Na segunda-feira, ele não dá aula, mas ainda assim não é um dia livre. Ele vai para a universidade. Imagino que seja um dia reservado para reuniões e preparação de aulas.
Outro detalhe que observei é que ele corre todos os dias no final da tarde. Sei disso porque sou a responsável por colocar o lixo para fora. Um dia, vi ele saindo de casa com roupas de corrida, e no dia seguinte, confirmei a rotina quando o vi novamente, saindo no mesmo horário.
Nos finais de semana, ele sai para comprar jornal. Achei curioso, já que o jornal poderia ser entregue na casa dele, como acontece na minha. Descobri isso por acaso, quando o meu pai pediu para eu pegar a pasta dele que havia esquecido no carro, e avistei o Zafir passando em frente à nossa casa, com o jornal debaixo do braço.
Ele parece adorar ler. Muitas vezes o observo deitado na cama, sempre com um livro nas mãos. Bem, isso era esperado, afinal, ele é professor de um curso que forma escritores, revisores e redatores.
E agora vem o detalhe que eu considero o mais interessante: até agora, não o vi com nenhuma mulher.
Suspiro.
Allah! O Zafir seria o homem perfeito para mim, se não fosse por um grande empecilho: a minha amiga está apaixonada por ele, e eu preciso respeitar isso. Tenho que parar de alimentar esses sonhos românticos com ele.
O pior de tudo é que, ao me envolver nessa tarefa de observá-lo, acabei me envolvendo demais. Sinto como se fosse puxada para a janela por um imã invisível, e os meus olhos buscam automaticamente qualquer movimento vindo da casa dele.
Aperto os lábios ao lembrar dos seus lindos olhos negros, que de vez em quando procuram os meus na sala de aula. É patético como o meu corpo reage. As minhas mãos ficam úmidas, o meu coração b**e descompassado no peito e o meu cérebro simplesmente trava, e eu demoro para responder qualquer pergunta que ele faça. Eu detesto sentir todos os sintomas típicos de uma adolescente, e isso me frustra ainda mais. Afinal, eu tenho vinte anos, já sou formada em Letras e estou cursando uma especialização em Escrita Criativa. Não estou mais no ensino médio!
Fico pensando… Se eu, que o conheço há apenas um mês, já estou completamente envolvida, imagina como a Samantha, que gosta dele desde o ano passado, deve se sentir?
Dá para entender por que ela é tão obcecada por ele.
Tento afastar os meus pensamentos do professor bonitão e acendo a luz do abajur. O que eu deveria estar fazendo agora é ler o livro que ele me passou para a aula!
Tic-tac, tic-tac.
Os minutos passam, mas quem disse que consigo me concentrar na leitura?
Um sorriso lento se forma nos meus lábios ao me lembrar da última aula que ele deu.
Allah! Ele estava simplesmente deslumbrante, de tirar o fôlego. Um verdadeiro bad boy chique. Cabelos negros, cheios, quase espetados. Jaqueta de couro preta e calça da mesma cor. Por baixo, uma camiseta branca que evidenciava os músculos sempre que ele se movia. As botas de cano curto completavam o visual impecável.
Ah, ele é um verdadeiro colírio para os olhos, um dos homens mais bonitos que já vi.
A classe inteira se enche de risinhos e cochichos quando ele entra. É sempre assim, a mulherada baba, comentando sobre as roupas dele, os sapatos… E não é para menos.
Quem já viu um árabe vestir-se de forma tão despojada?
Realmente, é intrigante!
A Samantha não age diferente das outras garotas. Já eu, ao contrário, tenho uma reação oposta: pura introspecção. Ele me inibe tanto que eu me fecho, passando até a impressão de ser uma pessoa desligada. Mas é só uma impressão, pois, na verdade, eu estou muito atenta a tudo. Mesmo de olhos fechados, posso sentir cada movimento que ele faz na sala.
Agora, voltando ao meu raciocínio anterior. Todo aquele burburinho da mulherada e as conversas paralelas dos homens terminam assim que o Zafir se posiciona em frente à sala.
Basta um olhar dele, e o silêncio reina.
As suas aulas são ótimas, sempre cheias de humor, com pausas dramáticas para criar um suspense, quase como uma peça de teatro. A turma se diverte com as suas tiradas. Porém, a sua postura nunca é relaxada. Ninguém ousa tirar sarro ou fazer graça com ele. A linguagem corporal dele impõe respeito.
Ah, e quando ele dá aquele sorriso frio… é como o rosnado de um cão ou o aviso de uma cascavel. Quem estiver conversando, mexendo no celular ou distraindo a aula, ao ver aquele sorriso que não toca os olhos, para na hora.
Apago a luz do abajur e volto a espiar pela janela, afastando as cortinas de leve. Quando o vejo na sua janela, pensativo, me assusto e dou um passo para trás, escondendo-me mais nas sombras.
