Ana Meireles
Depois daquele dia em meu apartamento, ainda tivemos alguns encontros, não sei que tipo de relacionamento temos, mas Liliane insiste em me dizer que encontros apenas a noite e em meu apartamento, sem assumir publicamente, não se trata de nenhum tipo de relacionamento. Eu a ignoro, afinal, ela nunca gostou de Nicolas.Lili e eu, passamos no Café Mix, o nosso preferido, ela paga nossas bebidas, e o atendente nos entrega dois cafés. Se trata de um homem aparentemente tímido por trás de seus belos olhos claros, mas é visível que ele nutre algum interesse por minha amiga, mas nunca entendi o motivo de Liliane fingir não notar, as vezes ele coloca gotas de chocolate em formato de coração no capuccino dela, ou tenta puxar algum assunto que minha amiga ignora, mas já a peguei olhando para ele antes de sair.Já estamos na saída do café seguindo para a redação, eu seguro meu café com uma mão fazendo um esforço enorme para não me queimar enquanto com a outra mão estou conferindo minhas mensagens no celular numa ansiedade absurda. Tenho estado assim desde que Nicolas viajou. Sei isso é idiota, afinal não somos namorados. Mas confesso que ficaria satisfeita que ele me mandasse algo, afinal desde que foi promovido ao jornalismo de campo quase não temos mais tempo, nossa comunicação tem sido através de mensagens. Leio a última vez que ele me enviou, há uma semana, quando desembarcou na Turquia." Provavelmente na segunda estarei de volta, será apena uma semana."Neste caso, hoje. Sem perceber sorrio assimilando a mensagemOuço a voz de minha amiga tentando de todas as formas acabar com meu bom humor de hoje.- Você está assim tão sorridente, apenas porque Nicolas retorna hoje.- Mas é claro que não! - minto a encarando.- Ana, eu acho um absurdo você não ter uma conta no I*******m.Bufo, não entendo o porquê da mudança de assunto, mas Lili sempre insiste nisso, diz que eu preciso me atualizar, e que não entende como um ser humano consegue viver sem redes sociais. Não gosto de expor minha vida e se eu tivesse uma conta no I*******m, seria destas pessoas que postam apenas imagens de belas paisagens, pois não gosto de tirar fotos.Uma brisa fria nos invade, meu corpo se arrepia inteiro. Me arrependo por não ter trazido uma blusa mais grossa, segundo a previsão do tempo o inverno inicia hoje.De repente sinto Lili tomar o telefone das minhas mãos.Ficamos paradas na calçada, há um pequeno movimento de pessoas seguindo para o trabalho e carros na avenida principal.- Vamos fazer uma conta para você agora mesmo!Somente a ideia de ter uma um perfil no qual as pessoas vão ficar vasculhando minha vida me deixa nervosa. Então pego meu celular de volta. Paradas no meio do centro da cidade, minha amiga me observa absorta e respira rápido como se estivesse irritada. De repente seus pequenos olhos de traços orientais estão vagando por trás dos meus ombros. Dou uma olhadinha e vejo que dentro do café, o rapaz de cabelos cacheados castanhos, o mesmo que nos atendeu, desenvolve um diálogo bastante à vontade com uma mulher incrivelmente sexy vestida de roupas de academia. A cena deixou Lili visivelmente incômoda.Então aproveito:- Por que ao invés de cuidar da minha vida social e amorosa, você não pede o contato desse rapaz? Ele é louco por você.Ela me olha ainda mais irritada que antes e sai a minha frente em passos largos, sigo segurando minha bebida com cuidado para não derramar.Ouço ela resmungar:- Eu não sou como certas pessoas, que se iludem facilmente com sexo oposto. Viu como ele não pode ver um rabo de saia?- Não vi nada demais, ele apenas está fazendo o trabalho dele, atendendo bem as pessoas.Ela para bruscamente e quase nos esbarramos, Lili se vira para mim com todo seu mal humor.- Não é porque você está vivendo um romance de mentira que possa me fazer acreditar que vale a pena um relacionamento de verdade!Noto que as coisas começaram a esquentar.- Eu não estou vivendo um relacionamento de mentira. Nicolas e eu...- fico tentando definir o que há entre mim e ele, mas todas as vezes que tivemos essa discussão eu perdi a briga, como agora - estamos indo devagar.Lili bufa revirando os olhos.- Ana... Eu sou sua amiga. Preciso te abrir os olhos. Nicolas não passa de um mulherengo e aproveitador. Ele te usou para ajudá-lo com a tese de mestrado e também para conseguir essa promoção.Ela já havia me dito isso antes, mas na ocasião soava como uma especulação e não com tanta certeza quanto agora.Um frio me invade o estômago.