Cristiano
Em frente ao D´angelo, o bar que frequento com os caras que moram no mesmo prédio que eu, conversamos descontraídos e Alexandre nos conta sobre os desastrados paramédicos que revezam plantão com ele e seu parceiro Dilton na ambulância do SAMU de Serra dos Anjos. Pelo que ouvi, nenhum treinamento no mundo, tornaria os caras do outro plantão, competentes como o Alex. O cuidado e presteza que meu amigo tem com seus socorridos é algo surreal, tão admirável, que tem sido notícia no jornal local e alguns blogueiros falaram a respeito. Eu mesmo o testemunhei em ação algumas vezes e fiquei admirado. Comecei esse assunto porque vi os outros caras em ação também, e estou apavorado.
— Só pra vocês entenderem — Alex junta as mãos diante da testa —, não puseram o colar cervical na vítima. — Faz uma pausa nos olhando perplexo. Ele não é de falar de seus colegas, é um homem muito sério e introvertido, mas a situação é tão caótica, que o aborreceu de verdade. Além disso, fico feliz que esteja começando a se sentir à vontade para se abrir conosco. — A mulher era vítima de um choque automobilístico. Tem noção? O tema é sério, mas o modo como conta, completamente revoltado e bem diferente de como fala normalmente, nos faz rir. A risada de Gustavo ao meu lado, me faz rir ainda mais. A indignação de Alex é justificável, e concordamos com tudo o que diz, mas Gustavo tenta controlar as lágrimas que escorrem ao rir. Conhecia os dois socorristas de quem fala, e sempre comentou que pareciam Debi e Loide, personagens de um filme de comédia antigo. — Não podemos denunciar esses caras? — Gus me olha entre o riso, esperando a resposta, e nego com a cabeça. — Prefiro não me meter nisso, se esses dois ainda estão na ativa, certamente a alternativa pode ser bem pior. Os dois se olham e, vencido, Alex nega com a cabeça e os ombros caídos. Quando Vanessa se aproxima com uma amiga, b**e no meu braço, apontando o bar por sobre o ombro. — Liberou uma mesa, vamos? — Mal termina de falar, começa a tocar Beijo, fumaça e mentira dentro do bar, ela se vira para a amiga gritando. — Ahhh, vamos dançar? Dou alguns passos na direção da porta do bar, mas paro para esperar os outros e viro para os rapazes. A amiga de Vanessa rebola na frente dos dois e percebo o pedido de resgate no olhar de Alex. Ele gosta de mulher, mas a amiga da Van, definitivamente não é o tipo dele. — Vamos nos sentar lá dentro? — Chamo, e vejo, do outro lado da rua, como se atraído por magnetismo, uma mulher cuja bunda, cabelo e rebolado me fazem lembrar Emilly. Caminha no sentido oposto em companhia de um rapaz. Eu admito que estou impressionado pela beleza dela, mas vê-la em toda parte e enxergá-la em outras mulheres, é um sinal de perigo eminente. Trato de voltar minha atenção para a conversa com meus amigos e esquecer sua existência. — Vamos. — Gustavo b**e no meu ombro ao passar por mim, Alex passa em seguida e, depois de lançar outro olhar para o casal que se afasta, os sigo até a mesa. A amiga de Vanessa é a cabelereira responsável por suas variadas tranças de cada semana. É a primeira vez que sai conosco, e quando Vanessa comentou sobre o interesse de Jussara de nos encontrar no Grill, suspeitei que houvesse caroço nesse angu. Agora tenho certeza, ela se senta ao lado de Gustavo, perguntando sem qualquer pretensão de esconder seu olhar voluptuoso em direção a ele. — Então, do trio, você é o que apaga os incêndios? Troco um olhar com Alex, sentado ao meu lado. Pelo olhar e boca aberta, também ficou surpreso pela ousadia da garota. Gustavo é o bombeiro do trio, tenente do caminhão de resgate. Então, tecnicamente, não é ele a apagar o fogo, mas sim, é treinado e sabe como fazer. Tinha acabado de erguer a mão para chamar o garçom, mas desvia o olhar até a garota e, pela sua fisionomia, sei que vem uma piada. E com sua voz mais sensual, aquela que usa quando está planejando aproveitar a deixa, responde: — Depende, quando estou de folga eu costumo atear fogo. Todos rimos, mas Vanessa estica o braço por trás da amiga e b**e no ombro dele, que logo protesta. — Ei, o que foi? — E franze a testa em sua direção. — Ela que começou. — E os dois trocam farpas através da garota. — Você é muito engraçadinho. — Eu sei, nanica. — Arqueia a sobrancelha algumas vezes e Vanessa bufa, revirando os