EmillyEstou nauseada.Ao mesmo tempo em que me pergunto: Como alguém é capaz de fazer algo desse tipo? Admirada sobre como alguém pode jogar qualquer produto acelerante para queimar uma pessoa! Planejar uma desova e continuar vivendo depois de tudo! Algo aponta para mim mesma e lembro do passado angustiante com que venho lutando para esquecer por todos esses anos. Tento me convencer, mais uma vez, que a culpa não foi minha, como meu pai repetiu por tanto tempo.De qualquer forma, aquilo que vi lá dentro é diferente do que me aconteceu. É monstruoso! Coisas assim se repetem o tempo todo, estou tão alheia a isso, que entrar em um lugar como este me faz temer o mundo em que vivo. E, enquanto espero em um corredor gelado, cheirando a água sanitária, tremendo enquanto ando de um lado para o outro, tento espantar a imagem horrível de um cadáver todo queimado, imaginando como aquela pessoa sofreu até vir a óbito.O celular toca em minha mão e atendo a ligação do meu pai por reflexo.— Alô.
CristianoDa mesma forma que encontramos Margot facilmente, outras pessoas podem fazê-lo. Desconfio que a garota está chantageando alguém e por isso fugiu. Aquele dinheiro que transferiu para a mãe, parece pagamento recebido de extorsão.No corredor há quatro portas de madeira com a tinta azul descascada. A informação que tenho é de que Margot está hospedada no penúltimo quarto do corredor, número 40. Caminho lentamente até a porta cujo número quatro pende presa em um prego e só há uma marca que indica a antiga existência de um zero. Fico atento em volta, analisando possíveis entradas além do portão por onde passei. O muro ao meu lado direito não é tão alto, o corredor não é coberto, mas o acesso até ele é difícil, pois fica ao lado de um prédio bem fechado.Bato na porta e ouço um barulho, em seguida um silêncio absoluto.— Margot?— Não — responde alto e trinco os dentes.— Mandaram flores.— Quem?— Desculpa, moça. Sou só o entregador, e preciso que assine aqui.Ela silencia novame
EmillyDemoramos sair da delegacia depois de deixarmos Margot, e ainda me sinto nauseada com tudo isso. Uma tristeza profunda pesa sobre mim e está difícil sorrir. Não sei o que seria de mim se não fosse a aconchegante presença de Cris durante todo esse processo. É a única coisa boa em tudo isso.É como se a vida destruída que eu demorei remendar depois da morte da minha mãe, estivesse se desmanchando. Evans mente, Margot me usa, meu pai é pior do que eu pensei. Só Cris me parece uma rocha sólida em meio a tudo isso, mas eu começo a me sentir insegura até mesmo para confiar nele.Quando chegamos na casa de seus pais, são quase dezoito horas. Cris, como sempre, cavalheiro, abre a porta para eu passar. Essas pequenas atitudes me cativam cada vez mais e me ajudam a manter a sobriedade.Encontramos Carol na sala, acompanhada por outra mulher, que parece ter vinte e cinco ou até mesmo a minha idade, vinte e sete anos. Ao ver Cris, as duas sorriem e se levantam, mas a mulher se aproxima com
CristianoPassamos o domingo em volta da piscina. Cecy e meu cunhado apareceram com uma deliciosa torta de limão para a sobremesa, e até meu pai se juntou a nós por alguns minutos. A noite levei Carol e Emilly no Shopping Center Norte, uma longa viagem até lá, e um tratamento para meu sistema nervoso, acompanhar as duas nas compras.Hoje, segunda-feira ensolarada já às sete horas da manhã, estamos na estrada, retornando para Serra dos Anjos. Está difícil deixar de pensar na última conversa que tive com meu pai. Não sei o que ocupa mais a minha mente, tantas coisas me preocupam. Além de Emilly, tem a investigação, e os problemas da minha família. Não bastasse isso, Júlia me ligou chorando e implorando para que eu voltasse, com a mesma lamúria de que havia errado, alegando que merecia perdão, mas que me amava. Ela anda meio bipolar. Não tenho certeza se isso passará com o fim da gestação.— Cris... — A voz de Emilly me traz de volta de um profundo devaneio.— Oi? — não tiro a atenção da
