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Atrasada! E culpa daYasmim!

O café da manhã com os meus pais foi um evento silencioso, pois seguimos a tradição de não conversarmos à mesa. Crescer numa família libanesa é diferente, mas não tão diferente de outras famílias com origens étnicas. Há sempre costumes próprios, tradições, e expressões típicas amigáveis.

Ah, e os diálogos em família, que mais parecem brigas, mas não são! A gente se ama muito. Temos pratos típicos, bebidas e doces, muitos doces! O kibe cru ou assado são nossos favoritos. Alho e cebola crus também, e é completamente normal comê-los misturados à comida. Todos os finais de semana, a refeição vem acompanhada de uma travessa de vegetais crus como aperitivo. Hortelã? Nem pensar em faltar! As nossas comidas incluem shawarma, homus, falafel, e uma variedade de receitas com grão-de-bico. E os doces? Sem contar o nosso indispensável "talher", o pão pita.

Chá de ervas com canela é comum. Se rolar uma briga, nada que um gole de arak ou café árabe forte e encorpado não resolva. Para as crianças, jallab é o preferido. E, claro, quando cumprimentamos alguém, dizemos "Marhaba". Não esqueça dos três beijos nas bochechas, principalmente entre homens! E sempre há presentes – não precisa de um aniversário, até porque não comemoramos aniversários.

Quando crianças, ouvimos muitas histórias antes de dormir. Ah, e uma regra de ouro: nunca chame um libanês de "turco"!

Enquanto isso, observo minha família. Zenaide, minha mãe, com seus cinquenta anos, tem lindos olhos verdes e cabelos castanhos com alguns fios brancos. Meu pai, Omar, tem cinquenta e sete anos, cabelos grisalhos, é alto e bem branco, com o típico tom de pele de quem trabalha em escritório. Ele é Controller na Alphacon. Já Yasmin, a minha irmãzinha de nove anos, estava toda linda no seu uniforme da escola libanesa que frequenta.

Meu pai sempre quis ter um filho homem, algo muito valorizado na nossa cultura, para garantir a perpetuação do sobrenome. Mas minha mãe não pôde ter mais filhos após complicações no parto. Ele acabou se conformando, pois seu irmão mais velho, tio Amir, teve um filho – meu adorado primo Hassan, garantindo, assim, a continuidade do nosso clã.

Papai olha o relógio e se levanta. — Vamos, Yasmin. Está na nossa hora — diz ele, sério. Ele a leva para a escola todos os dias, já que mamãe não dirige.

Yasmin, sempre animada, corre em direção à garagem, enquanto o meu pai me dá um beijo na testa e, depois, beija mamãe nas faces. Ele não me parece bem, tem andado com um semblante carregado há uma semana. Será que está triste? Preocupado? Ele se despede, mas essa carranca que tem exibido ultimamente preocupa-me.

Graças a Allah, tenho o meu próprio carro. Um verdadeiro milagre, depois de ter quebrado sua confiança. Na nossa cultura, isso é raro para uma filha. Pais rigorosos evitam dar tanta liberdade, pois assim podem controlar melhor os seus filhos. Meu pai aceitou que eu dirigisse com a condição de seguir um horário e itinerário fixos. Não posso reclamar. Nossa cultura é antiga, e é difícil ir contra suas normas. Minhas primas, por exemplo, pararam de estudar no colegial e já estão sendo preparadas para o casamento, seguindo os passos de gerações de mulheres na nossa família.

Mesmo com essa liberdade, me visto de forma bem diferente das mulheres da universidade onde estudo. Nada de roupas justas. Sempre uso batas ou algo que cubra o meu corpo, enquanto elas, especialmente na Flórida, costumam valorizar mais o corpo do que o intelecto. Em Arizona, no entanto, algumas se vestem como eu, e isso me faz sentir menos deslocada.

Meu curso de Letras foi um marco, e agora, há trinta dias, estou fazendo o curso de escrita criativa. Mas, sete dias já se passaram desde que comecei a vigiar o meu professor Zafir, e isso faz o meu coração bater mais rápido ao pensar.

Quase engasgo com o kibe. Olho para o relógio e levanto-me às pressas. Allah! Não posso me atrasar! Dou um beijo na minha mãe e caminho até o aparador em busca das chaves do carro. Não! Onde estão as minhas chaves?

Procuro por toda a sala. Nada! Corro até a sala de jantar, onde a minha mãe está com a senhora Vagner. 

— Mãe, a senhora viu minhas chaves? — pergunto, aflita. Ela pensa por um momento. 

— Ontem Yasmin estava brincando com elas. Você sabe como ela adora o seu chaveiro de poodle — responde calmamente.

Ah, Yasmin! Sempre mexendo nas minhas coisas! 

— E? — pergunto, impaciente. 

— Eu as tirei das mãos dela. 

— E guardou onde? — pergunto, quase desesperada.

 Ela me olha, pensativa. 

— Acho que guardei na minha bolsa — responde, finalmente.

Corro escada acima e vasculho a bolsa de mamãe. Achei! Graças a Allah, mamãe tem apenas uma bolsa. Desço as escadas tão rápido que quase tropeço, mas consigo segurar-me. Sento no sofá, massageando o tornozelo.

Levanto-me e passo pelo hall, abro a porta de entrada com a chave que fica pendurada nela, e a tranco novamente com a minha. Apressada, passo pelo jardim e me dirijo a garagem coberta. Ela na lateral da casa. 

Sinto um certo alívio quando entro dentro do meu Chevrolet cinza-chumbo. Dou a partida. Aperto o botão automático e os portões se abrem. Saio para a rua tranquila. Aperto o botão novamente me certificando que eles se fecharam. Só então, aperto o acelerador, ganhando velocidade, tentando recuperar o tempo perdido.

Não costumo correr, mas hoje estou atrasada. Semáforos fechados pelo caminho me enervam. Impotente, paro em todos, respeitando as leis de trânsito, mesmo correndo contra o tempo para não me atrasar.

 Um carro quebrado no meio do caminho atrapalhando o trânsito esvai a minha paz e me garante que chegarei atrasada.

Justo hoje!

Tamborilo os meus dedos no volante quando o trânsito anda e para. Quando passo o carro quebrado, o trânsito flui bem novamente e consigo ganhar velocidade. 

Sinto um alívio.

Vinte minutos depois avisto o estacionamento do campus. Com dificuldade encontro uma vaga.

Checo as horas. Allah! Quinze minutos atrasada!

Apressada subo as escadas silenciosas pela ausência dos alunos. Isso dá um toque mais dramático na minha situação. E me deixa mais nervosa.

Apresso os meus passos no extenso corredor. Ofegante, fico em frente à porta da minha sala, me lamentando por ter deixado a chave em cima do aparador.

Claro que Yasmin ia mexer, ela adora tudo que é meu!

A minha cara de culpada surge quando me lembro de ontem.

Allah! Sinto-me péssima por isso. Entrei na intimidade do professor. Invadi a sua privacidade. E agora me sinto como se tivesse lido o diário dele.

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