Idiota!
Estou no escuro, ele não pode me ver!
Rio baixinho, respirando fundo. Olho novamente. Ele parece tão distraído, como se estivesse aproveitando a calma da noite. Ele permanece ali, os seus olhos passeando pela minha casa, depois pela rua, pelo céu estrelado, até que, alguns minutos depois, entra no quarto e apaga as luzes.
Cheia de tensão, suspiro, soltando o ar de uma só vez. Só então percebo que estava apertando as minhas mãos com tanta força que quase me machuquei com as unhas.
Lembro-me dos olhos do Zafir quando ele está na sala de aula, assim, pensativo. Ele não parece ser uma pessoa feliz. Há algo de amargo no fundo daqueles olhos. Até o seu sorriso, por mais bonito que seja, parece carregar dor ou ressentimento.
Não sei.
Talvez seja só fruto da minha imaginação fértil ou uma impressão equivocada.
Paro de pensar nisso e volto a acender a luz do abajur. Pego o caderno e olho o título.Oficina de Escrita Criativa.Dou um suspiro quando me vem à mente um poema que li esses dias:"Palavras não são apenas um amontoado de letras que se juntam em concordância, formando significados e significantes. Palavras são sentimentos em forma física de expressão, que podem servir tanto como uma ponte quanto como um abismo."Afasto os pensamentos que a romântica incurável desperta em mim e começo a ler o livro.Eu ainda estava estudando quando ouvi meus pais chegarem. Antes que Yasmin me importune com sua presença no meu quarto, por causa da luz acesa, aperto o interruptor do abajur e fico no escuro.Claro, não me deito de imediato. Levanto-me para dar uma olhadinha no meu vizinho lindo. Como ele está sentado distraído, afasto bem as cortinas para observá-lo melhor, mas fico com o corpo para trás, tendo o cuidado de me manter oculta nas sombras. Seu quarto está pouco iluminado; a única luz provém
O café da manhã com os meus pais foi um evento silencioso, pois seguimos a tradição de não conversarmos à mesa. Crescer numa família libanesa é diferente, mas não tão diferente de outras famílias com origens étnicas. Há sempre costumes próprios, tradições, e expressões típicas amigáveis.Ah, e os diálogos em família, que mais parecem brigas, mas não são! A gente se ama muito. Temos pratos típicos, bebidas e doces, muitos doces! O kibe cru ou assado são nossos favoritos. Alho e cebola crus também, e é completamente normal comê-los misturados à comida. Todos os finais de semana, a refeição vem acompanhada de uma travessa de vegetais crus como aperitivo. Hortelã? Nem pensar em faltar! As nossas comidas incluem shawarma, homus, falafel, e uma variedade de receitas com grão-de-bico. E os doces? Sem contar o nosso indispensável "talher", o pão pita.Chá de ervas com canela é comum. Se rolar uma briga, nada que um gole de arak ou café árabe forte e encorpado não resolva. Para as crianças, ja
Inspiro e expiro profundamente três vezes. Espero que isso me acalme. Agora eu preciso de muita coragem para encará-lo. Bato na porta e a abro. Zafir fica rígido e se vira lentamente para me olhar. — Sim, ele é lindo. — Aqueles inconfundíveis olhos negros, atentos a todo e qualquer detalhe do comportamento das pessoas, me encaram fixamente. Eles são tão hostis que por um instante sinto medo. Estremeço ao ponto dos pelos dos meus braços se eriçarem. O olhar só durou um segundo, mas me congelou no lugar. Sem conseguir dar um único passo, sinto um calafrio percorrendo minha espinha dorsal, o coração bate agitado. Allah! Tudo seria bem mais fácil se você não fosse tão idiota e tão vulnerável! — A Senhorita pretende entrar ou não? —Ele me questiona sério. Sua pergunta me tira daquele limbo e eu aceno para ele com um gesto de cabeça. — Naʿam, rabbigh fir lee.[1] — Quando todos da sala riem, dou-me conta que meus anos de estudante em uma escola árabe se foram. Allah! Acho que a minha c
— Está certo. — Eu digo, simplesmente, para me livrar dela.Tento me acalmar depois que ela sai. Permaneço no meu lugar por alguns minutos, olhando para o nada. Sinto uma tensão no ar, como se algo estivesse prestes a acontecer.Escuto os movimentos de Zafir ao longe. Imediatamente, meus olhos o procuram. Sua expressão fria não revela nada diretamente, mas eu percebo o leve traço de irritação em seus gestos. Ele guarda as suas coisas na mala com uma força exagerada, como se estivesse descontando uma raiva silenciosa.Respiro fundo e começo a colocar as minhas coisas na mochila, tentando imitar a sua compostura, mas sinto o meu coração acelerado. Quando termino, volto a olhar para ele. Zafir está sentado atrás da sua mesa, me observando em silêncio, os seus olhos escuros cravados em mim como se estivessem a desvendar todos os meus segredos.—Sente-se aqui, senhorita Nurab —Ele aponta uma cadeira em frente à sua, uns dez passos distantes de sua mesa.Eu obedeço. Com passos vacilantes me