olhos. — Melhor não atear fogo, se a mangueira não estiver funcionando pra apagar depois — provoco, e minha parceira gargalha, debochada. — Fica frio, que minha mangueira está sempre funcionando. — Seu rosto nem fica vermelho e eu balanço a cabeça para os lados, sem conseguir parar de rir. Não satisfeito, solta outra. — E ela é de longo alcance. — Ui. — Vanessa e Jussara soltam seguidos de gritinhos e gargalhadas das mais alteradas pelo álcool que já consumiram. Não demora muito para os três se levantarem para dançar perto do pequeno palanque montado nos fundos do bar, onde um rapaz reveza seu repertório entre músicas de famosos e outras de sua autoria. Alex continua sentado ao meu lado e parece ansioso para ir embora. Sei que não gosta de frequentar o Grill nas quartas de música ao vivo. Eu preciso concordar que nem a voz, ou a acústica do ambiente, ajudam ao show. Aliás, não me lembro da razão pela qual frequentamos esse lugar, já que a cerveja geralmente chega quente em minha mão. — Vamos embora? — Sugiro e viro o último gole da longneck. Alex me olha pensativo, depois indica com o queixo os três se divertindo sob o jogo de luz. — E deixar eles? Dou de ombro. — Gustavo parece que se resolveu, provavelmente vai terminar a noite na cama da Jussara, e a Van está de rolo com aquele ali... — aponto Marcos, filho do dono do estabelecimento, que está atrás do balcão atendendo um homem ao mesmo tempo em que lança olhares na direção de Vanessa com um sorriso de canto. Ainda não tive muito contado com o cara, mas parece trabalhador e sério —, com certeza ela vai esperar até o bar fechar. — Então vamos. — Alex se levanta apressado, jogando uma nota sobre a mesa, e parte para a porta. Deixo outra nota, pagando minha conta, e gesticulo para Vanessa avisando que estamos indo embora. Ela ergue o dedo polegar e se vira dançando. Quando chegamos na calçada, bato nas costas de Alex. — Está tudo bem contigo? — Sim, eu... — Aponta a cabeça com os cinco dedos da mão direita. — Só não tenho muito saco pra isso. — Certo. Alex tem suas peculiaridades. Demorei um pouco para me acostumar com o jeito calado e sério dele, mas hoje é algo que admiro. — E você? — pergunta, olhando para mim de soslaio. — Vanessa comentou que conheceu a garota da bolsa furtada. Imaginei mesmo que a baixinha não deixaria esse assunto esquecido. Reviro os olhos e dou de ombros. — Foi coincidência, ela mora em cima da padaria onde compramos o lanche da galera lá da DP. — A Pão Nosso De Cada Dia? — Essa mesma. — Entendi. Mas como foi? — Não foi... só nos cumprimentamos. Quer dizer, foi engraçado. Ela pensou que eu estava lá esperando por ela. — Nego com a cabeça, rindo, e Alex fica me olhando com um meio sorriso. Minha conversa não convence nem a mim, muito menos ao Alex. Eu sou o investigador, mas ninguém observa com a mesma minuciosidade que ele. — Eu acho que você se interessou por ela. — Por quê? De onde tirou isso? Eu nem falo dela, Alex, foi você quem tocou no assunto. — Quando falou dela no outro dia... — Afasta o rosto analisando o meu — notei algo diferente em você. Desde então você anda estranho, pensativo, mais sério. Paro, encarando-o com a testa vincada. — Estudou psicologia também, ou algum desses cursos que prometem nos tornar capazes de fazer leitura corporal? — retomo os passos e ele me acompanha rindo. Acabo cedendo. — Tudo bem, confesso que ela é muito atraente e fiquei curioso a respeito dela, mas... não sei se é momento pra me relacionar com alguém. Muito menos aqui, em Serra dos Anjos. — Por quê? — Porque não sei por quanto tempo vou ficar aqui. Você sabe, a qualquer momento pode ser necessário partir. E quanto ao meu jeito diferente, talvez você tenha razão, mas está mais relacionado ao trabalho e ao caso que estou investigando, do que minha vida sentimental. Essa eu prefiro ignorar. — Não vai investir na garota? — Nem pensar. — Quando olho para seu sorriso desconfiado, confirmo. — Não mesmo. — E o que houve com o Cris pega, mas não se apega? — Cara, eu não sou assim. — Volto a encará-lo. Dá pra ver que Alex acredita nisso. — Talvez eu tenha me tornado um “pegador” depois do que houve com a minha ex, mas não... sei lá, me entende? — Sim, entendo sim. Eu sei que, embora ele não seja zombeteiro como Gustavo, está apenas me provocando. Sabe sobre