AYLA SOUZA

Papai, papai, que barulho é esse, papai?  

—Fica calma, filha, e fica abaixada… (tiros, tiros)  

Papai, eu tô com medo…  

—Só fica calma, meu bebê, vai ficar tudo bem... vai ficar tudo bem… (mais tiros)...  

Amor, você está acelerando muito…  

—Se não for assim, não teremos nenhuma chance…  

Amor, curva mais à frente…  

Mais tiros, muitos tiros, luzes, carros em alta velocidade, frenagem brusca, capotagem…

Acordo toda suada e assustada. Olho para o relógio na pequena mesinha de cabeceira ao lado da cama; são exatamente 4:00 da manhã. Respiro fundo, meu corpo inteiro está tremendo e tento me acalmar. 

Levanto da cama e vou até o meu minúsculo banheiro. Olho-me no espelho por alguns minutos e depois jogo água no rosto. Fico ali em pé, me olhando, tentando me lembrar. Forço, mas nada. Minha cabeça começa a latejar, desisto, tiro o meu micro pijama de algodão velho e vou para o chuveiro. Ligo a água fria e deixo-a cair sobre o meu corpo, que ainda treme por conta do sonho. Enquanto estou tomando banho, me perco em pensamentos. Desligo o chuveiro e pego a toalha que está pendurada ao lado. Enxugo-me, coloco apenas uma calcinha e volto para a cama. Preciso tentar dormir um pouco mais, até o despertador tocar e encarar mais um dia de trabalho na lanchonete do seu Ary.

Seu Ary é um senhor bondoso que me estendeu a mão no momento em que mais precisei. Nunca poderei agradecer a ele o suficiente por tudo o que fez por mim.

De uns três anos para cá, tenho tido esse pesadelo quase todas as noites. Às vezes, tenho a impressão de que esse pesadelo, na verdade, são lembranças… lembranças de um passado que eu desconheço.

Acordo com o despertador tocando, são exatamente 7:00 da manhã. Levanto rapidinho e corro para o banheiro, tomo um banho rápido, faço um café na cafeteira enquanto coloco uma calça jeans, uma camiseta preta e meu tênis, que já está bem surrado. Como um pão com manteiga e meu café, escovo os dentes correndo e saio. Fecho a porta do apartamento e vou trabalhar. Estou tão cansada! Desde que saí do orfanato, trabalho nesta lanchonete. Na verdade, dei muita sorte porque consegui este trabalho que me ajuda a sobreviver nesta vida tão difícil. Nada é fácil para uma pessoa que não tem ninguém no mundo. Dependo apenas de mim para ter o que comer, o que vestir e um teto onde possa colocar a cabeça todas as noites. Esse apartamento que seu Ary me alugou por um baixo valor já era mobiliado quando entrei e mantenho tudo dentro da mais perfeita ordem.

Assim que chego à lanchonete, ele já está abrindo. Corro até ele e o ajudo. É um senhor já com uma certa idade; ele me trata, na verdade, como um pai, ao menos é o que eu acho.

— Bom dia, seu Ary! Chegou mais cedo hoje?  

— Bom dia, minha menina! Teve mais uma noite ruim? Você está de novo com olheiras, minha filha. Tem que dormir mais cedo…  

— Eu dormi cedo, seu Ary, mas tive mais um pesadelo; ele se repete constantemente…  

— Deve ser coisa da sua cabeça, menina. Vocês jovens têm que parar de ver esses filmes doidos que assistem; depois ficam assim…  

— Pode ser, seu Ary, pode ser…  

Vou até a área dos funcionários, guardo a minha bolsa, coloco o meu avental, uma touca na cabeça e volto para o balcão de atendimento. Limpo as mesas rapidamente e me preparo para começar o dia. O movimento aqui é muito bom e, graças a isso, consigo ganhar algumas gorjetas que vou juntando para comprar uma coisinha ou outra.

—Logo, o dia começou a se agitar, as mesas ficando cada vez mais cheias. Um pede um café aqui, outro um suco ali, um pão na chapa, outro um sanduíche, e nesse vai e vem, as horas passam rápido. Mas tem uma coisa martelando em minha cabeça que não sai: o sonho que se repete quase todas as noites e sempre me deixa trêmula e suada. Por que tem se repetido tanto?

Logo chegou a hora do almoço e a lanchonete começou a encher novamente. É uma rotina constante, sempre os mesmos clientes e os mesmos pedidos. Atendo-os sempre com um sorriso no rosto e conheço a todos pelo nome. Acabamos fazendo “amizade” com os clientes… Atendo e sirvo todas as mesas; na verdade, sou a única garçonete daqui, mas faço tudo com muito carinho. Gosto de trabalhar aqui, os clientes são legais e seu Ary é sempre um amor comigo.

Depois que o longo dia de trabalho está terminando, empilho todas as mesas e cadeiras e limpo tudo, deixando tudo pronto para o dia seguinte. Já são quase 20h, vou até a parte de trás, tiro o meu avental e pego a minha bolsa. Volto para o balcão e, junto com seu Ary, saímos. Ajudo-o a fechar tudo e sigo para o meu mini apartamento.

Apesar do cansaço da vida adulta, ainda me sinto melhor do que no período em que passei no orfanato. Ao menos aqui fora, ninguém me olha torto, me coloca de castigo por nada ou me b**e constantemente… Subo as escadas e, assim que entro em casa, me jogo no sofá de dois lugares que tem na sala. Fecho os olhos e respiro fundo, pensando em como é a minha vida. Já sou uma adulta e não devo me lamentar, mas por que eu tinha que passar por essas coisas desde criança… Por que meus pais não me quiseram? Acho que essas perguntas são frequentes na cabeça de quem é abandonado na porta de um orfanato... um ser sem defesa alguma.

Paro de pensar nessas coisas, me levanto do sofá e vou logo tirando as minhas roupas. Preciso urgentemente de um banho para retirar todo o cansaço acumulado durante o dia. Entro no chuveiro e fico ali por uns quinze minutos. Depois, saio enrolada na toalha, vou até a cozinha, abro o armário e me assusto ao ver que não tem quase nada. Vejo um macarrão instantâneo jogado num canto e decido que esse será o meu jantar. Coloco no fogo, ponho a cafeteira para funcionar e vou rapidinho vestir um pijama para ficar mais confortável. Depois de tudo pronto, janto, lavo a louça e vou me deitar. Essa tem sido a minha vida simples e única que eu tenho...

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