CristianoPassamos o domingo em volta da piscina. Cecy e meu cunhado apareceram com uma deliciosa torta de limão para a sobremesa, e até meu pai se juntou a nós por alguns minutos. A noite levei Carol e Emilly no Shopping Center Norte, uma longa viagem até lá, e um tratamento para meu sistema nervoso, acompanhar as duas nas compras.Hoje, segunda-feira ensolarada já às sete horas da manhã, estamos na estrada, retornando para Serra dos Anjos. Está difícil deixar de pensar na última conversa que tive com meu pai. Não sei o que ocupa mais a minha mente, tantas coisas me preocupam. Além de Emilly, tem a investigação, e os problemas da minha família. Não bastasse isso, Júlia me ligou chorando e implorando para que eu voltasse, com a mesma lamúria de que havia errado, alegando que merecia perdão, mas que me amava. Ela anda meio bipolar. Não tenho certeza se isso passará com o fim da gestação.— Cris... — A voz de Emilly me traz de volta de um profundo devaneio.— Oi? — não tiro a atenção da
EmillyA viagem foi cansativa, mas prefiro trabalhar a ficar pensando em toda essa confusão. Úrsula, minha secretária, me entrega a pasta com a planilha das últimas cotações e se encosta na ponta da mesa.— Como foi a viagem à capital?— Foi boa. — Não entro em detalhes, pois, embora o tempo que passei com Cris tenha sido maravilhoso, houve momentos demasiadamente tensos. Não consigo sequer forçar um riso, apenas a olho de esguelha e volto à planilha. Ainda hoje preciso fazer pagamentos e verificar algumas contas extras do mês.— Deseja algo mais? Um café? — Úrsula me conhece. Sei que está preocupada comigo, e, obviamente estou tensa, ela não quer me pressionar.— Ah, sim, obrigada.Sorri e se afasta na direção da porta, e quando a abre, Alberto está parado no meio da recepção.— Alberto? — Eu me levanto surpresa com sua presença, e ele abre os braços e um largo sorriso.— Bom dia, Emilly. — Dá alguns passos na direção da porta e Úrsula me olha interrogativa, esperando que eu diga o q
EmillyHá um sorriso maligno na face consternada de Alberto, tenho certeza de que ele vai me matar. Deus me livre, é macabro, de quem sofre das faculdades mentais. Caminha de um lado para outro desse velho barracão, repetindo que meu pai é um assassino, que matou seu pai, destilando ódio, chamando-o de filho da puta e afirmando que todas as autoridades da cidade são corruptas.Nisso preciso concordar.Devo dizer a verdade, que fui eu quem matou seu pai, mas a voz não sai. As lágrimas escorrem sem controle algum, não é de medo, mas é a sensação terrível de que, finalmente estou pagando pelo que fiz.Alívio, talvez?Há um pedaço de madeira embaixo de mim, os pregos machucam minha perna, tento me ajeitar, e ele se assusta com meu movimento, se virando abruptamente, desferindo um tapa com toda a força em meu rosto.— Ahhhh!O grito escapa alto e, assustada, choro ainda mais, a dor se mistura à culpa que me atormenta.— Alberto, me perdoa — peço com dificuldade, em meio aos soluços, mesmo
CristianoAinda correndo pela mata, a adrenalina é o que me mantém em movimento, vencendo o pânico que ameaça me dominar. Ouço um disparo e paraliso por um segundo, a sensação gelada sobe pela espinha. Acho que meu coração deu uma parada por milésimos de segundos. Não sei. Por pouco não consigo me sustentar de pé. O pior se passa em minha mente. As imagens do corpo carbonizado de Clóvis se projetam e tenho dificuldade para respirar.— Falta muito? — Minha voz falha ao perguntar, e Sanches nega com a cabeça, comprimindo os lábios.O som foi alto e claro, os pássaros fugiram das árvores, e houve grande farfalhar das folhas.Sanches para de correr e o ouço falar com seu parceiro.— Barbosa, cadê o pessoal?— Estão subindo pelo outro lado.Galhos ricocheteiam meu rosto, sinto a dor, mas não o suficiente para me parar. Salto por cima de troncos caídos pelo caminho, derrapo por alguns declives e continuo correndo. Não sei de onde tiro energia, tenho treinamento físico, mas não fui preparado
