canalha do Nicolas, fico pensando se algum dia vou me esquecer dele. Respiro fundo decidindo começar a praticar isso no mesmo instante e refogo o molho.

Enquanto o molho não fica pronto e o meu hóspede ainda está no banho, troco de roupa, visto um vestido florido, prendo a frente do meu cabelo com uma tiara, corro pela casa recolhendo o lixo e guardando algumas coisas deixando minha casa com uma aparência mais agradável.

Suspiro fundo já me sentindo exausta.

Então sinto um cheiro de queimado.

— Merda! — xingo, me lembrando do molho que deixei no fogo.

Sigo correndo para cozinha. Não acredito, queimei o molho, desligo o fogo rápido tentando não me queimar também. Sou uma negação na cozinha. Fico pensando no que vou servir pra gente, minha dispensa também está vazia para variar.

Respiro fundo e pego meu celular, minha única alternativa é pedir pizza,  já que não tem bons restaurantes nesta área, não tenho outra opção.

Termino de lavar a louça da comida queimada e ouço a campainha tocar, certa de que se trata do nosso almoço, sigo rapidamente até a sala para abrir a porta. Quando abro, quase tenho um infarto ao ver a imagem de Nicolas parado bem a minha frente.

A mesma parede de músculos de sempre, moreno e impecavelmente vestido em uma roupa social e cabelos pretos bem penteados.

— Nicolas? — falo ainda assustada tentando disfarçar o quanto ele mexe comigo.

Ele está... lindo.

— Oi, Ana Jully.— De repente, noto que não tem mais graça ouvir ele me chamar assim. Ao contrário, ele entra para minha imensa lista de "odeio que me chamem com esse nome".

Quando ele pensa em entrar eu o empurro com as mãos. Realmente não esperava por ele, Nicolas havia prometido aparecer ontem, mas com toda confusão, ao menos cheguei tarde do hospital.

— Não! — falo e ele para no mesmo instante. — O que você veio fazer aqui?

Percebo quanta dor ele me causou.

— Adoro esse seu vestido — fala cheio de carinhos tentando me tocar. Dou um passo pra trás.

— Vai embora, Nicolas!

Ele não tira seu sorrisinho bobo do rosto.

— Ana, pare! O que há entre nós é muito intenso, para acabar assim.  Só precisamos nos acertar.

Meu ódio só aumenta, como ele pode pensar que vou aceitar continuar com ele depois de ter me enganado.

— Não acredito que você está falando isso... — falo meneando a cabeça.

Mas ele me ignora e ainda continua:

— Ana Jully, eu sei que você quer continuar isso tanto quanto eu — diz passando o polegar em meu rosto delicadamente.

Por um instante fecho os olhos. Mas a dor que ainda sinto me faz reagir:

— Nicolas, já te falei que... — ele me interrompe cheio de gracinhas.

— Não vai me dizer que você está achando que eu acreditei naquela historinha de Tinder? Como se chama mesmo seu namorado imaginário, Mateus?

Sinto tanta raiva da prepotência de Nicolas que desejo mais que tudo lhe dar uma boa lição. Neste momento começo a ver como tenho a oportunidade perfeita, afinal há um homem no meu apartamento, tudo bem que se parece com o homem das cavernas, mas vai servir para o que tenho em mente.

Lhe respondo satisfeita.

— Ele se chama, Mateo. Olha, Nicolas! Acho melhor você ir embora, ele não vai gostar nadinha de vê-lo aqui.

Acho que consigo acabar com o sorrisinho do Nicolas. Ele fica um tanto desconfiado. Mesmo assim permanece relutante.

— Ah, para, Ana! Não tem ninguém aqui. Você está sozinha — ele fala entrando no meu apartamento e se sentando a vontade no sofá. — Isso tudo é invenção sua, somente porque está chateada com meu noivado.

Fico atônita com o cinismo dele. Como ele pode ser tão insensível assim?

Idiota!

— Acho melhor você ir embora, Nicolas — repito.

Ele se levanta vem até mim. Sinto as mãos dele tocarem minha cintura. Dou um salto me livrando de seus braços.

Minha rejeição o deixa o intrigado.

— Ana... Não faz isso comigo. — Me surpreendo ao notar que há uma certa mágoa em seus tom de voz.

Não consigo lhe responder, pois algo me tira a atenção neste momento, vejo a uma imagem do meu hóspede surgindo na sala, ele acaba de sair do meu quarto, ele havia usado o banheiro lá de dentro. Está enrolado apenas em uma toalha, apoiado em uma das muletas. Mas ele está um tanto diferente... Não se parece nada com o homem das cavernas que entrou lá. Nicolas está de costas e não nota.

— Me desculpe, mas você não trouxe minhas roupas!

Céus, onde esse homem estava escondido?

Certamente por trás de toda aquela barba e aquele cabelo que foram cortados. Ele parece mais alto assim, sem roupas. Tem dificuldades com as  muletas. Noto seu corpo atlético, desde quando moradores de rua se exercitam? Ele tem intensos olhos claros que se destacam no corte de cabelo que ele mesmo deve ter feito no banho, fios em um tom claro, mais claro do que parecia, ele não tirou a barba toda, mas a fez tirando boa parte do excesso lhe deixando com um estilo rústico e gato.

Confesso que ver ele assim, mexe comigo.

Nicolas se vira rapidamente quando ouve aquela voz máscula e grave, parece incrédulo com o que vê.

Limpo minha baba mentalmente, e me recomponho. Não sei o que mais me proporcionou prazer nesse momento, se foi descobrir o quanto meu convidado é atraente ou ver a expressão de ciúmes estampada na cara de Nicola?

Me divirto com às duas coisas.

10 x 0 pra mim.