Ele gargalha, parecendo o gênio do mal, e eu fico espantada, olhando para ele, sentindo-me totalmente vulnerável. De repente, ele me puxa para os seus braços. Estremeço com o calor dele e sou privada de oxigênio. Olho assustada em os seus olhos, com cada centímetro de mim queimando de calor. Ele sorri diabolicamente antes de sua boca cobrir a minha.Estremeço ao sentir a umidade morna e deliciosa de a boca dele. O gosto dele é de menta.Allah! Eu nunca tinha sido beijada assim antes. Sinto-me devorada por os lábios dele, enquanto a sua língua invade a minha boca. Sinto os braços dele me puxando para mais perto, cada vez mais. Um choque de prazer atravessa o meu corpo quando percebo o estremecimento dele.Não sei quanto tempo passou com os seus lábios movendo-se nos meus, sugando. Quando ele me puxa ainda mais, sinto o cume duro em as suas calças pressionando contra a minha barriga. Isso causa um efeito devastador em mim e me assusta.Ofegante, fujo de os seus lábios e espalmo minhas m
— Pai eu estou dizendo a verdade!—Verdade? Da mesma forma que você falou a verdade quando se encontrava escondido com Liam?Eu me aproximo dele.—Pai, olha. Sei que errei por ter escondido Liam do senhor, mas eu já disse um milhão de vezes, eu nem o beijei. Só estávamos nos conhecendo. —Baixo a cabeça com o rosto mergulhado em lágrimas. —Mas agora, acredite em mim…Ah, eu posso provar! O senhor pode falar com meu professor.Foi pior, meu pai se enfurece. —Ah, é com ele que está saindo? Um mundano! Juntos, combinaram de mentir para mim?—Pai, ele descende de libaneses. Ele não mentiria para o senhor. —Digo, sem alternativa.Os ombros de meu pai caem em alívio. Allah! Meu pai não pode saber que ele é nosso vizinho.—Libanês?—Sim. O senhor pode ir na escola conversar com ele se quiser. Ele pode explicar o porquê cheguei tarde.Meu pai olha para a minha mãe e depois me encara.—Tudo bem, eu ligarei na escola para saber se diz a verdade.—Está certo, vou subir. —Digo, carregada de trist
Às sete horas, começo a me preparar para o jantar. Visto a primeira coisa que encontro. Um vestido azul-marinho, uma sandália preta. Sinto uma certa intranquilidade. Ando pelo quarto; não consigo ficar parada. Ainda sinto a sensação dos beijos de Zafir e os braços dele no meu corpo. A imagem dele transtornado também não me sai da cabeça. Eu me sinto culpada. Só não o suficiente, por isso, no escuro, vou até a janela novamente.Afasto só a fresta da minha cortina e olho para a sua casa.Cortinas!? Ele puxou as cortinas?Coloquei a mão na boca abafando um riso nervoso. Com um suspiro me afasto. Não sei o que pensar.Allah! Quão injusto é o nosso destino. Quando eu sinto algo realmente por alguém, ele está fora do meu alcance. Eu nem me preocupo mais com Samantha. Zafir não está pronto para amar, se ligar a alguém. Quando ele me beijou, foi por desejo animal, arrogância, dominância, não sei.Allah! Esperei tanto por alguém como ele, mas há esse oceano entre nós. Uma vozinha interior me
No dia seguinte, sem curso, passei o meu tempo tentando ser produtiva. Era uma forma de me distrair e não pensar tanto em Zafir. Ajudei na cozinha, na arrumação da casa, e estudei um pouco.No começo da tarde fiquei na biblioteca. Tirei para tocar piano. A música sempre acalmava meus nervos. Toquei três canções. Amira, Mabruk e Khalia.Agora, fim de tarde, sem nada pra fazer, estou na varanda. Yasmin está mais à frente, brincando com sua casa de bonecas. Mas não presto atenção nela, meus olhos estão vidrados, sem nada ver, pois uma dor de cabeça chata martela as minhas têmporas e minha mente está invadida por imagens de Zafir. Fico revivendo tudo. Como um disco quebrado.Ele era bem enervante.Arrogante!Convencido!Por que eu penso tanto nele?Levanto-me da cadeira e entro para dentro.~ * ~ * ~ * ~ZafirDepois de dar uma corrida no quarteirão, chego em casa às cinco horas da tarde. Abro a porta e entro no hall espaçoso e sigo até a sala silenciosa. Subo as escadas e entro no meu qu