minha história trágica com uma ex-noiva com quem eu tinha terminado há poucos meses. Caminhamos em silêncio por um tempo, há um mês eu estaria desconfortável com isso, mas me acostumei com a companhia silenciosa de Alex, e aproveito os momentos assim para pensar, o que é impossível fazer trabalhando com alguém como Vanessa ou em companhia de Gustavo. Quando chegamos ao prédio, continuamos conversando sobre o aluguel. Alex concorda que Roberto, o locador, é um tremendo muquirana. O prédio precisa de pintura, e uma lasca de tinta da parede ao lado do elevador, está prestes a cair. — Cara, isso está ficando feio. — Comenta entrando no elevador parado no térreo. — Eu quero saber o que ele tem feito com o valor que pagamos de condomínio. Estou de olho nele. — Cabe uma investigação. — Com certeza. — Rimos e acrescento quando a porta se fecha. — Podemos pedir ao Gus pra interditar o prédio? — E Alex me olha de soslaio, mas não diz nada. O elevador chega no terceiro andar, nos despedimos e desço. Ele segue para seu apartamento no andar de cima. Gustavo também mora no prédio e foi assim que nos tornamos amigos. Depois de nos encontrar durante ocorrências do trabalho e esbarrarmos um ao outro ao sair e entrar no prédio, acabamos firmando uma amizade bacana. Morar sozinho tem uma vantagem, que é chegar em casa e encontrar tudo exatamente como deixei ao sair de manhã. Fecho a porta e viro a chave ao mesmo tempo em que acendo a luz, passando um olhar pela sala, satisfeito por ver tudo na mais perfeita ordem. Tínhamos devorado uma deliciosa porção de picanha com fritas no Grill, estou de barriga cheia, logo, preciso apenas tomar um banho relaxante e cair na cama para ler um pouco antes de pegar no sono. Mas ao dar um passo, vejo a luz do corredor se acender e, instintivamente, levo a mão ao coldre e saco a arma. Nenhum treinamento ensina como desacelerar o coração em um momento assim, e a tensão só me deixa ao ouvir uma voz conhecida: — Cris, é você? Fecho os olhos aspirando o ar profundamente aliviado, e volto a arma para o lugar. Encontro com Júlia na porta de acesso ao corredor. — O que faz aqui?! — a última pessoa que esperava encontrar no meu apartamento era minha ex-noiva. — Vim te visitar, já que não vai pra São Paulo esse final de semana. Meus pensamentos se emaranham na cabeça, mas não paro, passo por ela a caminho do quarto e paro no batente ao me deparar com uma enorme mala prata, com rodinhas. Já disse que é enorme, né? Meu Deus! — O que é isso? — aponto a bagagem, sentindo aquele nó na garganta crescer. — E como sabe que não vou pra São Paulo esse fim semana? — Sua mãe me falou. — Júlia segura meu braço quando tento puxar sua mala para fora do quarto. — Você prometeu que me daria um tempo para explicar ao meu pai. Nem sei por qual razão tento evitar contato visual, pensei ter superado a situação. Talvez tenha apenas jogado para baixo do tapete, mas acabo encarando-a. Mordo o lábio inferior assentindo. Se há alguém que me estilhaça em mil pedaços, é Júlia. Estávamos de casamento marcado quando me ofereceram a vaga em Serra dos Anjos, conversamos por longas horas, levantamos prós e contras e chegamos ao comum acordo de que seria bom que eu aceitasse. O salário era melhor e teríamos condições de comprar uma casa em breve. Nunca quis depender do dinheiro da minha família. O combinado é que eu viria antes e me estabeleceria, por isso manteríamos o relacionamento à distância por um tempo, e depois do casamento, ela viria morar comigo. O que deu errado? Fiquei um mês inteiro sem voltar para casa por um período conturbado no trabalho, e nesse tempo Júlia engravidou. Acontece que sou muito bom em cálculos e em arrancar verdades de qualquer pessoa. Não demorou para ela confessar que transou com um cara que conheceu na faculdade. Agora, toda aquela sensação terrível que experimentei ao descobrir que fui traído por alguém em quem eu confiava demais, e imagens dela com outro homem na cama, volta à mente como em uma versão 2.0 atualizada. Desvencilho meu braço e entro no banheiro. Antes de fechar a porta, a encaro mais uma vez. — Eu falei que te daria um tempo, não que poderia vir pra minha casa. — Bato a porta na cara dela, tranco e me recrimino pela vontade de chorar ao me despir para o banho. O pai de Júlia é um militar