Inspiro e expiro profundamente três vezes. Espero que isso me acalme. Agora eu preciso de muita coragem para encará-lo.
Bato na porta e a abro. Zafir fica rígido e se vira lentamente para me olhar. — Sim, ele é lindo. — Aqueles inconfundíveis olhos negros, atentos a todo e qualquer detalhe do comportamento das pessoas, me encaram fixamente. Eles são tão hostis que por um instante sinto medo. Estremeço ao ponto dos pelos dos meus braços se eriçarem. O olhar só durou um segundo, mas me congelou no lugar. Sem conseguir dar um único passo, sinto um calafrio percorrendo minha espinha dorsal, o coração b**e agitado.
Allah! Tudo seria bem mais fácil se você não fosse tão idiota e tão vulnerável!
— A Senhorita pretende entrar ou não? —Ele me questiona sério.
Sua pergunta me tira daquele limbo e eu aceno para ele com um gesto de cabeça.
— Naʿam, rabbigh fir lee.[1] — Quando todos da sala riem, dou-me conta que meus anos de estudante em uma escola árabe se foram.
Allah! Acho que a minha consciência pesada colaborou para o meu estado catatônico.
O professor me olha sem dizer nada. Mas a carranca que surge em seu rosto, estremece meu corpo inteiro e eu quero sair logo de seu campo de visão, da sua presença, se fosse possível.
Apressada, dou um passo para dentro da sala de aula. Mal dei o segundo, meu pé se prende na mochila de alguém que está no chão e tudo voa, inclusive eu.
Escuto o arrastar de cadeiras e todos se levantam para me ver estatelada de barriga no piso frio. Sons de risos em todos os lugares.
Pronto! Agora eu era o centro das atenções, proporcionando a eles diversão garantida. Só faltava jogar uma lona para virar um circo.
Sinto mãos fortes no meu braço me ajudando a levantar.
Fico em pé. Uma cortina de cabelos castanhos dourados cobrindo meus olhos. Com uma passada de mão, eu os afasto. Sentindo-me ainda atordoada, os coloco para trás e alguns atrás das orelhas.
Meus olhos verdes, confusos se encontram com os luminosos e astutos negros dele, me observando. Seu rosto não mudou, ainda está frio, duro como granito.
Ele me solta e se agacha. Pega minha mochila e me entrega.
—Shukran[2]! — Eu digo.
Risos
Alalh! Árabe novamente não!
Passei um mês sentadinha, quieta no meu canto, quase me passando desapercebida.
Agora sou a garota árabe da sala de aula que tem afinidades com o professor?
Corrigi rápido:
—Obrigada.
—Afwan. — Ele no árabe (por nada) secamente.
Eu sinto meu rosto esquentar e me dirijo ao meu lugar tomando cuidado para não cair novamente. Podia sentir todos os olhos voltados para mim.
Nessa hora há um murmúrio de inquietação na sala, até o momento em que Zafir levanta os braços, pedindo silêncio e eu não me surpreendi com a obediência dos alunos, que emudeceram imediatamente. Eu conhecia o poder de dominação daquele homem.
Mas Samantha parece desatenta ao professor, pois logo que ocupo meu lugar, ela se vira para mim.
— Está tudo bem? O que aconteceu com você hoje? Quem deveria chamar atenção do professor sou eu, não você. Parece que fez de propósito.
Ah! Essa é boa! Eu me sinto irada com as palavras dela.
—Olha aqui! Não é...
—Jade! Você poderia agora, prestar atenção na aula? —Ouço a voz áspera de Zafir.
Endireitei-me na cadeira consciente da dureza de seus olhos em minha direção.
Ele estava chamando a minha atenção? Ele não viu que foi ela que iniciou a conversa?
Samantha se vira com um sorriso largo. Feliz de ver como o professor estava hostil comigo.
— Bem, como eu estava dizendo. A melhor forma de melhorar a escrita é.... escrevendo! Por mais óbvio que possa parecer, neste curso, treino é tudo. Exigirei muitos trabalhos práticos para que vocês concluam o curso com um portfólio rico. Se vocês apenas escrevem para os amigos lerem, estão perdendo seu tempo precioso. —Ele fez uma pausa e seus olhos encontraram-se com os meus e se fixaram intensos. Eu engoli em seco. Desviei meus olhos dos dele. —Para ser um bom escritor, requer muita leitura e observação do comportamento das pessoas. Mas claro, sem invadir a privacidade alheia.
