O vento rugia como um aviso sombrio, lançando meu cabelo para trás enquanto eu corria por entre as árvores. A respiração vinha em arquejos curtos, queimando meus pulmões, e as sombras pareciam se mover, acompanhando meus passos. Fugir de criaturas havia se tornado parte de quem eu era agora. Mas, dessa vez, algo era diferente. Dessa vez, parecia que fugir não bastaria.
A floresta, antes viva com os sons da natureza, mergulhara em um silêncio opressor. Cada folha parecia segurar seu fôlego. O ar estava carregado, pesado, quase impossível de respirar. Era como se até as árvores estivessem esperando, assistindo ao meu desespero. Parei de correr, minhas pernas tremendo. O chão parecia instável sob meus pés. O mundo ao redor girava em um turbilhão de medo e incerteza. Onde ele estava? Será que eu havia conseguido despistá-lo? — Afaste-se, besta! — gritei, a voz tremendo, mas firme. Eu precisava parecer forte, mesmo que estivesse apavorada. — Mesmo sem meus poderes, eu ainda posso destruí-lo! A resposta veio quase imediatamente. Uma risada maligna, profunda e perturbadora, ecoou pela floresta, reverberando como se milhares de gargantas rissem ao mesmo tempo. Depois, rosnados grotescos, rasgados e primais. — Socorro, Violet! — A voz dele cortou o ar como uma lâmina. A voz de Dylan. — Me salve, pequena! Meu coração apertou. Por um instante, um instante cruel, quase acreditei. — Cala a boca! — gritei, cobrindo os ouvidos, tentando abafar o som. — Não é o Dylan, não é ele! Mas a criatura sabia exatamente como se infiltrar nas minhas rachaduras. — Violet, por favor… — A voz quebrou em soluços, tão real, tão dolorosamente parecida com a dele. — Eu fui pego… Me ajuda! Fechei os olhos com força, lutando para não ceder, lutando contra o aperto esmagador no peito. Eu sabia que não era real. Eu sabia que Dylan estava morto. Morrera diante dos meus olhos. Mas então a criatura disse algo que me fez congelar. — Violet, você lembra? A nossa primeira vez, no dia do ritual. Você estava tão linda, sua pele cheirava a baunilha. Minha garganta secou. Ninguém sabia disso. Ninguém. Nem mesmo Ivy. Era um segredo nosso. Algo que havíamos compartilhado numa tarde tranquila, longe do mundo. Minha voz saiu como um sussurro. — Como você sabe disso? Mais risadas, desta vez mais próximas. A floresta parecia se fechar ao meu redor. — Eu sei muitas coisas, Violet. Coisas que nem você lembra. — A voz mudou, ficando mais baixa, quase íntima. — Eu sei como ele olhava para você quando achava que você não estava vendo. Sei as palavras que ele nunca teve coragem de dizer. — Chega! — gritei, desesperada. Minhas mãos tremiam, e as lágrimas queimavam em meus olhos. — Você não é ele! — Não sou? — A voz assumiu um tom de zombaria. — Você tem certeza disso? A criatura não estava apenas me perseguindo. Estava brincando comigo, me torturando de um jeito que só alguém que conhecia Dylan poderia fazer. Como isso era possível? — Lembra daquela noite, Violet? — A voz dele ficou doce, quase gentil. — Quando você teve aquele pesadelo? Ele te segurou até você dormir de novo, mas nunca te contou que também tinha medo... medo de te perder. Eu me encolhi, apertando os braços contra o corpo. As palavras me atingiam como facas, cortando fundo, reabrindo feridas que eu tentava ignorar. — Ele não contou para ninguém, mas eu sei. Eu sei de tudo, Violet. O rosnado voltou, mas agora parecia cercar-me. As sombras se moviam, e eu sabia que não estava mais sozinha. — Mostre-se! — gritei, a voz quebrando. — Pare com isso! Uma figura emergiu das sombras, mas era pior do que eu esperava. Não era a forma monstruosa que eu imaginava, mas Dylan. Ou, pelo menos, algo que se parecia com ele. — Sou eu, Violet. — Ele deu um passo à frente, e meu corpo travou. — Por que está com medo? Seus olhos… não eram os olhos de Dylan. Estavam escuros, vazios, como se não houvesse alma ali. Mesmo assim, o sorriso no rosto era exatamente o dele. — Você não é real. — Minha voz saiu fraca, quase inaudível. — Real o suficiente para lembrar do que você sente falta. — Ele inclinou a cabeça, os olhos fixos nos meus. — Real o suficiente para te lembrar de que você falhou. A dor em meu peito aumentou, cada palavra dele atingindo como uma marreta. Eu sabia que não era Dylan, mas a maneira como ele falava, como se movia, era tão perfeita que meu coração queria acreditar, mesmo enquanto minha mente gritava para eu correr. — Você não devia ter me deixado, Violet. — A criatura agora estava a poucos passos de distância. — Por que você não me salvou? As lágrimas escorriam livremente pelo meu rosto. Eu sabia que aquilo era uma mentira, mas as palavras dele despertavam toda a culpa e arrependimento que eu carregava. — Eu tentei… — sussurrei, a voz falhando. — Não o suficiente. — Ele estendeu a mão, os dedos quase tocando meu rosto. Recuei, tropeçando e caindo de joelhos. A