Jade
O meu sobrado está posicionado lateralmente ao dele. A grande janela do meu quarto fica de frente para a janela do quarto dele. A minha é ampla, coberta por uma cortina de um suave rosa claro. A dele, por outro lado, permanece quase sempre nua, desimpedida. Ele só fecha as cortinas quando vai dormir.
Eu, que acreditava ter me apaixonado antes… hoje percebo que não gostava tanto assim do Liam. Foi muito fácil esquecê-lo. Se eu o amasse de verdade, não estaria tão encantada como estou agora por este meu vizinho, que também é o meu professor de produção de texto.
As conversas vindas do quarto ao lado chegam aos meus ouvidos — a minha mãe e a minha irmã Yasmin —, mas eu nem sequer presto atenção ao que estão dizendo. Os meus olhos estão vidrados na janela em frente, observando ele tirar a camiseta. A minha respiração é arrancada dos meus pulmões enquanto reparo no homem mais bonito que já vi. Os meus olhos se arregalam, fixos nos músculos definidos do seu peito, das suas costas e dos seus braços.
Allah! Ele é absurdamente lindo.
As garotas suspiram por ele, especialmente a minha amiga Samantha. Ela foi a maior incentivadora para que eu começasse a observá-lo, mas agora isso se tornou um vício.
Ouço os passos no corredor. Fecho as cortinas rapidamente e me afasto da janela a tempo de a minha mãe abrir a porta e acender as luzes. A minha irmã Yasmin, de apenas nove anos, a caçula da casa, está ao lado dela. Linda, vestida com um vestido rosa pálido.
A minha mãe me encara por alguns instantes.
— Jade, querida, estou indo ao cinema. Você quer ir conosco?
— Não, mamãe. Obrigada.
— Por que estava parada no meio do quarto, no escuro?
— Eu estava me levantando agora há pouco. Estava prestes a acender a luz quando você entrou.
— Ligue a luz do seu abajur primeiro. Você vai acabar caindo.
Forço um sorriso, tentando disfarçar o meu nervosismo.
— Está certo.
— Como eu disse, todos nós estamos indo ao cinema. Tem certeza de que não quer ir conosco?
Eu meneio a cabeça, sentando-me na cama.
— Não, podem ir. Vou ficar bem sozinha. Que filme vocês vão assistir?
A minha irmã Yasmin responde, animada:
— Um filme da Disney. A Bela e a Fera.
— É uma readaptação do desenho — a minha mãe explica.
— Hum, legal.
— Então, vai com a gente?
Deito-me na cama, desesperada para que elas saiam logo e eu possa voltar a espiar.
— Não, vou ficar.
A minha mãe dá de ombros.
— Tudo bem, então. Tem comida pronta na geladeira. É só colocar no micro-ondas.
— Está certo. Mas não quero nada agora.
Ela me observa com atenção, o olhar desconfiado.
— Você não está apaixonada novamente pelo cara errado, está?
— Claro que não, mamãe! Só estou sem fome.
A minha irmã mimada corre até a minha cama, puxando o meu caftan com insistência.
— Vamos, Jade! — Ela suplica com aquela voz irritantemente aguda.
Eu a encaro por um momento, tentando conter o meu aborrecimento.
— Outro dia eu vou, Yasmin. Hoje estou cansada.
— Deixe a Jade em paz. Vem, vamos Yasmin — a minha mãe diz, já impaciente.
A minha irmã bufa, mas acaba seguindo a minha mãe.
Assim que elas saem do quarto, eu corro até a porta, fecho-a rapidamente e apago as luzes. Com cuidado, abro as cortinas novamente e volto a observar aquela combinação explosiva.
Árabe lindo + forte + inteligente + simpático — não convencido = Eu completamente apaixonada.
Agora ele está se movimentando no quarto, organizando alguns livros no criado-mudo. Ele está vestido com um kandoora, a vestimenta árabe tradicional que o meu pai também costuma usar. Não consigo deixar de olhar para aquele queixo proeminente, os ossos bem marcados no rosto e os seus lindos olhos grandes e negros.
Ah, se eu bobear… eu me perco neles.
