NOITE RUIM

Ana 

Enquanto passo pela cidade fico dando voltas a fim de não voltar pra casa, afinal, Nicolas disse que passaria lá. Então sigo por um caminho diferente, quase nunca passo por aqui. Ainda estou refletindo acerca da droga que minha vida se tormou. Trabalho a cinco anos no jornal, sou bem sucedida em minha carreira profissional, mas não tenho muitos amigos, e nem tempo pra fazer novos. Tenho pouco mais de vinte cinco anos, não tenho filhos, nem um relacionamento estável, talvez um cachorro tenha mais vida social do que eu.

Já é tarde, confesso que estou exausta, preciso de um bom banho e comer algo. Vejo que há pouco movimento na rua. Está muito frio e me arrependo pela segunda vez por não ter trazido uma blusa mais grossa.

Meu carro para de repente.

— Droga! Era só o que me faltava.

Desço e abraço meu próprio corpo por causa do ar gélido. Na semana passada tive problemas com a parte elétrica, talvez seja o mesmo problema, não pude deixar o carro na oficina, o mecânico me avisou que faria um reparo paliativo, mas eu precisaria deixar o carro lá na próxima vez.

Saio e bufo.

A rua está deserta, tem poucas casas por perto. Me lembro de ter passado por alguns moradores de rua a um quarteirão atrás, apenas.

— Moça, precisa de ajuda?— Ouço uma voz a me chamar do outro lado da rua.

 De repente o homem atravessa a rua e fica perto demais.

— Oi, não precisa, está tudo bem — falo insegura.

Por algum motivo estou com medo. Não senti confiança nesse homem.

Ele continua se aproximando e meu coração se acelera, então ele me olha e conheço bem esse olhar, tem maldade e malícia.

— Não parece que está tudo bem. Deixa-me te ajudar, gracinha — ele insiste.

Sinto medo e penso em entrar no carro e fechar a porta para me proteger, aos poucos dou alguns passos até que me encorajo e me apresso. O tal homem percebe meu temor e minhas intenções, rapidamente me segura já com o corpo quase dentro do carro. Sinto ele me jogar no estofado, meu corpo b**e contra o câmbio de macha com violência.

— Eu quero seu celular e dinheiro! — ouço-o dizer enquanto procura os itens.

Uma de suas mãos segura meu braço com força.

Cenas do maldito Zeca me invadem a mente…

" Eu tinha apenas onze anos, minha mãe não estava em casa, e desta vez eu não consegui fugir como das outras, ele me encontrou escondida bem na casinha do jardim. Estou sentada com as costas na parede de madeira, as mãos abraçadas nos joelhos dobrados, estou em pânico, assustada, temendo o que ele possa me fazer. De repente ele me encontra, seu corpo não é tão alto, por isso consegue entrar dentro da casinha, sua cabeça quase toca o teto. Ele está irritado por notar que eu estou me escondendo. 

— Ah Jullynha, você está aí…

Então tento recuar mas não tenho mais pra onde ir, tomada pelo desespero fecho os olhos e choro. De repente sua mão enorme toca meu braço me obrigando a me levantar, rude e com força…"

— Rápido sua vadia, o celular!— volto ao presente e noto que não tenho mais onze anos e que a mão que aperta meu braço não é a de Zeca. 

Ainda estou paralisada e em choque, quando começo a reagir entendo que se trata de um assalto, então, de repente sinto um alívio, o corpo imundo dele é lançado de cima de mim. Ouço uma voz masculina vindo do lado de fora e gritar:

— Solta ela!  — O desconhecido fala com fúria em sua voz.

Levanto-me ainda assustada, então, noto que estou livre. Ao lado de fora assisto o assaltante partir para cima do homem que o chamou, ele se parece com um morador de rua, assim como àqueles que vi a pouco. Veste roupas sujas e rasgadas, sua barba e cabelos são longos e claros, seus olhos também parecem serem claros num tom quase azul, não consigo identificar direito, e também usa uma touca na cabeça.

— Quem você pensa que é seu mendigo imbecil, ela é só uma vadia qualquer!

Engulo seco temendo a situação.

O assaltante vai pra cima do homem que está tentando me ajudar. Ele se esquiva, porém na segunda tentativa é acertado em cheio.

Estou muito nervosa, olho para os lados a fim de conseguir ajuda, mas está tudo deserto e escuro.

Ainda estou apavorada ao ver os dois em luta corporal, mas o assaltante é bem mais forte e grande, na verdade o rapaz que me ajudou foi muito corajoso em enfrentá-lo. Começo a me desesperar quando vejo que ele está recebendo uma surra daquelas, a angústia me invade, aflita grito por ajuda, mas ninguém aparece.

— Pelo amor de Deus, alguém me ajude! — peço andando de um lado para o outro.

A briga fica pior. O rapaz parece desmaiar, e o bandido monta por cima dele e o agride várias vezes no chão. 

Então decido sair e tentar conseguir socorro.

Vou até a rua principal, fico aliviada ao ver um carro de polícia passando na avenida, começo a pular no meio da rua feito uma louca, faço gestos e eles vem em minha direção.

— Ali, tem um homem que tentou me atacar! — começo a dizer trêmula enquanto eles se aproximam.

Eles nem param o carro e seguem até o local que indiquei. Em meus pensamentos peço a Deus que o rapaz que me ajudou não esteja morto.

Chego quase sem fôlego, os policiais estão socorrendo o homem e o agressor não está, certamente fugiu. Maldito!

Mas o rapaz está desacordado no chão, bem machucado.

— Meu Deus! Ele morreu? — pergunto ao ver o seu estado.

O policial tenta fazer os primeiros socorros.

— Não, ele só desmaiou.

Sinto muita raiva que o maldito tenha fugido, mas concentro minhas energias no homem ao chão, desejo que ele não esteja em estado grave.

Os policiais colocam o homem na viatura e me avisam que vão levar ele para um hospital que fica ali próximo. Dou minha versão dos fatos e depois volto para meu carro. Faço todas as preces existentes pedindo que ele funcione e felizmente sou atendida.

Sigo o carro da polícia, preciso dar suporte ao rapaz que me ajudou, não sei quem ele é, mas se sacrificou por mim, não posso deixá-lo sozinho.

Em meio a uma angústia terrível, meu coração se aperta. Reflito novamente sobre todo caos que está minha vida, bufo, eu sabia que meu dia poderia piorar.

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