Papai, papai, que barulho é esse, papai?
—Fica calma, filha, e fica abaixada… (tiros, tiros)
Papai, eu tô com medo…
—Só fica calma, meu bebê, vai ficar tudo bem... vai ficar tudo bem… (mais tiros)...
Amor, você está acelerando muito…
—Se não for assim, não teremos nenhuma chance…
Amor, curva mais à frente…
Mais tiros, muitos tiros, luzes, carros em alta velocidade, frenagem brusca, capotagem…
Acordo toda suada e assustada. Olho para o relógio na pequena mesinha de cabeceira ao lado da cama; são exatamente 4:00 da manhã. Respiro fundo, meu corpo inteiro está tremendo e tento me acalmar.
Levanto da cama e vou até o meu minúsculo banheiro. Olho-me no espelho por alguns minutos e depois jogo água no rosto. Fico ali em pé, me olhando, tentando me lembrar. Forço, mas nada. Minha cabeça começa a latejar, desisto, tiro o meu micro pijama de algodão velho e vou para o chuveiro. Ligo a água fria e deixo-a cair sobre o meu corpo, que ainda treme por conta do sonho. Enquanto estou tomando banho, me perco em pensamentos. Desligo o chuveiro e pego a toalha que está pendurada ao lado. Enxugo-me, coloco apenas uma calcinha e volto para a cama. Preciso tentar dormir um pouco mais, até o despertador tocar e encarar mais um dia de trabalho na lanchonete do seu Ary.
Seu Ary é um senhor bondoso que me estendeu a mão no momento em que mais precisei. Nunca poderei agradecer a ele o suficiente por tudo o que fez por mim.
De uns três anos para cá, tenho tido esse pesadelo quase todas as noites. Às vezes, tenho a impressão de que esse pesadelo, na verdade, são lembranças… lembranças de um passado que eu desconheço.
Acordo com o despertador tocando, são exatamente 7:00 da manhã. Levanto rapidinho e corro para o banheiro, tomo um banho rápido, faço um café na cafeteira enquanto coloco uma calça jeans, uma camiseta preta e meu tênis, que já está bem surrado. Como um pão com manteiga e meu café, escovo os dentes correndo e saio. Fecho a porta do apartamento e vou trabalhar. Estou tão cansada! Desde que saí do orfanato, trabalho nesta lanchonete. Na verdade, dei muita sorte porque consegui este trabalho que me ajuda a sobreviver nesta vida tão difícil. Nada é fácil para uma pessoa que não tem ninguém no mundo. Dependo apenas de mim para ter o que comer, o que vestir e um teto onde possa colocar a cabeça todas as noites. Esse apartamento que seu Ary me alugou por um baixo valor já era mobiliado quando entrei e mantenho tudo dentro da mais perfeita ordem.
Assim que chego à lanchonete, ele já está abrindo. Corro até ele e o ajudo. É um senhor já com uma certa idade; ele me trata, na verdade, como um pai, ao menos é o que eu acho.
— Bom dia, seu Ary! Chegou mais cedo hoje?
— Bom dia, minha menina! Teve mais uma noite ruim? Você está de novo com olheiras, minha filha. Tem que dormir mais cedo…
— Eu dormi cedo, seu Ary, mas tive mais um pesadelo; ele se repete constantemente…
— Deve ser coisa da sua cabeça, menina. Vocês jovens têm que parar de ver esses filmes doidos que assistem; depois ficam assim…
— Pode ser, seu Ary, pode ser…
Vou até a área dos funcionários, guardo a minha bolsa, coloco o meu avental, uma touca na cabeça e volto para o balcão de atendimento. Limpo as mesas rapidamente e me preparo para começar o dia. O movimento aqui é muito bom e, graças a isso, consigo ganhar algumas gorjetas que vou juntando para comprar uma coisinha ou outra.
—Logo, o dia começou a se agitar, as mesas ficando cada vez mais cheias. Um pede um café aqui, outro um suco ali, um pão na chapa, outro um sanduíche, e nesse vai e vem, as horas passam rápido. Mas tem uma coisa martelando em minha cabeça que não sai: o sonho que se repete quase todas as noites e sempre me deixa trêmula e suada. Por que tem se repetido tanto?
Logo chegou a hora do almoço e a lanchonete começou a encher novamente. É uma rotina constante, sempre os mesmos clientes e os mesmos pedidos. Atendo-os sempre com um sorriso no rosto e conheço a todos pelo nome. Acabamos fazendo “amizade” com os clientes… Atendo e sirvo todas as mesas; na verdade, sou a única garçonete daqui, mas faço tudo com muito carinho. Gosto de trabalhar aqui, os clientes são legais e seu Ary é sempre um amor comigo.
Depois que o longo dia de trabalho está terminando, empilho todas as mesas e cadeiras e limpo tudo, deixando tudo pronto para o dia seguinte. Já são quase 20h, vou até a parte de trás, tiro o meu avental e pego a minha bolsa. Volto para o balcão e, junto com seu Ary, saímos. Ajudo-o a fechar tudo e sigo para o meu mini apartamento.