Ele sai do quarto e apaga as luzes. Faço um bico desapontada, com uma expressão de tristeza.
O meu pai é louco para que eu conheça alguém do nosso povo. O seu sonho é que eu me case com alguém de nossas origens. A sorte é que ele não conhece o nosso vizinho. Não duvido nada que ele tentaria forçar uma situação, talvez convidando-o para um café na nossa casa, na esperança de dar um empurrãozinho no destino.
Saio da janela e me sento na cama, refletindo.
O Zafir não é perfeito. Ele tem um grande problema: a minha amiga está interessada nele, o que o torna proibido, intocável.
Desde o ano passado, ela baba por ele. É completamente louca. Fissurada no professor bonitão.
Aperto as mãos contra os olhos, frustrada.
Por que eu sempre sou atraída pelo cara errado?
Suspiro.
Sou nova na cidade. Nem sequer havia percebido que o professor bonitão era o meu vizinho. A Samantha, a garota com quem fiz amizade no curso que frequento às quartas e sextas-feiras, quase não acreditou quando eu contei o meu endereço.
A loira exuberante ficou animada.
— Jura? Não acredito que você mora ao lado dele!
— Verdade? Eu nem reparei — sorri, tentando disfarçar. — Pelo visto, você andou investigando a vida dele.
— Sim, eu um dia o segui — ela me olhou, pensativa. — Bem que você poderia me ajudar a me aproximar dele.
— Quem? Eu? Nem o conheço! Sou nova no bairro!
— Por favor! Você não precisa falar com ele, só observar a sua rotina. Que horas ele sai? O que ele faz nas horas livres? Com essas informações, eu armaria um encontro perfeito com ele.
Suspirei, relutante. Não gostei da ideia, mas ela havia sido tão gentil comigo no curso que acabei cedendo.
— Tudo bem. Mas só vou fazer isso por uma semana. E nada de falar sobre isso durante esses dias. No final desse tempo, eu te passo tudo que descobri, e aí você se vira sozinha.
— Combinado! — Ela respondeu animada, me dando um abraço apertado.
E foi exatamente o que fiz. Hoje completa sete dias que eu o observo.
Descobri algumas coisas sobre ele.
O Zafir mora sozinho naquele belo sobrado, que parece ter sido decorado por várias pessoas, numa mistura de estilos diferentes. Algo que chama muita atenção, sem dúvida, é o design da casa e o jardim, que exibe um paisagismo feito por algum profissional. Há uma grande variedade de plantas, com texturas e cores diferentes, todas espalhadas em pontos estratégicos no grande gramado bem cuidado. Lindas e viçosas.
É estranho ele ter uma casa tão cara, afinal, ele é um simples professor.
Notei também que ele não cozinha. Todos os dias, um furgão de um restaurante árabe para em frente à casa dele e buzina, entregando o jantar.
As roupas dele são lavadas numa lavanderia famosa. Ele sempre as recebe ainda na embalagem, com o logotipo da DryClean, e as guarda cuidadosamente no closet.
O Zafir tem um carro belíssimo na garagem, uma Mercedes preta, além de uma moto, uma Kawasaki Z1000. Ele sai de casa com a moto todos os dias para trabalhar, exceto quando está chovendo.
Sobre a rotina dele, percebi que ele preza muito pela pontualidade. O Zafir dá aulas todos os dias e sai bem cedo, sempre no mesmo horário. Ele dá aulas para quatro turmas, em dois horários diferentes, no período da manhã: às terças e quintas-feiras, e às quartas e sextas-feiras.
Eu sou aluna dele no primeiro horário, das oito às dez, nas quartas e sextas-feiras. Logo depois, às onze horas, ele recebe outra turma.