Pego as peças de roupas que eu havia separado, dou a volta em Nicolas ignorando sua cara de paspalho e levo até meu hospede. Estou de costas para Nicolas e tento me comunicar com o novo deus grego bem a minha frente, mexo os lábios de forma que ele compreenda o que quero dizer, lhe encaro resmungo bem baixinho.

— Meu ex...

Pelo sorriso que solta, sei que compreende e ainda percebe que estou precisando de ajuda.

Ainda tenho dúvidas se o que estou prestes a fazer irá dar certo, mesmo assim decido me arriscar.

Falo para meu hóspede usando o tom mais amável que conheço e... alto:

— Me desculpe, meu amor, esqueci de entregar suas roupas, elas estão bem aqui — falo interpretando meu personagem da melhor forma possível. Lhe entrego as roupas e continuo: — Deixe eu te apresentar, esse é meu amigo do trabalho, Nicolas.

Nicolas está de todas as cores, não tem cara de bons amigos, faz apenas um leve gesto de cabeça.

— Você é ...? — ele pigarreia.

Então sei que ele está constrangido com toda situação. Estou vibrando de alegria por dentro, agora Nicolas vai sentir um pouco do que eu senti quando soube do seu ridículo noivado.

Respondo Nicolas, pois noto que meu hóspede está meio perdido.

— Mateo. Ele se chama Mateo! — falo ainda um pouco nervosa, tenho medo de que tudo dê errado. Eu deveria ter conversado com ele antes de inventar tudo isso.

Me surpreendo quando sinto uma mão forte tocar meus ombros de forma carinhosa. Meu salvador está entrando na brincadeira, vejo que ele percebe o que está acontecendo, sinto um enorme alívio.

— Isso mesmo, sou... Mateo.

Ele fala de forma simpática e estende a mão para cumprimentar Nicolas. Mas o orgulho do meu ex é muito grande, e a princípio acredito que nem vai corresponder, mas após um longo instante, estende-lhe a mão de volta.

— Sou, Nicolas... Amigo da Ana — Nicolas fala num tom engasgado.

Caramba, estou me divertindo horrores!

Meu hóspede e namorado de mentira, continua:

— Ah, sim. Ana me falou de você. Acho que tiveram um caso, algo parecido — ele fala como se o que aconteceu entre mim e Nicolas, tivesse sido algo insignificante, isso não poderia ficar melhor. Poxa, ele merece um oscar de melhor ator. Queria ver a reação de Lili se assistisse a cara de idiota que Nicolas está fazendo.

Acho que Nicolas acredita que eu lhe traí com o tal Mateo, pois fica com seu ego completamente ferido.

— Então, ela te contou, Ana te falou sobre meu noivado também?

Noto que ele está tentando me ferir. E isto é um golpe muito baixo.

Uma fúria me invade e não deixo meu hospede, responder. Faço questão de enfrentar Nicolas.

— Falei sim, Nicolas. Falei que tínhamos apenas um relacionamento casual — encho meu peito de ar e continuo: — Mas que você viajou e terminamos tudo porque você resolveu ficar noivo da sua ex que te traiu. Ah, e tudo isso ontem! — infelizmente não consigo conter minhas emoções, me recordar de tudo é incômodo, e percebo que minha voz sai num tom magoado. Preciso me conter ou vou estragar tudo. Então respiro fundo e dou a última cartada: — Contei tudo para Mateo, ontem mesmo quando ele chegou... e dormimos juntos aqui em meu apartamento. Não há segredos entre nós.

Quando finalmente termino, respiro fundo. Não sei por quanto tempo vou suportar esta farsa, não tenho mais condições de continuar, preciso que Nicolas, vá embora antes que eu desabe de forma patética e digo para esse canalha o quanto ele me magoou.

Então meu novo amigo se manifesta ao meu favor, ele tenta me ajudar enfrentando Nicolas. Fico surpresa.

— Afinal, Nicolas, o que você quer aqui com minha namorada? — ele fala se soltando da muleta colocando o pé no chão, fico apreensiva, pois ele não poderia fazer isso. — Ana e eu estamos juntos, você não a ouviu dizer? — Meu amigo chega até a porta e abre, expulsando Nicolas, não sei como ele consegue, mas acho que é toda raiva que ele parece sentir. Quando acho que acabou, meu hospede completa:— E tem mais, cara! Você perdeu a mulher incrível que ela é!

Estou absorta com o que acabo de ver e ouvir, nunca ninguém me defendeu desta forma. E ele nem ao menos me conhece.

Nicolas ainda está com seu ego estraçalhado, não tanto quanto meu coração, recolhe o resto de dignidade que sobrou e sai resmungando:

— Estou aqui, porquê sou um idiota.

Nicolas saí batendo a porta, exaltado.

Fico trêmula, ainda não acredito em tudo o que houve aqui. Meu falso Mateo se aproxima preocupado, acho que estou pálida.

— Ana você está bem? Quer um copo com água? — pergunta.

Não consigo falar, o ar me falta. As lágrimas descem, apenas choro. Meu novo amigo se senta ao meu lado e gentilmente me deixa repousar em seus ombros.

— Calma, vai ficar tudo bem. Aquele é um imbecil, não merece seu coração.

Fungo. E continuo em lágrimas, sinto uma dor que não passa, a dor de ser enganada e traída. Ainda não acredito que Nicolas teve a coragem de vir até aqui. Mas suspiro ao perceber que ele teve uma lição, só acho que eu deveria estar mais feliz com isso, e na verdade só resta um imenso vazio.

A campainha toca novamente, meu amigo recebe a nossa pizza e coloca em cima da mesa dispensando o entregador.

Não tenho fome, já não tenho vontade de mais nada.

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