- Amiga, não quero te ver sofrer, Ana.Lili se aproxima e me toca delicadamente.- E por qual motivo eu iria sofrer?Falo como se fosse algo impossível, mas na verdade estou sentindo muito medo.- Ontem, ele postou uma foto na sua despedida da viagem, ele estava na Capadócia... com a Laura.Fico surpresa ouvindo suas palavras, afinal eles tinham rompido há uns quatro meses.Ouvimos rumores de que ela o estava traindo.- Ela... Deve ter sido encaixada para esse trabalho de última hora...- falo insegura.Sinto minha amiga me puxar pelo braço, desta vez com força.- Ele estava de joelhos entregando um anel pra ela, ao pôr do sol, com aqueles malditos balões no fundo, com a hashtag #DeVoltaENoivos.Ainda demoro para assimilar as coisas, não consigo me mover com a cena dos dois em minha mente naquele cenário perfeito firmando um compromisso. Em momentos como esse me sinto uma tola por não ter redes sociais, talvez minha amiga esteja certa, é hora de me atualizar.- Ana! - escuto a voz de Lili e acho que já é a milésima vez que ela me chama.- Você... Tem certeza...? - pergunto praticamente anestesiada. - Ou você só está querendo me deixar com raiva dele? - Infelizmente Lili não responde, apenas abaixa a cabeça. Então sei que ela está falando a verdade. - Droga!Olho para o copo em minhas mãos, o café já não tem mais graça. Por mais que Nicolas nunca tenha oficializado o que havia entre a gente, fica nítido demais que ele apenas me usou, sinto uma mistura de sentimentos, entre elas, me sinto uma idiota. Talvez eu gostasse dele mais do que eu imaginava.Novamente minha amiga me puxa pelo braço quando começamos a atravessar a rua, quase me esbarro em um ciclista.Em alguns instantes entramos no imenso prédio da redação do Jornal JP NOTÍCIAS para o qual trabalhamos. Subimos o elevador em silêncio. Meu desejo é de desaparecer da face da terra. Entramos na recepção, não consigo sequer dar um bom dia a ninguém. Quando viro o corredor percebo um movimento estranho, parece que todas as mulheres resolveram se reunir ali, ouço gritinhos e pulinhos de alegria. Sinto Lili me apertar forte, quando percebemos do que se tratava.Vejo a imagem de Laura vestida lindamente com um vestido social bem justo exibindo seu lindo anel de noivado. Todas as mulheres vibram enquanto ela conta detalhes sobre o pedido perfeito que recebeu de Nicolas.Instantes depois vejo ele, Nicolas, o maldito está saindo do escritório de Richard, nosso editor chefe.- Parabéns, Nicolas. Já estava passando da hora. - Escuto Richard dando felicitações a ele.No primeiro instante ele não me vê. Está sorrindo feito um babaca.Ele se aproxima de Laura e envolve sua cintura com as mãos. Todos os aplaudem e o assisto tocar os lábios dela com os seus.Lili toca meus ombros.- Vamos sair daqui. - diz e me puxa tentando me tirar dali.Permaneço paralisada no mesmo lugar.Quando os aplausos cessam, Nicolas passeia os olhos ao redor e de repente me vê. Por um instante seu sorriso murcha, sua expressão fica tensa, ele engole seco e estreita as sobrancelhas, eu poderia jurar que ele se sente mal, mas logo abandona nosso contato visual com naturalidade.Richard pergunta animado:- Já escolheram uma data?Nesse momento percebo como ele sabe fingir bem, parece que nunca houve nada entre a gente.- Bom, uma coisa de cada vez...- fala rindo.De repente sinto o café escorregar das minhas mãos e se derramar todo em minha calça verde, um modelo completamente sem graça. Porém acabo me tornando o foco de todos, vários olhares me encaram, sinto como se estivesse nua.- Merda! - xingo baixinho. Sorte que nem está tão quente.Lili tenta ajudar, me limpando com um guardanapo, mas só consegue me deixar mais nervosa.Felizmente alguém quebra o silêncio com mais uma felicitação ao casal.O foco se volta a Nicolas e Laura, o casal do ano. Aproveito para me virar de costas e sair pelo mesmo lugar que entrei.Caminho depressa em direção ao elevador e felizmente ele se fecha antes que Lili entre. Sorrio sem graça desejando que ela entenda que eu preciso ficar sozinha. Quando a porta do elevador se fecha, sinto minhas mãos úmidas, geladas, meus batimentos cardíacos se aceleram. Estou tendo uma crise de ansiedade. Respiro fundo tentando