aposentado, extremamente rígido. Com certeza é capaz de expulsá-la de casa, talvez até algo pior. Sinto muita raiva dela, tive vontade de levá-la até seu pai e a expor, tantas ideias se passaram por minha mente, mas não deixaria que um bebê inocente pagasse pelos erros da mãe. Por causa da criança aceitei ficar calado e fingir que ainda estamos namorando. Estou dando um tempo para que ela descubra como resolver a situação com o pai. Se passaram dois meses desde então. Demoro mais do que de costume no banho, lutando contra o lado imbecil que deseja arrancar a roupa dela e transar até perder as forças das pernas. Namoramos por cinco anos, e durante esse período nos demos muito bem. Enquanto meus amigos traíam suas esposas e namoradas, eu era o chamado de otário por ser o cara bonzinho e fiel. Mas não me arrependo, fui muito feliz e é difícil apagar memórias boas, ainda que a traição seja imperdoável. Quando saio do banheiro, com a toalha em volta do quadril, encontro Júlia nua, deitada em minha cama. Paraliso e instantaneamente o amigo se ergue animado sem que eu o possa controlar, fica ainda mais difícil quando Júlia abre as pernas exibindo a caverna onde ele adora se esconder. Decido ganhar tempo e tentar conter a excitação que se espalha por cada centímetro do corpo, revirando o guarda-roupas atrás de uma bermuda. — Que porra é essa, Júlia? Se veste. — A voz sai sem qualquer convicção ou força. — Faz amor comigo. — Mesmo de costas sei que se levanta e em um piscar de olhos está com um braço enlaçado em meu pescoço, com a mão livre arranca minha toalha. — Caralho! — digo alto olhando minha ereção exposta e sou empurrado contra o armário. Devo reagir, mas não consigo, suas mãos descem por meu abdome com agilidade e se abaixa, enfiando meu pau inteiro na boca. Não me ensinaram a sair dessa. Quando me dou conta, meus dedos estão enrolados em seus cabelos e administro o ritmo do vai e vem. Júlia parece ter feito um curso intensivo de boquete, pois nunca foi tão bom. Sua língua rodeia a glande enquanto suga o membro, deixando meu pau bem úmido. E isso é bom, muito bom, não tenho como negar. O que me resta é ceder, fechar os olhos e aproveitar essa sensação que é boa pra caralho e impossível de se livrar. Sinto que as pernas começam a bambear e ergo a mão, agarrando a porta do armário, mas tenho medo de arrancá-la do lugar, então seguro Júlia pelos ombros e a ergo. — Está ruim? — sua voz é uma mistura de sensualidade, confusão e música. — Ruim o caralho. — Falo jogando-a na cama. Júlia sorri vitoriosa, cheia de malícia, se ajeitando sobre os cotovelos. Apoio as mãos em volta de sua cabeça, subo de joelhos no colchão e me encaixo entre suas pernas sem pensar em nada além do tesão que me domina. Seguro sua bunda e deslizo para dentro em uma estocada só. Entra fácil, ela está molhada e meto com gosto, fecho os olhos imaginando ser aquela uma das turistas com quem transei dias atrás, só para não encarar quem realmente estou fodendo. Quando sobe aquele frenesi louco, após várias estocadas fortes, instigadas por gemidos enlouquecedores, meu corpo inteiro se arrepia e liberto o gemido preso na garanta, gozo como louco e me permito curtir até a última gota. Não sei se ela está satisfeita, me esforço para não me importar mais com isso. Durante muito tempo os orgasmos de Júlia foram minha prioridade na cama. Enquanto não pedisse arrego eu não parava de explorar seus pontos nervosos e fazê-la gozar. Mas agora? Chega! A cabeça agora recobra a consciência e o controle. Rolo para o lado e fico com os olhos fechados, apenas para recuperar o fôlego ao mesmo tempo em que tento espantar a culpa e arrependimento. Quando os abro, Júlia está sentada e percebo pelo canto do olho, que me olha, mas não a encaro. Sei que está chorando, certamente aquelas lágrimas que a vi derramar tantas vezes quando tentou me convencer de que me amava depois de confessar a traição. Respiro fundo e me levanto, dou a volta na cama, pego a toalha no chão, a bermuda e volto para o banheiro. Preciso de outro banho e me sinto péssimo.Depois do banho, forro o sofá da sala com um lençol e me deito nele. Deixei Júlia no meu quarto, chorando sozinha. Não sei o que será dessa garota e seu bebê, tento não me preocupar, pois não é da minha conta, mas não posso negar que isso me incomoda.