Apesar do cansaço da vida adulta, ainda me sinto melhor do que no período em que passei no orfanato. Ao menos aqui fora, ninguém me olha torto, me coloca de castigo por nada ou me b**e constantemente… Subo as escadas e, assim que entro em casa, me jogo no sofá de dois lugares que tem na sala. Fecho os olhos e respiro fundo, pensando em como é a minha vida. Já sou uma adulta e não devo me lamentar, mas por que eu tinha que passar por essas coisas desde criança… Por que meus pais não me quiseram? Acho que essas perguntas são frequentes na cabeça de quem é abandonado na porta de um orfanato... um ser sem defesa alguma.
Paro de pensar nessas coisas, me levanto do sofá e vou logo tirando as minhas roupas. Preciso urgentemente de um banho para retirar todo o cansaço acumulado durante o dia. Entro no chuveiro e fico ali por uns quinze minutos. Depois, saio enrolada na toalha, vou até a cozinha, abro o armário e me assusto ao ver que não tem quase nada. Vejo um macarrão instantâneo jogado num canto e decido que esse será o meu jantar. Coloco no fogo, ponho a cafeteira para funcionar e vou rapidinho vestir um pijama para ficar mais confortável. Depois de tudo pronto, janto, lavo a louça e vou me deitar. Essa tem sido a minha vida simples e única que eu tenho...
Apesar de estar super cansada, fico virando de um lado para o outro na cama. Tento, mas, infelizmente, o sono não vem. Ao contrário, aqueles pensamentos de angústia, por ter sido abandonada, vêm à minha mente como um raio, e sinto as lágrimas começarem a pinicar os olhos. Por mais que eu tente, aos poucos elas transbordam e escorrem pelo meu rosto. Minhas noites nunca foram fáceis, mas, desde que os sonhos — ou melhor, os pesadelos — começaram, a tristeza me invade constantemente.Percebo que meus dias têm se tornado ainda piores e, por mais que eu me esforce, sinto um vazio enorme no peito. Não aguento mais. Levanto e vou tomar uma ducha fria. Eu preciso reagir. Sei que minha mente é totalmente fodida, mas não posso e não vou me deixar abater por esses pensamentos. Tiro meu pijama e entro embaixo do chuveiro frio, deixando a água cair sobre a minha cabeça. Fico ali por vários minutos e, aos poucos, sinto a tensão que se instalou sobre o meu corpo indo embora. Depois de estar um pouco
As horas passam e nada de notícias. Apenas vemos as enfermeiras de um lado para o outro e nada, absolutamente nada de notícias. Depois de uma longa espera, vemos o médico se aproximar.— Doutor, como está a minha amiga? Ela melhorou? Essas dores de cabeça são muito constantes e, segundo ela, de uns três anos para cá, têm se intensificado muito...— Já medicamos a sua amiga, e ela, neste momento, se encontra dormindo. Aparentemente, está melhor, mas só posso ter certeza após ela acordar. Também fizemos alguns exames para descobrir o porquê das dores... E a família dela, conseguiram contatar eles?— Não, doutor. A minha amiga é órfã, ela não tem ninguém, apenas nós e o patrão dela…— Eu sinto muito... Faremos o nosso melhor...— Faça o que for preciso e não se preocupe, assumimos toda a responsabilidade...— Ok, mas vocês não precisam ficar aqui. Ela não vai acordar por algumas horas...— Tudo bem, voltaremos mais tarde...Irmão, vamos passar no seu Ari para avisar que a Ayla não vai tr
O dia finalmente terminou e, logo depois que fui deixada sozinha, adormeci. Mais uma vez, tive uma noite tranquila; acredito que seja por conta das medicações. Ao acordar, deparei-me com o doutor Eduardo me observando. Olho para ele sem entender. Ele apenas diz que preciso fazer novos exames. Pergunto o porquê e ele responde que só vai me liberar do hospital quando tiver certeza de que realmente não corro nenhum risco. Afinal, ele presenciou as minhas dores e tem certeza de que elas têm algum fundamento. Não sei por que tive a impressão de ver em seus olhos, por alguns segundos, algo como "pena, preocupação". Só posso estar vendo coisas; isso é impossível.Minutos depois, chega um enfermeiro com uma cadeira de rodas, onde logo eu me sento, e seguimos para a área de exames. De início, fiz uma tomografia e, depois, fiz mais alguns exames. Logo voltamos para o quarto, e o doutor Eduardo saiu. Meus amigos chegaram e ficaram comigo por mais um tempo até o médico voltar com os resultados, q