me aquietar antes que eu perca o fôlego. É uma sensação esmagadora e sufocante. Como se caísse de um penhasco e nunca chegasse ao chão num looping infinito de angústia e medo.Quando a porta se abre, faço um esforço descomunal para sair, há um grande movimento de pessoas aguardando para entrar, eles me analisam curiosos, certamente minha aparência está horrível. Finalmente consigo me mover e saio devagar sentindo minhas pernas ainda trêmulas.Ao lado de fora, sinto um vento gelado tocar minha pele, o céu está escuro, as nuvens num tom acinzentado assim como meu estado de espírito. A sensação de ser usada e enganada é a mais dolorosa de todas, Nicolas partiu meu coração, como se já não estivesse ferido o suficiente.AnaPrecisei de alguns minutos no café mix sentada e completamente desolada para me recompor. Aquele atendente, o mesmo que paquera minha amiga, está alí, gentil e simpático com todos os clientes, sempre sorridente e educado. Talvez Liliane esteja errada, nem todos os homens são iguais, apenas não tivemos a sorte de encontrar um que não seja canalha ou que nos use apenas com interesses pessoais ou sexuais.Minha amiga me envia várias mensagens, ela está bastante preocupada, em uma delas, Liliane me avisa que o casal top não estava mais na redação. Então consigo retornar mais tranquila e me esforço para voltar ao trabalho.O dia se arrasta, durante um intervalo, decido fazer algo que já deveria ter feito, crio uma conta no Instagram. A princípio é muito mais fácil do que imaginava, em instantes Liliane já está me mandando mensagem histérica quando descobre, e é a primeira a me seguir. A sigo de volta e logo o algoritmo me sugere várias contas que estão vinculadas a minha amiga e a pri
Ana Enquanto passo pela cidade fico dando voltas a fim de não voltar pra casa, afinal, Nicolas disse que passaria lá. Então sigo por um caminho diferente, quase nunca passo por aqui. Ainda estou refletindo acerca da droga que minha vida se tormou. Trabalho a cinco anos no jornal, sou bem sucedida em minha carreira profissional, mas não tenho muitos amigos, e nem tempo pra fazer novos. Tenho pouco mais de vinte cinco anos, não tenho filhos, nem um relacionamento estável, talvez um cachorro tenha mais vida social do que eu.Já é tarde, confesso que estou exausta, preciso de um bom banho e comer algo. Vejo que há pouco movimento na rua. Está muito frio e me arrependo pela segunda vez por não ter trazido uma blusa mais grossa.Meu carro para de repente.— Droga! Era só o que me faltava.Desço e abraço meu próprio corpo por causa do ar gélido. Na semana passada tive problemas com a parte elétrica, talvez seja o mesmo problema, não pude deixar o carro na oficina, o mecânico me avisou que f
Ana Faz quase duas horas que estou no hospital, sentada na recepção aguardando notícias do homem que me salvou.Liguei para Lili assim que cheguei aqui, a pobrezinha estava desesperada atrás de notícias minha, afinal desapareci o dia todo. Conto a ela parte do que aconteceu e como boa amiga que é, sem pensar duas vezes disse que está a caminho. Não tenho muitos amigos, e Lili é mais que especial.Os médicos me chamam para dar notícias do homem internado, estou angustiada por informações dele. - Senhorita, Ana Meireles.Me levanto para falar com o doutor.- Sim, sou eu.Ele analisa a prancheta em suas mãos e se vira para mim novamente.- Bom, o homem que a polícia trouxe, não tem nome, nem endereço... Não conseguimos nenhum contato de familiar pra avisar sobre a briga. O quadro dele é estável. Fizemos um raio x, todos os exames necessários, ele teve muitas escoriações e... Uma entorse de tornozelo grave. Vai ficar em observação por vinte e quatro horas. Mas o que nos preocupa é sobre
AnaQuando estaciono no meu prédio, vejo que meu convidado, observa cada detalhe. Ajudo-lhe a subir até o elevador, enquanto ele me pergunta:— Você mora aqui há muito tempo?Aperto o botão do 3° andar enquanto respondo:— Há 5 anos.Chegamos e abro meu apartamento, somente agora me lembro sobre o quanto está tudo sujo e bagunçado. Sou a desorganização em pessoa. Tem roupas espalhadas por toda parte e enquanto ele se senta vou recolhendo pelo menos algumas peças, principalmente meu sutiã branco de renda na qual ele acaba de se sentar em cima. Fico vermelha de vergonha, ele sorri como se não se importasse. Porém, eu me importo, e desejo sumir neste momento. Noto também, que há sacos de salgadinhos espalhados, latinhas de refrigerante no canto da sala e meus sapatos próximos do corredor.Bufo.— Me desculpe a bagunça, é que não tenho muito tempo para faxinar a casa.— Tudo bem.Tudo bem nada! Estou morta de vergonha. Procuro um assunto para disfarçar:— Já que você resolveu vir, pode fi