Acordo desorientado, acho que apaguei em algum momento da madrugada. Demoro me localizar e lembrar de que dormi no sofá. Apoio o braço no encosto e me sento. E ao recordar a situação, relaxo o corpo e volto a deitar. Fico olhando o teto, remoendo o que sinto, tentando entender esse misto de raiva com desejo, saudade com rancor. Minutos depois ouço o barulho da chave, me sento novamente e, Jerusa, a mulher que faz faxina no apartamento toda segunda e quinta-feira, me olha assustada. — Ué, deu formiga na sua cama? — Fecha a porta e coloca as mãos nos quadris. — Pior do que isso. — Sussurro me levantando e vou para a cozinha coçando a nuca. Jerusa deixa a bolsa sobre o sofá e me segue, curiosa, para de pé perto da pia e me olha com os braços cruzados, esperando para saber o que houve para eu dormir na sala. Começo a tirar os utensílios para passar o café e esfrego o rosto, estou cheio de sono. — Fala menino. — B**e na própria perna. — Parece que passou a noite acordado. — Minha ex-namorada está lá. — Respondo impaciente. — A Júlia? — Arqueia as sobrancelhas. Em dias de ressaca cheguei a desabafar com ela, Jerusa daria uma boa psicóloga. Por isso sabe da história. — Sim, essa mesma. — Ajeito o coador. Suas sobrancelhas, por pouco não alcançaram o cabelo sobre a testa. Olha de mim para o corredor e se volta cochichando. — E o que eu faço com ela? — Ri. — Quer que eu a expulse? Ou devo jogar pesticida? Jerusa é divertida, tem uns cinquenta anos, cheia de vitalidade, alguém com quem tive longas conversas sobre o rompimento do meu namoro. — Eu vou sair pra trabalhar, espera ela acordar e diz que pode voltar pra casa dela. — E, após um segundo. — Por favor. Caminhando na direção da minúscula lavanderia do outro lado da cozinha, resmunga em voz baixa, mas audível. — Ai, ai... vou começar lavando o banheiro do corredor, depois faço a faxina na casa. — Pega os materiais de que precisa cantarolando e, ao passar por mim novamente, para ao meu lado, olhando meu tórax nu. — Seja bonzinho com a garota, coloca uma camisa. Sentado na banqueta de madeira, distraído e sonolento, acabo rindo e cruzo os braços diante do peito. Jerusa aponta dizendo ao sair da cozinha: — Cruzar os braços assim só piora a situação. Deixa esses músculos ainda maiores. Eu hein. É uma tarada, isso sim. Volto minha atenção para o que faço. Pelo menos uma vez no dia eu preciso sorver o meu próprio café. Por isso, todas as manhãs eu o preparo pessoalmente, pois, o ponto que gosto meu café, ninguém acerta fácil. Jerusa deixa o material de limpeza no banheiro e volta, se juntando a mim com uma xícara. Conversamos em voz baixa e nem é por respeito ao sono de Júlia. Jerusa parece entender que pretendo sair de fininho, que não quero vê-la, e por isso evitamos acordá-la. — O que ela veio fazer aqui? — Não sei. Não conversamos direito. Assente pensativa, com o olhar perdido. Jerusa me lembra minha mãe, tem o mesmo jeito extrovertido que tinha antes das tragédias destruírem minha família. Talvez por isso eu me sinta à vontade em sua companhia. Volta a olhar para mim. — Ainda gosta dela? Fico um tempo parado, apenas olhando-a nos olhos, sem saber o que responder. Por fim, tento expor da melhor maneira possível. — Acho que sinto falta do que fomos um dia. Talvez da mulher que idealizei que ela fosse, da que criei em minha cabeça. Mas a realidade é outra. Ou a realidade apenas mudou, sei lá. — Não é. — A voz da minha ex invade a cozinha, assustando a nós dois. Jerusa sobressalta na cadeira e leva a mão ao peito. — Que susto, menina! Julia, exasperada, usa uma camisa minha, ao se aproximar, toca meu ombro e sua voz sai embargada. — Cris, eu sei que errei feio, não sei como fui deixar acontecer, mas não significou nada. Ainda sou a garota que você ama. Antes que eu responda, Jerusa, ciente de toda a situação, comenta sarcástica, apontando a barriga dela. — Mas isso aí significa alguma coisa, não é mesmo? Encarando-a com desdém, Júlia pergunta, voltando a olhar para mim, enquanto eu levo