risada voltou, mas agora era mais distorcida, mais monstruosa. A ilusão se desfez, e a criatura mostrou sua verdadeira forma. Algo grotesco e impossível, com olhos que brilhavam como carvões em brasa e uma pele que parecia pulsar com vida própria. — Você vai falhar de novo, Violet. — A voz agora era uma mistura de muitas vozes, todas ecoando na minha mente. — Vai perder tudo. Assim como perdeu ele. Eu gritei, um som primal, carregado de dor e desespero, enquanto me levantava e corria. Não importava para onde. Só precisava escapar. As risadas me seguiram, e o som parecia vir de dentro da minha própria cabeça. A floresta era um labirinto, cada caminho parecendo igual, cada sombra escondendo algo pior. Meu corpo tremia, exausto, mas eu não podia parar. Não podia ceder. Não podia deixar essa coisa vencer. Mas, no fundo, uma parte de mim sabia que já estava perdida.Semanas antes — Venha viver comigo — digo a Ivy, enxugando suas lágrimas. — Não aguento mais vê-la triste e cansada toda vez que vem me visitar. Desde que deixei a cidade, refugiei-me na fronteira entre os países, num lugar afastado de tudo e de todos. Conseguir uma moradia aqui foi fácil; ninguém em sã consciência escolheria viver num lugar como este. O antigo dono desse casarão ficou incrédulo quando fiz uma oferta de compra. Não houve sequer negociação — ele aceitou na hora, por um valor absurdamente baixo. Após meu braço finalmente se recuperar, passei meses economizando, trabalhando em todo tipo de emprego para reunir o suficiente e me afastar da cidade e das lembranças dolorosas que ela guardava. Ivy, claro, continuou a me visitar, mesmo que isso significasse enfrentar três dias na estrada na moto do amigo dela, Logan. No começo, confesso que a ideia de vê-la ao lado de alguém como ele me incomodava. Mas com o tempo percebi que Logan apenas queria protegê-la. — Violet... as
O quarto estava mergulhado em um silêncio que parecia pesar tanto quanto o livro que eu segurava. A capa de couro preto, lisa e sem adornos, repousava fria contra minhas mãos. Ivy e Logan haviam recuperado este e outros volumes da antiga casa da minha família, resgatados de um cofre que por anos esteve fora do meu alcance. Agora, eu o tinha comigo, mas ao mesmo tempo, parecia que as respostas que buscava estavam tão distantes quanto sempre estiveram. Respirei fundo e abri o livro. O cheiro de papel antigo, mesclado ao couro envelhecido, trouxe uma estranha familiaridade, um eco de algo que nunca conheci de verdade. A caligrafia fluía em latim, um idioma que até pouco tempo eu seria incapaz de decifrar. Mas agora... As palavras não apenas faziam sentido — elas ressoavam em mim. Era como se cada frase despertasse memórias adormecidas, como se aquele conhecimento estivesse gravado em meu DNA. Li devagar, saboreando cada linha, cada conceito. A escrita abordava magia ancestral, feitiç
O jardim estava imerso em um silêncio quase confortante enquanto eu e Ivy cuidávamos das flores. As gotas de água brilhavam ao cair das folhas como pequenas jóias líquidas, e o aroma fresco da terra molhada preenchia o ar. Mesmo assim, a tensão pairava entre nós. Ivy estava visivelmente distraída, seu olhar perdido enquanto regava mecanicamente os canteiros. Eu tentei puxar assunto algumas vezes, mas nada parecia quebrar o muro invisível que ela havia erguido desde a nossa conversa mais cedo. A única coisa que interrompeu o incômodo silêncio foi a voz grave de Logan, surgindo atrás de nós como um trovão abafado. — Está na hora de irmos. — Ele falou como quem não admite contestação. Virei-me, encontrando seu olhar penetrante. Ele estava parado ali, com as mãos nos bolsos, como se tivesse todo o tempo do mundo. Ivy olhou para mim, indecisa, mordendo o lábio inferior, como se esperasse que eu dissesse algo. E eu disse. — Acho melhor Ivy ficar aqui. Logan soltou uma risada baixa
A luz da lua entrava pela janela, lançando sombras suaves pelo meu quarto. A madeira escura das prateleiras estava repleta de livros antigos de magia, muitos deles já com páginas desgastadas pelo tempo. Sentada na poltrona próxima à cama, eu passava os olhos pelas linhas de um grimório antigo. As palavras pareciam saltar da página, como se carregassem uma energia própria. Porém, mesmo tentando me concentrar, minha mente estava inquieta.Havia uma sensação estranha no ar, algo que eu não conseguia explicar. Era como se um peso invisível pressionasse meus ombros, me deixando inquieta. Passei a mão pela testa, suspirando, e voltei a focar no livro.De repente, tudo ao meu redor se desfez.Era como se eu não estivesse mais no meu quarto. Meus olhos estavam abertos, mas não via mais as páginas do grimório. Em vez disso, uma floresta seca e desolada passava rapidamente diante de mim, como se eu estivesse correndo através dela.Eu não conseguia controlar meus movimentos; era como se estivess