AnaDepois do meu chororô, meu amigo, foi se vestir para comemos nossa pizza, o que é bom, pois estava difícil focar em algo que não fosse seu corpo escultural e nu tão próximo de mim. O que é estranho, não costumo ser tão assanhada.Me recomponho e coloco a mesa para o nosso almoço. Ele chega e percebo que as roupas ficaram perfeitas, uma blusa de gola alta e um jeans básico. São roupas usadas que arrecado para doar todos os anos aos nessecitados, levando em consideração que ele é um morador de rua, não saí da proposta.— As roupas serviram, ficaram ótimas — ele fala animado.Ainda estou analisando a perfeição desse homem. É incrível como ele estava escondido naquela cabeleira toda, parece outra pessoa.— Sim, ficaram, boas!— falo sem conseguir tirar os olhos dele.Nosso olhos se encontram e ele disfarça, mas eu, não consigo desviar. Não se trata somente de atração física, a forma como ele me defendeu ainda não sai da minha cabeça, ele parece ser uma boa pessoa.Fico rubra de vergonh
AnaAcordo cedo e saio bem devagar para não acordar meu hóspede. Na noite de ontem ele chegou tarde, me avisou que precisava sair mas que não iria longe. Fiquei preocupada, pensei várias coisas, mas não perguntei nada. Esse homem é um verdadeiro mistério.Encontro Lili logo na entrada do café, hoje decidimos sentar em uma mesa, temos muita coisa pra conversar. Ela parece ansiosa como sempre fica. Faz tempo que rola uma química entre ela e o rapaz atendente, porém minha amiga é muito orgulhosa pra assumir. Seu término com Bruno foi doloroso, ela quase nunca fala sobre o que houve entre eles. Mas sei que Lili ainda não superou tudo, e acredita naquela famosa frase que diz " que todos os homens são iguais e não prestam".Quando entramos, começo a compreender o motivo de sua aflição, mesmo que Lili tente disfarçar, sei que toda essa inquietação é porque já fizemos nossos pedidos e o rapaz que nos atende todos os dias, ainda não apareceu.— Por que será que ele não está aqui. Logo hoje que
AnaEstaciono meu carro no estacionamento da empresa. Em seguida vejo o carro de Lili parar bem ao meu lado, pela forma brusca que ela freia, sei que está irritada, hoje não deve estar nos seus melhores dias.Descemos juntas. Ela se aproxima e nos cumprimentamos.— Tudo bem? — vou logo perguntando.Ela coloca seus óculos escuros e sorri meio falso.— Ótimo! Nada que um café no Majestic não resolva.Ela sugere o café da rua Dourados, não compreendo pois ela odeia o café de lá, desde que abriu o Café Mix, nunca fomos em outro.— Lili — a chamo indo atrás dela.— Já tomei café.Ela para no mesmo instante e me analisa por cima dos óculos.— Como assim? Você não faz café em casa.— Sem perceber estou sorrindo ao me lembrar da mesa impecável que Marco havia feito. — Marco preparou nosso café, hoje.Ela continua me olhando.— Marco? Quem é Marco, Ana?— Meu hóspede, Lili! Hoje ele me falou como se chama, Marco Fontanni.— Então quer dizer que você não vai ao Majestic comigo?Noto que seu mal
AnaSaio do trabalho as pressas. Marco e eu combinamos de levar comida hoje aos moradores de rua, juntos. Não foi um dia fácil, Lili e eu ainda não fizemos as pazes, tive vontade de me aproximar, não consigo ficar sem minha amiga, ela é muito importante pra mim, apesar de ter errado em seu julgamento com Marco, sei que ela adoraria estar conosco nesse programa. Talvez à noite eu lhe mande pelo menos uma mensagem, hoje a vi apenas duas vezes e estava com um semblante nada bom, nunca passamos tanto tempo sem nos falarmos.Chego em casa e sou recebida com aquele cheiro delicioso de comida caseira. Tenho uma grande surpresa ao ver Marco em pé caminhando pela cozinha sem as muletas, ele finalmente conseguiu colocar o pé no chão. Ainda tem um pouco de dificuldade, mas é notória sua boa recuperação.— Marco, você conseguiu colocar o pé no chão! — falo admirada.Ele sorri enquanto termina de embalar a comida.— Sim, fiz repouso como prometido durante o dia todo. Mas confesso que desde ontem à