o café calmamente à boca. — Quem é essa? Por dentro estou como um vulcão prestes a entrar em erupção. Fervendo! — Minha amiga — respondo e deixo a xícara sobre a mesa. — Vamos conversar no quarto? — Júlia sugere. E é para onde eu me dirijo, não para conversar, mas, já que acordou, estou atrasado e preciso tomar banho. Claro que me segue. — A gente não tem nada pra conversar, Júlia. — Paro no meio da sala e me volto. — O combinado foi que eu não diria nada a ninguém sobre nosso término até você decidir o melhor momento pra jogar essa notícia bombástica no seu pai, mas não temos compromisso algum. Entende isso? Eu não sei o que veio fazer aqui. — Cris... — Esquece. — Falo firme, mas me viro com o coração apertado, sangrando. Ainda assim, não cederei. Que espécie de trouxa perdoa algo assim? Acho que ser traído dessa forma é razão suficiente para terminar um relacionamento, mas ainda tinha um agravante terrível, Júlia tentou me enganar com respeito ao bebê. Se eu não a tivesse pressionado, manteria a história de que o filho era meu. Não há como recuperar a confiança depois disso. Quando saio do banho vestido no jeans, secando o cabelo com a toalha preta, Júlia está me esperando sentada na cama com os olhos inchados e vermelhos, o rosto banhado em lágrimas, que eu, sinceramente não sei dizer o quão são falsas. — Cris, por favor, me perdoa, eu te imploro. Durante o tempo todo em que me movimento pelo quarto para me vestir, lamenta e chora desesperadamente, usando todo tipo de argumento que pensa ser suficiente para me comover. Por fim, desconfio de que está omitido algo. Júlia não é tão cara de pau e inconveniente, algo está muito errado e o desespero dela é gritante. Paro na frente dela. — Seu pai te expulsou, não foi? Comprime os lábios por onde sai um gemido fino e assente fechando os olhos, derramando mais lágrimas. — Eu passei muito mal, vomitei e tive um desmaio. Minha mãe desconfiou e me obrigou a fazer um teste de farmácia. Preciso segurar a testa ou a cabeça pode cair rolando no chão. — E o que você falou? Torce a boca, é evidente que fez merda. — Eu disse que era seu. Arregalo os olhos, ela só pode estar louca. Passo a andar de um lado para o outro, sem perceber que estou gritando. — Você pirou?! Está maluca? Seu pai deve estar vindo me matar pessoalmente a essa hora. — Paro encarando-a, furioso. — O combinado era você contar quem é o pai e me tirar dessa história, Júlia. Essa farsa de que estamos juntos é só pra te dar mais tempo... Cacete! Merda! Se arrependimento matasse... — Volto a andar pelo quarto, pensando no que fazer. — M*****a hora que fui topar esse papelão. É isso que ganho por aceitar te ajudar? O problema é que a questão nem é enfrentar o pai dela. A essa altura do campeonato basta eu contar que o filho não é meu, e pronto. Nem acredito que Geraldo venha atrás de mim, afinal, a expulsou de casa. Mas a capacidade que ela tem de mentir e aumentar a gravidade da situação, me assusta. — Vai me mandar embora também? — Essa é a única preocupação real da garota. Respiro fundo tentando conter o desejo de jogá-la pela janela com aquela mala ridícula, viro para olhar em seus olhos e aviso, fazendo um enorme esforço para me controlar. — Te dou até segunda-feira pra resolver sua vida. Entendeu? Segunda-feira! Eu vou trabalhar. — Cris... Não quero ouvir mais nada, em dois passos saio do quarto e passo por Jerusa no corredor e digo em voz alta para que Júlia ouça. — A Júlia vai te ajudar na faxina hoje. Está grávida, mas não está doente. — Seguro o braço de Jerusa, e a levo comigo para a sala, gesticulando com os olhos para que me siga. Quando chegamos perto da porta, peço. — Ela disse que passou mal, observa se vai passar bem durante o dia? Jerusa estreita os olhos em minha direção, deixa claro que me acha um frouxo por estar preocupado, mas assente e se afasta com a vassoura na mão, resmungando: — Era só o que me faltava, ser babá de piranha. Esqueci o relógio no quarto, mas não voltarei pra buscar, pois nesse instante, a