EmillyA viagem foi cansativa, mas prefiro trabalhar a ficar pensando em toda essa confusão. Úrsula, minha secretária, me entrega a pasta com a planilha das últimas cotações e se encosta na ponta da mesa.— Como foi a viagem à capital?— Foi boa. — Não entro em detalhes, pois, embora o tempo que passei com Cris tenha sido maravilhoso, houve momentos demasiadamente tensos. Não consigo sequer forçar um riso, apenas a olho de esguelha e volto à planilha. Ainda hoje preciso fazer pagamentos e verificar algumas contas extras do mês.— Deseja algo mais? Um café? — Úrsula me conhece. Sei que está preocupada comigo, e, obviamente estou tensa, ela não quer me pressionar.— Ah, sim, obrigada.Sorri e se afasta na direção da porta, e quando a abre, Alberto está parado no meio da recepção.— Alberto? — Eu me levanto surpresa com sua presença, e ele abre os braços e um largo sorriso.— Bom dia, Emilly. — Dá alguns passos na direção da porta e Úrsula me olha interrogativa, esperando que eu diga o q
EmillyHá um sorriso maligno na face consternada de Alberto, tenho certeza de que ele vai me matar. Deus me livre, é macabro, de quem sofre das faculdades mentais. Caminha de um lado para outro desse velho barracão, repetindo que meu pai é um assassino, que matou seu pai, destilando ódio, chamando-o de filho da puta e afirmando que todas as autoridades da cidade são corruptas.Nisso preciso concordar.Devo dizer a verdade, que fui eu quem matou seu pai, mas a voz não sai. As lágrimas escorrem sem controle algum, não é de medo, mas é a sensação terrível de que, finalmente estou pagando pelo que fiz.Alívio, talvez?Há um pedaço de madeira embaixo de mim, os pregos machucam minha perna, tento me ajeitar, e ele se assusta com meu movimento, se virando abruptamente, desferindo um tapa com toda a força em meu rosto.— Ahhhh!O grito escapa alto e, assustada, choro ainda mais, a dor se mistura à culpa que me atormenta.— Alberto, me perdoa — peço com dificuldade, em meio aos soluços, mesmo
CristianoAinda correndo pela mata, a adrenalina é o que me mantém em movimento, vencendo o pânico que ameaça me dominar. Ouço um disparo e paraliso por um segundo, a sensação gelada sobe pela espinha. Acho que meu coração deu uma parada por milésimos de segundos. Não sei. Por pouco não consigo me sustentar de pé. O pior se passa em minha mente. As imagens do corpo carbonizado de Clóvis se projetam e tenho dificuldade para respirar.— Falta muito? — Minha voz falha ao perguntar, e Sanches nega com a cabeça, comprimindo os lábios.O som foi alto e claro, os pássaros fugiram das árvores, e houve grande farfalhar das folhas.Sanches para de correr e o ouço falar com seu parceiro.— Barbosa, cadê o pessoal?— Estão subindo pelo outro lado.Galhos ricocheteiam meu rosto, sinto a dor, mas não o suficiente para me parar. Salto por cima de troncos caídos pelo caminho, derrapo por alguns declives e continuo correndo. Não sei de onde tiro energia, tenho treinamento físico, mas não fui preparado
CristianoO caos em volta de mim, quando estou em ação, nunca me perturbou, nem tirou minha habilidade de concentração, meu foco, mas confesso que me sinto falho agora. Talvez eu não seja tão bom profissional como imaginei. Há em mim uma aflição ardente, um medo constante, um pânico quase paralisante. Aperto seu corpo frágil em meus braços, fazendo uma oração silenciosa, agradecendo.Depois que se deita sobre a prancha, os paramédicos a examinam e não consigo tirar os olhos dela.As pessoas falam em volta, ouço alguém me parabenizar pela maneira como o acertei e invadi o galpão, mas não consigo focar nisso, só em Emilly, e no que os paramédicos falam. Alex nem me cumprimenta, está concentrado no que faz.Depois que atirei, assim que Alberto caiu, pulei pela janela, com medo de que ele tentasse alcançar a pistola. Mas o infeliz segurava a perna ferida e gemia de dor. Chutei a arma para longe e me abaixei para pegar Emilly.Terminam de examiná-la e a erguem do chão para levá-la até a am