Na segunda-feira, ele não dá aula, mas ainda assim não é um dia livre. Ele vai para a universidade. Imagino que seja um dia reservado para reuniões e preparação de aulas.Outro detalhe que observei é que ele corre todos os dias no final da tarde. Sei disso porque sou a responsável por colocar o lixo para fora. Um dia, vi ele saindo de casa com roupas de corrida, e no dia seguinte, confirmei a rotina quando o vi novamente, saindo no mesmo horário.Nos finais de semana, ele sai para comprar jornal. Achei curioso, já que o jornal poderia ser entregue na casa dele, como acontece na minha. Descobri isso por acaso, quando o meu pai pediu para eu pegar a pasta dele que havia esquecido no carro, e avistei o Zafir passando em frente à nossa casa, com o jornal debaixo do braço.Ele parece adorar ler. Muitas vezes o observo deitado na cama, sempre com um livro nas mãos. Bem, isso era esperado, afinal, ele é professor de um curso que forma escritores, revisores e redatores.E agora vem o detalhe
Paro de pensar nisso e volto a acender a luz do abajur. Pego o caderno e olho o título.Oficina de Escrita Criativa.Dou um suspiro quando me vem à mente um poema que li esses dias:"Palavras não são apenas um amontoado de letras que se juntam em concordância, formando significados e significantes. Palavras são sentimentos em forma física de expressão, que podem servir tanto como uma ponte quanto como um abismo."Afasto os pensamentos que a romântica incurável desperta em mim e começo a ler o livro.Eu ainda estava estudando quando ouvi meus pais chegarem. Antes que Yasmin me importune com sua presença no meu quarto, por causa da luz acesa, aperto o interruptor do abajur e fico no escuro.Claro, não me deito de imediato. Levanto-me para dar uma olhadinha no meu vizinho lindo. Como ele está sentado distraído, afasto bem as cortinas para observá-lo melhor, mas fico com o corpo para trás, tendo o cuidado de me manter oculta nas sombras. Seu quarto está pouco iluminado; a única luz provém
O café da manhã com os meus pais foi um evento silencioso, pois seguimos a tradição de não conversarmos à mesa. Crescer numa família libanesa é diferente, mas não tão diferente de outras famílias com origens étnicas. Há sempre costumes próprios, tradições, e expressões típicas amigáveis.Ah, e os diálogos em família, que mais parecem brigas, mas não são! A gente se ama muito. Temos pratos típicos, bebidas e doces, muitos doces! O kibe cru ou assado são nossos favoritos. Alho e cebola crus também, e é completamente normal comê-los misturados à comida. Todos os finais de semana, a refeição vem acompanhada de uma travessa de vegetais crus como aperitivo. Hortelã? Nem pensar em faltar! As nossas comidas incluem shawarma, homus, falafel, e uma variedade de receitas com grão-de-bico. E os doces? Sem contar o nosso indispensável "talher", o pão pita.Chá de ervas com canela é comum. Se rolar uma briga, nada que um gole de arak ou café árabe forte e encorpado não resolva. Para as crianças, ja
Inspiro e expiro profundamente três vezes. Espero que isso me acalme. Agora eu preciso de muita coragem para encará-lo. Bato na porta e a abro. Zafir fica rígido e se vira lentamente para me olhar. — Sim, ele é lindo. — Aqueles inconfundíveis olhos negros, atentos a todo e qualquer detalhe do comportamento das pessoas, me encaram fixamente. Eles são tão hostis que por um instante sinto medo. Estremeço ao ponto dos pelos dos meus braços se eriçarem. O olhar só durou um segundo, mas me congelou no lugar. Sem conseguir dar um único passo, sinto um calafrio percorrendo minha espinha dorsal, o coração bate agitado. Allah! Tudo seria bem mais fácil se você não fosse tão idiota e tão vulnerável! — A Senhorita pretende entrar ou não? —Ele me questiona sério. Sua pergunta me tira daquele limbo e eu aceno para ele com um gesto de cabeça. — Naʿam, rabbigh fir lee.[1] — Quando todos da sala riem, dou-me conta que meus anos de estudante em uma escola árabe se foram. Allah! Acho que a minha c