última coisa que quero é olhar na cara da Júlia.EmillyA semana passou voando e a segunda-feira começa agitada com a organização de um evento beneficente ao qual estou engajada. Preciso de café logo cedo, e como o da padaria que fica embaixo do apartamento onde moramos é divino, e o dono, tio de Evans, nos dá excelentes descontos, é para lá que descemos todas as manhãs para o desjejum. Sentados à mesa perto da parede de vidro onde sempre ficamos, minha cabeça dá uma viajada enquanto ouço Evans falar sobre seu namoro, olho o movimento de pessoas e automóveis que passam pela avenida, pensando naquele maldito pen-drive. Será que é seguro ficar com aquilo? E se Margot falar com mais alguém a respeito e disser que o entregou a mim? Eu não faço ideia do que tem nele, não tentei abri-lo, nem perdi meu tempo, ela avisou que está criptografado e eu não faço ideia de qual é a senha. Além do mais, Margot pediu que o guardasse enquanto estivesse ausente em uma viagem, e me fez garantir que eu o manteria seguro.“Ninguém pode saber desse pen dr
Cristiano Os dias estão se arrastando, certamente é por conta da hóspede, que não tenho para onde mandar.Houve momentos em que consegui disfarçar bem o quanto a situação com Júlia havia me abalado. Para alguns, essa questão poderia apresentar soluções simples, bastava mandá-la embora e ignorar sua existência. Acontece que, por muitos anos, nosso relacionamento foi intenso.Pensava nisso, sentado em minha mesa na DP, esperando pacientemente o Ítalo separar a minha correspondência. Com o queixo apoiado na mão e o cotovelo sobre a mesa, acompanho só com os olhos os movimentos lentos do bicho preguiça. Hoje ele até que está ligeiro. Depois de colocar os envelopes sobre o suporte de documentos, o rapaz franzido de cabelo encaracolado e ruivo, ergue o dedo polegar.— Certinho?— Sim. — Ainda não verifiquei, mas quero que se afaste logo para eu voltar a pensar e tentar organizar os pensamentos emaranhados em minha cabeça. E ele sai com um sorriso satisfeito de quem se sente orgulhoso de si
Emilly Foi o melhor beijo em vinte e sete anos. Por toda a minha vida nunca me senti daquela forma, completamente envolvida, arrebatada e excitada. Eu não sei explicar o motivo, muito menos como isso pode ocorrer, mas estou rendida por aquele homem. Seu cheiro, suas mãos por minha pele, sua língua em minha boca e aquele gosto maravilhoso, eram totalmente inebriantes. E eu poderia ter feito amor nessa esquina, se ele não tivesse demonstrado tanto juízo ao se afastar. Mas fico totalmente emudecida diante da cena que Virgílio faz, olhando estarrecida Cristiano se afastar, extremamente revoltado. Foram só uns beijos?! Ai meu Deus! Eu praticamente me ofereci para ir ao seu apartamento, enquanto, para ele, se trata de apenas uma pegação? Desejo muito que tenha dito aquilo motivado pela raiva que sentiu ao acreditar que Virgílio e eu temos alguma coisa, mas se fosse o caso, ao menos me perguntaria. Não? — Está maluco? — Bato no braço do lunático em minha frente, mas meu desejo é estap
CristianoMinutos antes...Um banho de água fria era o que eu precisava para voltar à razão, e foi o que recebi ao descobrir que Emilly era comprometida. Ainda assim, na noite passada cheguei em casa muito puto, sentindo os nervos se repuxarem e o corpo ferver. Desejei aquela mulher de uma forma avassaladora, como nunca cheguei a desejar ninguém, nem mesmo Júlia. Descobri duas coisas naquela situação constrangedora. A primeira, foi que nunca cheguei a sentir nem um terço daquele tesão, por minha ex-namorada. A segunda, foi que eu tinha razão sobre não confiar em mulher nenhuma.Ao entrar em casa, minha fúria devia ser tão aparente, que Júlia não insistiu para conversarmos. Se recolheu logo que saí do banho e peguei roupa de cama para me ajeitar no sofá da sala.Hoje de manhã acordo mais cedo do que de costume, passo o café e Júlia entra na cozinha hesitante quando experimento o primeiro gole, olhando-a por cima da caneca.— Bom dia — cumprimenta.— Bom dia. — Minha resposta é ríspida,