CristianoO caos em volta de mim, quando estou em ação, nunca me perturbou, nem tirou minha habilidade de concentração, meu foco, mas confesso que me sinto falho agora. Talvez eu não seja tão bom profissional como imaginei. Há em mim uma aflição ardente, um medo constante, um pânico quase paralisante. Aperto seu corpo frágil em meus braços, fazendo uma oração silenciosa, agradecendo.Depois que se deita sobre a prancha, os paramédicos a examinam e não consigo tirar os olhos dela.As pessoas falam em volta, ouço alguém me parabenizar pela maneira como o acertei e invadi o galpão, mas não consigo focar nisso, só em Emilly, e no que os paramédicos falam. Alex nem me cumprimenta, está concentrado no que faz.Depois que atirei, assim que Alberto caiu, pulei pela janela, com medo de que ele tentasse alcançar a pistola. Mas o infeliz segurava a perna ferida e gemia de dor. Chutei a arma para longe e me abaixei para pegar Emilly.Terminam de examiná-la e a erguem do chão para levá-la até a am
EmillyRecuperaram meu aparelho celular no carro de Alberto. Ontem, enquanto ainda estava no hospital, meu pai e meus irmãos ligaram, atendi para tranquilizá-los de que estava bem, mas não quis conversar por muito tempo. Estava exausta, e acho que, por causa da medicação, dormi grande parte do tempo. Quando estava acordada, Cris se deitava comigo acariciando meu cabelo. Acabava dormindo novamente.Nos intervalos entre um sono e outro, Virgílio também ligou, e outros amigos, mas tentei ser breve, estou sem paciência para ficar falando no assunto.Hoje, acordo com o cheiro delicioso de café. Demoro alguns minutos para me localizar, lembrar de que estou na cama do Cris. A claridade que invade por frestas da janela, denunciam que o dia amanheceu, e me sento na cama, criando coragem para ir até a cozinha. Antes que me levante, uma bandeja surge no corredor, e logo vejo o lindo homem que a carrega, sem camisa, exibindo músculos em um torso perfeito. Acho que Cris não esperava me encontrar a
EmillyAcabei dormindo, mas estou acordada há alguns minutos, já escovei os dentes, me enfiei em um vestido verde claro de alças finas, que foi o primeiro que achei na minha mala, e agora espero o Cris para jantarmos. Ele mandou mensagens várias vezes perguntando como estou, e seu carinho parece um bálsamo para meus males. Tento não pensar que nosso tempo juntos está com os dias contados. A cabeça ainda dói quando o efeito do remédio passa, mas até agora não tive outros sintomas.Pego o celular e me sento na cama em seu quarto, quando ouço o barulho da porta. Não tenho nenhuma força para esconder a ansiedade que sinto para vê-lo, por isso corro para encontrá-lo na sala.Encontro-o encostado na parede, segurando a porta aberta, dando passagem para que Evans entre. E meu amigo está visivelmente constrangido, cheio de receios. Não sei se meu olhar estreito sobre ele piora a situação, mas entra na sala me olhando como um filho que espera apanhar da mãe. E é bom que esteja com muito medo m
CristianoQueria dizer tantas coisas a ela. Contar como me sinto, o quanto é diferente de tudo o que já senti na vida. Ser honesto e desabafar. Só não o fiz por não achar justo com nenhum de nós dois. Essa conversa tornaria minha partida mais pesada e difícil. E porque eu sabia que estava sendo óbvio demais. Qualquer um que nos visse juntos, enxergaria o que havia entre nós.Passamos os dias seguintes curtindo cada segundo que podíamos na companhia um do outro. Frequentemente me pego pensando se terei mesmo forças para deixá-la. Cogito diversas vezes sobre tentarmos o relacionamento à distância, mas com a rotina que terei, os finais de semana comprometidos com meu pai, e o trabalho na empresa dela, sei que teremos momentos difíceis demais. O que passei com Júlia não desejo para ninguém, muito menos repetir a dose. Confiei demais na minha ex e ela me traiu. Confiar novamente em alguém não é algo que possamos simplesmente desejar e fazer. Difícil. Quero ficar com Mili, não quero me afas