Meu coração dispara ao ouvir as últimas falas. Não ouso nem olhar para ele. Podia sentir meu rosto queimar. As palavras dele funcionaram como fogo. E eu sou o camarão e que fica vermelhinho quando frito.
Sim! Eu não tinha dúvida nenhuma que ele me reconheceu ontem. Eu me sinto péssima com isso. Extremamente envergonhada pelo meu comportamento.
Uma vozinha me anima dizendo: Ele não vai te morder, se acalme. Você foi flagrada olhando justo na hora errada, mas e daí?
Ignore-o!
—Hoje introduzirei o assunto "descrição". Vocês treinarão muito aqui e em casa. Vou introduzir algumas imagens para realização desse trabalho. Não quero descrições secas, tentem ser o mais poético possível.
Ele abre sua pasta e retira um maço de folhas.
—Alguém pode distribuir, por favor?
Imediatamente Samantha se levanta pronta a ajudá-lo. Claro que ela não deixaria de fora essa oportunidade.
—Eu! Eu faço isso, professor.
Samantha muito sorridente pega das mãos do professor e, rebolando, começa a distribuir para todos na sala. Eu recebo a minha. Uma linda casa na praia e uma rede lateral a ela presa em uma árvore.
Samantha finaliza a entrega e volta para o seu lugar.
—Muito bem. Cada um recebeu uma imagem diferente. Quero agora que coloquem no papel aquilo que vocês estão vendo. Como eu disse, sejam criativos. Certo? A descrição tem que ser arrebatadora. Tem que fisgar o leitor, agarrá-lo pelo colarinho e dizer: "ei, você não vai querer sair daqui... vai ficar preso nessa história". Percebem? Alguma coisa ala Fitzgerald.
Ele se senta na ponta da mesa com um sorriso bem-humorado. E meu coração se aperta quando me lembro de ontem.
Agora sei que é um falso-sorriso e isso me deixa triste.
—Dúvidas?
Samantha com olhar atrevido levanta a mão.
—Samantha. Qual é a sua dúvida? —Zafir pergunta sentado na ponta da mesa, uma das pernas apoiada no chão, a outra suspensa balançando, bem à vontade.
—Caso eu tenha dificuldade, o senhor dá aulas particulares?
Ele sorri brevemente.
—Não, nem posso. É contra as normas. Suas dúvidas deverão ser tiradas aqui.
Ela que o olha com ar de fascinação exagerada. Faz biquinho e entorta os lábios.
—Puxa! Que pena professor.
Afasto meus olhos do lindo rosto dele. Fito minha folha com os olhos vidrados. Os minutos se passam e eu não consigo exorcizar da minha mente os últimos acontecimentos e digo para mim mesma:
Encare a verdade. Você não se sente mais como você mesma.
Sim, depois que presenciei sua dor, algo em mim mudou. Eu tinha lido a alma dele. Os recessos que se encontrava dentro dela. Agora eu sabia que ele sofria por alguém. Zafir não era mais apenas um rosto e um corpo bonito
Mas, quem?
Por que isso me incomodava?
Ouço passos, seu perfume amadeirado antecede sua presença. Levanto o rosto, vejo Samantha fazer o mesmo e olhá-lo com um sorriso nos lábios. Logo o professor está ao meu lado. Meu corpo se retrai como que por instinto
—Não escreveu nada ainda? Parece perturbada.
Eu o encaro séria. Com o coração agitado.
Respire. Apenas respire. Respire.
—Perturbada? — Em um sussurro questiono seu comentário, mas não me aprofundo no assunto e me faço de desentendida.
O silêncio para mim sempre foi um escudo para sobreviver aquilo que me constrange.
—Depois da aula quero conversar com você. —Ele diz seco.
Khara! Khara!Khara[3]!
O sinal toca. Zafir abre a porta da sala. As cadeiras se esfregam levemente no assoalho enquanto os alunos saem. Samantha não sai de imediato. Ela se vira para mim e me olha séria.
Com certeza tinha ouvido o professor me dizer para ficar.
—Eu te espero no estacionamento. Precisamos conversar. —Sua voz sai com uma entonação de aviso. Daqueles que não admitem ser contestados.
[1] Sim, me perdoe pelo atraso.
[2] Obrigada!