Não é possível que tudo isso que está acontecendo comigo tenha algo a ver com estas bijuterias, Benjamin. Isso não deve valer nada; não passam de bugigangas.— Não, Ayla, tem algo de muito errado nessa história. Deixa eu ver esse colar e esse anel. — Benjamin fala, me olhando, e por um momento vejo um lampejo em seus olhos que some tão rápido quanto apareceu.Entrego a ele e ele começa a olhar cuidadosamente o colar que, segundo a única freira que ainda tentava me ajudar, me entregou escondido e pediu que eu guardasse aquilo da melhor forma possível, e que ninguém nunca soubesse que estava comigo. Ela ainda me aconselhou a não acreditar em nada do que me falaram enquanto eu estava naquele inferno que chamam de orfanato. Benjamin continua olhando para o colar e vejo que ele foca em algo muito discreto, mas ele me chama e me mostra: tem as mini letras CGM em pedrinhas próximas ao feixe. Aquilo também me chama a atenção, então ele passa a olhar o anel pequenino com as mesmas letras…— Ay
BenjaminEntão, essa é a confirmação que eu precisava: finalmente, a certeza de que a encontramos… Fico alguns segundos perdido em pensamentos quando escuto a voz de Ivan…— Não pode ser, cara, não, não pode ser... É muita coincidência... Cara, onde você conseguiu isso? Essa joia está desaparecida há anos… — sinto um tom de satisfação em sua voz, o que me deixa um tanto desconfortável, mas deixo essa sensação de lado. — Você sabe qual a origem, então me fala logo, é importante, cara… — pergunto, tentando disfarçar minha alegria. — Seja lá onde você a encontrou ou com quem, mantenha-a o mais escondida possível. Vou te contar o que eu realmente sei sobre isso. Senta aí e cala a porra da tua boca, porque o negócio é muito sério. — Sentei e olhei nos olhos de Ivan, pronto. E agora vai me falar do que se trata essa joia? Sei que é importante, agora desembucha logo, que o que eu menos tenho é paciência, e você sabe muito bem disso. — falo impaciente.— Eu sei, escuta isso: esse cola
BenjaminDepois de sair do hospital, notei o quanto a Ayla estava ansiosa para ver o velhote, que ela diz tratar muito bem. E eu não nego que ele realmente o faz, mas tem algo nele que me deixa desconfiado demais. Então, fomos para o estacionamento e depois seguimos até a lanchonete dele. Claro que notei alguns carros por perto e, ao ver a lanchonete fechada, tive certeza de que algo muito errado estava acontecendo. Esse velhote nunca fecha essa espelunca. Olhei para a Ayla e a vi bastante apreensiva. Certifiquei-me discretamente de que estava equipado e, junto com as meninas, descemos do carro.Ayla foi diretamente para as portas dos fundos e a vi perder a cor ao ouvir alguém perguntando supostamente por ela. A puxei para trás, colocando-a entre mim e a minha irmã, e olhei diretamente nos olhos da Sarah, que imediatamente entendeu o meu olhar e retirou a Ayla dali. Sabemos exatamente o que está acontecendo. Esperei alguns segundos, respirei fundo e decidi entrar. Sei muito bem que el
DaniloCaraleo, irmão! Que porra foi essa que aconteceu aqui na minha casa? — falo entre risos enquanto olho a bagunça ao redor. — Quem é este homem? Por que querem tanto calá-lo, Benjamin? Olha a bagunça que fizeram, irmão! Seja lá o que você tem na sua cabeça, faz logo! Esses caras vão voltar e não vai demorar, acredite. Balanço a cabeça em negação… Agora vamos arrumar essa bagunça para trazer as meninas de volta.Não demora muito e conseguimos retirar os corpos de dentro da casa. Depois de uma ligação, vieram retirar os pacotes e finalizar a limpeza. Duas horas depois, tudo estava dentro do que posso considerar normal. Finalmente, Benjamin e eu fomos até o mini hospital que eu tinha deixado completamente isolado. Benjamin me olha confuso por não encontrar ninguém ali. Eu tenho um segredinho para segurança extra. Levo-o até um elevador e descemos. Assim que o elevador para e se abre, Benjamin me olha incrédulo e sorri, não acreditando no que acabou de ver. Assim que saímos do
Fico ali com seu Ari, meu avô emprestado por mais um tempo, fazendo carinho naquele bondoso homem que me acolheu como família, até sentir que ele está muito mais calmo. O ajudo a deitar e depois o cubro, não antes de ter uma melhor visão do quanto o machucaram. Ofereço um copo de água e ele aceita. Depois de beber, ele deita novamente e, aos poucos, volta a dormir. Respiro aliviada por saber que, de certa forma, ele está seguro aqui nesta casa estranha que mais parece uma fortaleza.Volto ao quarto que me foi designado e, aos poucos, adormeço. A noite foi maravilhosa; apesar de tudo, eu dormi bem. Sinto-me segura estando com mais pessoas por perto. Acordo cedo com o dia clareando e, ao sair do quarto, encontro Benjamin já muito bem arrumado. É estranho que ele já esteja de pé, mas ao me olhar, vejo em seus olhos um misto de alegria. Ele apenas sorri e segue para o seu quarto. Desço e vou dar uma olhada em seu Ary. Desde que o vi chorando ontem, algo dentro de mim se comoveu bastante,