EmillyOs funcionários não comentam sobre outra coisa, além do tal cadáver que foi encontrado na floresta. Todos estão preocupados sobre isso e cada um solta uma informação diferente. Dispensei todos da reunião, pois nem eu consegui me concentrar em nada. Agora estou sufocando no tédio. Há horas busco no sistema a última vistoria de um dos equipamentos alugados para um cliente, e já cliquei tantas vezes no mesmo link por falta de atenção, que nem sei mais o que estou fazendo.O celular toca ao lado do teclado e levo a mão ao peito no susto. É um número desconhecido e o código de discagem direta à distância, é da capital, o que não é incomum, só estranho que a chamada seja no meu número pessoal e não no celular da empresa.— Alô. — Afundo o cotovelo sobre a mesa, estou exausta e preciso de apoio.— Emy. — Reconheço a voz de Margot e um mal pressentimento me faz tremer.— Margot, onde você está? — Em um salto me levanto, a cadeira parece queimar minha bunda, e vou espiar o corredor para
CristianoEncontrar Emilly foi uma surpresa, não sei dizer se foi boa ou ruim. Por alguma razão, me desestabilizou. Estava sentindo uma terrível dor latejar minha têmpora direita, voltava para o local onde parei a moto, digitando uma mensagem para meu amigo Gustavo, quando paro estático ao me deparar com ela em uma esquina. A última pessoa que esperava encontrar assim. Não sei como meu coração pode me trair e reagir ao simples olhar daquela mulher, mas o safado disparou no peito.Foi um encontro estranho, me senti patético em diversos níveis por não conseguir ficar calado e acabar mexendo no assunto sobre a outra noite, ela não me devia satisfações. Sei que não tinha nenhum direito, eu devo estar muito estressado para agir daquela forma. Mas depois daquele rápido encontro, meu aborrecimento se volta mais uma vez para Júlia.Como assim, disse que era minha namorada? Caralho!Piloto direto para o apartamento com fogo correndo nas veias, eu deveria mandar Júlia embora, mas me sentirei o
Emilly— Obrigada, Neiva. — Pelo espelho, sorrio para minha cabelereira, que, além do cabelo, fez uma maquiagem maravilhosa.— Trouxe o vestido para se trocar?— Não, vou passar em casa ainda. — Afasto a cadeira sem muito ânimo, me sinto pesada, angustiada. Sei o que me espera nessa festa e é desgastante. Odeio os confrontos inevitáveis com minha madrasta.Neiva fechou o salão para me atender e passou longas quatro horas fazendo minhas unhas, cabelo e maquiagem. Por isso me forço a esboçar o melhor sorriso e fazê-la sentir-se com a missão cumprida. Pego a bolsa e tiro o convite do bolsinho, estendendo em sua direção.— Você vai, né?Diante do convite dourado com letras bordadas, sorri, encabulada.— Imagina, nem tenho roupa pra esse evento.— Ah, não exagera, Neiva.— Eu agradeço o convite, Emy, mas tenho que ficar com meus filhos.— Eu entendo, mas gostaria muito que fosse. — Torço a boca. Imaginei que ela não fosse aceitar, mas precisava fazer o convite. Neiva tem salão em Serra dos
CristianoVanessa e eu discutimos por quase uma hora na cozinha.Depois de me cortar as unhas, passar base, aparar o cabelo, lambrecá-lo de gel, me convencer a tirar toda a barba e me enfiar em um terno, sugeriu que eu levasse a Júlia em seu lugar.— Sinceramente, eu não tô acreditando que você pense ser boa ideia eu levar a Júlia.— Ninguém aqui na cidade sabe o que ela fez.— E nem quero que saibam. Não é legal que te olhem como o corno da vez, sabia? Mas essa não é a questão, o problema é ela pensar que está tudo bem entre nós dois, porque não está.Finalmente, após perceber o quanto estou relutante, coloca uma mão no meu ombro e aperta, dizendo:— Tá, eu vou falar. Sabe o que é... — Puxa outra cadeira e se senta ao meu lado.. — Estou gostando muito do Marquinhos, mas tem uma galera zoando ele, dizendo que tem algo entre nós dois... — decide ser honesta comigo.Nem precisa terminar, eu entendo. Faz um tempo que ignoro, mas sei que comentam sobre nós termos um caso, o que nunca foi