[3] Merda!
— Está certo. — Eu digo, simplesmente, para me livrar dela.Tento me acalmar depois que ela sai. Permaneço no meu lugar por alguns minutos, olhando para o nada. Sinto uma tensão no ar, como se algo estivesse prestes a acontecer.Escuto os movimentos de Zafir ao longe. Imediatamente, meus olhos o procuram. Sua expressão fria não revela nada diretamente, mas eu percebo o leve traço de irritação em seus gestos. Ele guarda as suas coisas na mala com uma força exagerada, como se estivesse descontando uma raiva silenciosa.Respiro fundo e começo a colocar as minhas coisas na mochila, tentando imitar a sua compostura, mas sinto o meu coração acelerado. Quando termino, volto a olhar para ele. Zafir está sentado atrás da sua mesa, me observando em silêncio, os seus olhos escuros cravados em mim como se estivessem a desvendar todos os meus segredos.—Sente-se aqui, senhorita Nurab —Ele aponta uma cadeira em frente à sua, uns dez passos distantes de sua mesa.Eu obedeço. Com passos vacilantes me
Ele gargalha, parecendo o gênio do mal, e eu fico espantada, olhando para ele, sentindo-me totalmente vulnerável. De repente, ele me puxa para os seus braços. Estremeço com o calor dele e sou privada de oxigênio. Olho assustada em os seus olhos, com cada centímetro de mim queimando de calor. Ele sorri diabolicamente antes de sua boca cobrir a minha.Estremeço ao sentir a umidade morna e deliciosa de a boca dele. O gosto dele é de menta.Allah! Eu nunca tinha sido beijada assim antes. Sinto-me devorada por os lábios dele, enquanto a sua língua invade a minha boca. Sinto os braços dele me puxando para mais perto, cada vez mais. Um choque de prazer atravessa o meu corpo quando percebo o estremecimento dele.Não sei quanto tempo passou com os seus lábios movendo-se nos meus, sugando. Quando ele me puxa ainda mais, sinto o cume duro em as suas calças pressionando contra a minha barriga. Isso causa um efeito devastador em mim e me assusta.Ofegante, fujo de os seus lábios e espalmo minhas m
— Pai eu estou dizendo a verdade!—Verdade? Da mesma forma que você falou a verdade quando se encontrava escondido com Liam?Eu me aproximo dele.—Pai, olha. Sei que errei por ter escondido Liam do senhor, mas eu já disse um milhão de vezes, eu nem o beijei. Só estávamos nos conhecendo. —Baixo a cabeça com o rosto mergulhado em lágrimas. —Mas agora, acredite em mim…Ah, eu posso provar! O senhor pode falar com meu professor.Foi pior, meu pai se enfurece. —Ah, é com ele que está saindo? Um mundano! Juntos, combinaram de mentir para mim?—Pai, ele descende de libaneses. Ele não mentiria para o senhor. —Digo, sem alternativa.Os ombros de meu pai caem em alívio. Allah! Meu pai não pode saber que ele é nosso vizinho.—Libanês?—Sim. O senhor pode ir na escola conversar com ele se quiser. Ele pode explicar o porquê cheguei tarde.Meu pai olha para a minha mãe e depois me encara.—Tudo bem, eu ligarei na escola para saber se diz a verdade.—Está certo, vou subir. —Digo, carregada de trist
Às sete horas, começo a me preparar para o jantar. Visto a primeira coisa que encontro. Um vestido azul-marinho, uma sandália preta. Sinto uma certa intranquilidade. Ando pelo quarto; não consigo ficar parada. Ainda sinto a sensação dos beijos de Zafir e os braços dele no meu corpo. A imagem dele transtornado também não me sai da cabeça. Eu me sinto culpada. Só não o suficiente, por isso, no escuro, vou até a janela novamente.Afasto só a fresta da minha cortina e olho para a sua casa.Cortinas!? Ele puxou as cortinas?Coloquei a mão na boca abafando um riso nervoso. Com um suspiro me afasto. Não sei o que pensar.Allah! Quão injusto é o nosso destino. Quando eu sinto algo realmente por alguém, ele está fora do meu alcance. Eu nem me preocupo mais com Samantha. Zafir não está pronto para amar, se ligar a alguém. Quando ele me beijou, foi por desejo animal, arrogância, dominância, não sei.Allah! Esperei tanto por alguém como ele, mas há esse oceano entre nós. Uma vozinha interior me