— Está certo. — Eu digo, simplesmente, para me livrar dela.Tento me acalmar depois que ela sai. Permaneço no meu lugar por alguns minutos, olhando para o nada. Sinto uma tensão no ar, como se algo estivesse prestes a acontecer.Escuto os movimentos de Zafir ao longe. Imediatamente, meus olhos o procuram. Sua expressão fria não revela nada diretamente, mas eu percebo o leve traço de irritação em seus gestos. Ele guarda as suas coisas na mala com uma força exagerada, como se estivesse descontando uma raiva silenciosa.Respiro fundo e começo a colocar as minhas coisas na mochila, tentando imitar a sua compostura, mas sinto o meu coração acelerado. Quando termino, volto a olhar para ele. Zafir está sentado atrás da sua mesa, me observando em silêncio, os seus olhos escuros cravados em mim como se estivessem a desvendar todos os meus segredos.—Sente-se aqui, senhorita Nurab —Ele aponta uma cadeira em frente à sua, uns dez passos distantes de sua mesa.Eu obedeço. Com passos vacilantes me
Ele gargalha, parecendo o gênio do mal, e eu fico espantada, olhando para ele, sentindo-me totalmente vulnerável. De repente, ele me puxa para os seus braços. Estremeço com o calor dele e sou privada de oxigênio. Olho assustada em os seus olhos, com cada centímetro de mim queimando de calor. Ele sorri diabolicamente antes de sua boca cobrir a minha.Estremeço ao sentir a umidade morna e deliciosa de a boca dele. O gosto dele é de menta.Allah! Eu nunca tinha sido beijada assim antes. Sinto-me devorada por os lábios dele, enquanto a sua língua invade a minha boca. Sinto os braços dele me puxando para mais perto, cada vez mais. Um choque de prazer atravessa o meu corpo quando percebo o estremecimento dele.Não sei quanto tempo passou com os seus lábios movendo-se nos meus, sugando. Quando ele me puxa ainda mais, sinto o cume duro em as suas calças pressionando contra a minha barriga. Isso causa um efeito devastador em mim e me assusta.Ofegante, fujo de os seus lábios e espalmo minhas m
— Pai eu estou dizendo a verdade!—Verdade? Da mesma forma que você falou a verdade quando se encontrava escondido com Liam?Eu me aproximo dele.—Pai, olha. Sei que errei por ter escondido Liam do senhor, mas eu já disse um milhão de vezes, eu nem o beijei. Só estávamos nos conhecendo. —Baixo a cabeça com o rosto mergulhado em lágrimas. —Mas agora, acredite em mim…Ah, eu posso provar! O senhor pode falar com meu professor.Foi pior, meu pai se enfurece. —Ah, é com ele que está saindo? Um mundano! Juntos, combinaram de mentir para mim?—Pai, ele descende de libaneses. Ele não mentiria para o senhor. —Digo, sem alternativa.Os ombros de meu pai caem em alívio. Allah! Meu pai não pode saber que ele é nosso vizinho.—Libanês?—Sim. O senhor pode ir na escola conversar com ele se quiser. Ele pode explicar o porquê cheguei tarde.Meu pai olha para a minha mãe e depois me encara.—Tudo bem, eu ligarei na escola para saber se diz a verdade.—Está certo, vou subir. —Digo, carregada de trist
Às sete horas, começo a me preparar para o jantar. Visto a primeira coisa que encontro. Um vestido azul-marinho, uma sandália preta. Sinto uma certa intranquilidade. Ando pelo quarto; não consigo ficar parada. Ainda sinto a sensação dos beijos de Zafir e os braços dele no meu corpo. A imagem dele transtornado também não me sai da cabeça. Eu me sinto culpada. Só não o suficiente, por isso, no escuro, vou até a janela novamente.Afasto só a fresta da minha cortina e olho para a sua casa.Cortinas!? Ele puxou as cortinas?Coloquei a mão na boca abafando um riso nervoso. Com um suspiro me afasto. Não sei o que pensar.Allah! Quão injusto é o nosso destino. Quando eu sinto algo realmente por alguém, ele está fora do meu alcance. Eu nem me preocupo mais com Samantha. Zafir não está pronto para amar, se ligar a alguém. Quando ele me beijou, foi por desejo animal, arrogância, dominância, não sei.Allah! Esperei tanto por alguém como ele, mas há esse oceano entre nós. Uma vozinha interior me