No dia seguinte, sem curso, passei o meu tempo tentando ser produtiva. Era uma forma de me distrair e não pensar tanto em Zafir. Ajudei na cozinha, na arrumação da casa, e estudei um pouco.No começo da tarde fiquei na biblioteca. Tirei para tocar piano. A música sempre acalmava meus nervos. Toquei três canções. Amira, Mabruk e Khalia.Agora, fim de tarde, sem nada pra fazer, estou na varanda. Yasmin está mais à frente, brincando com sua casa de bonecas. Mas não presto atenção nela, meus olhos estão vidrados, sem nada ver, pois uma dor de cabeça chata martela as minhas têmporas e minha mente está invadida por imagens de Zafir. Fico revivendo tudo. Como um disco quebrado.Ele era bem enervante.Arrogante!Convencido!Por que eu penso tanto nele?Levanto-me da cadeira e entro para dentro.~ * ~ * ~ * ~ZafirDepois de dar uma corrida no quarteirão, chego em casa às cinco horas da tarde. Abro a porta e entro no hall espaçoso e sigo até a sala silenciosa. Subo as escadas e entro no meu qu
JadeEscovo os dentes com força desnecessária. Observando-me no espelho, aliso a camisa branca e a calça preta. Examino o meu cabelo. Resolvo deixá-los soltos. Olho a minha camisa com raiva. Ela me deixa gorda.De tão nervosa, estou tremendo.Vamos lá Jade. Por que tudo isso? Por que esse nervosismo todo?Respiro fundo.— Eu deveria me trocar. — Eu digo para o meu reflexo, quando me viro e olho como a camisa está larga. Vou até o armário e pego uma mais justa.Quarenta minutos depois estou já na sala de aula. Vestindo uma camisa preta para agradá-lo e ao mesmo tempo forçando a não ceder o meu desejo absurdo de ir embora. Tomo uma respiração profunda quando vejo Samantha. Ela não está com uma cara boa. Mas quando me vê sorri.—Aconteceu alguma coisa? —Pergunto curiosa.—Não. Está tudo ótimo.Pouco tempo depois, a sala zumbia com a conversa. Eu mantive os meus olhos longe da porta, olhando o vazio. Quando todos pararam de falar, eu engulo em seco. Ergo os meus olhos e dou com os negros
Zafir se aproxima muito rápido e me cerca pela cintura. Abri minha boca surpresa. Ele parece estar esperando alguma reação minha, mas eu estou tão fascinada que tudo o que consigo é ficar olhando para ele. Ele se inclina para a frente e eu estremeço. A expressão dele me diz que sou uma batalha ganha.—Não podemos. —Enfim, consigo dizer, mas minha voz sai tão fraca.Ele sorri. Passa longos segundos olhando para a minha boca com um fascínio explícito antes de voltar a olhar nos meus olhos.—Claro que podemos. — A voz dele é pouco mais que um sussurro, mas vibra pela minha pele, penetra nos meus ossos.Allah, sim, sim... penso observando esses lábios tão gostosos. Como se ele pudesse ler meus pensamentos, ele sorri sem tirar seus olhos dos meus lábios.Então, sua boca cobre a minha com um gemido, num beijo quent
Na idade dela, eu acompanhava meus pais com prazer. Papai sempre me comprava algo que eu gostava, e depois íamos a uma lanchonete. — O almoço está pronto — ela avisa. — Obrigada. Já vou descer. — Você não vai com a gente? — Não. — Viu meu vestido novo? Levanto-me da cama. — Vi. Ficou lindo em você. — Por que não quer ir conosco? Sorrio para ela. — Nem sempre o que é bom para nós é bom para outra pessoa. Na sua idade, eu gostava, mas agora cresci. — Se eu crescer e ficar como você, não quero — ela responde com a sinceridade de uma criança. Rindo, pergunto: — O que tem de errado comigo? — Você está sempre fechada no quarto com essa cara. Caímos na gargalhada. Ela faz uma expressão séria, olhar vidrado num canto, imitando-me. Rimos juntas. — Vamos descer, ô “encrenca”. Descemos as escadas. Yasmin está certa. Ser criança é bem menos complicado. O almoço transcorre em um silêncio característico. Cada um preso em seus próprios pensamentos. Mas algo está errado. Papai não e