Cabana

O silêncio na fronteira era opressivo. Cada folha que caía, cada farfalhar dos galhos parecia carregado de uma energia antiga, um sussurro dos espíritos que vagavam por aquelas terras esquecidas. Estava ali porque era o único lugar onde ninguém me procuraria – ou pelo menos era o que eu esperava. Era um lugar onde até mesmo o tempo parecia hesitar, onde as noites eram mais escuras e os dias nunca brilhavam com tanta intensidade.

Minha cabana, pequena e isolada, era mais um refúgio do que um lar. As paredes de madeira estavam rachadas em alguns pontos, o teto rangia a cada sopro do vento, e o cheiro de fumaça da lareira impregnava tudo. Não era confortável, mas servia ao seu propósito: manter-me longe dos olhos de Klaus e seus homens.

Naquela manhã, o ar estava pesado, carregado de uma umidade densa que parecia grudar na pele. Eu havia saído cedo para buscar lenha e água no riacho próximo. Os galhos secos estalavam sob meus pés enquanto eu me movia com cautela, sentindo cada vibração do chão, cada som ao meu redor. Era um hábito que eu não conseguia abandonar, uma necessidade constante de estar alerta.

Quando voltei à cabana, Ivy já estava lá. Ela estava encostada na moldura da porta, os braços cruzados, com a expressão séria de sempre. Sua presença era ao mesmo tempo um conforto e um lembrete doloroso de tudo o que perdi.

— Você está se escondendo de novo, não está? — ela perguntou, sem rodeios, enquanto eu colocava a lenha no chão ao lado da lareira.

Suspirei, limpando as mãos na calça.

— Não estou me escondendo, Ivy. Estou sobrevivendo. Há uma diferença.

— Sobreviver não é viver, Violet.

Eu não respondi. Era uma conversa que já tínhamos tido muitas vezes, e eu sabia que ela não aceitaria nenhuma justificativa.

— Está treinando? — ela perguntou, mudando de assunto enquanto me seguia para dentro.

— Sempre que posso. — Minha resposta saiu mais curta do que eu pretendia.

A verdade era que treinar meus poderes se tornara uma obsessão, uma necessidade quase desesperada. Eu era uma híbrida, uma mistura de bruxa e loba, mas minha magia tinha sido enfraquecida desde o ataque à alcatéia. Talvez fosse o trauma, ou talvez o laço quebrado com minha alcatéia tivesse drenado parte da minha essência. Não importava o motivo. O que importava era que eu precisava encontrar uma maneira de recuperar o que perdi.

A mesa da cabana estava cheia de velas apagadas, cristais e pergaminhos antigos que Ivy conseguira trazer para mim de uma cidade próxima. Eu passava horas por dia tentando reacender a conexão com minha magia, desenhando símbolos de proteção, recitando encantamentos que um dia fluíram de mim com tanta facilidade. Agora, tudo parecia distante, como tentar lembrar uma língua esquecida.

— Você sabe que não pode se forçar assim, certo? — Ivy continuou, pegando um dos pergaminhos e o examinando com curiosidade.

— Se eu não tentar, ninguém mais vai fazer isso por mim. — A frustração em minha voz era clara.

Ela colocou o pergaminho de volta na mesa e me encarou.

— Não estou dizendo para você desistir, Violet. Só estou dizendo que você precisa descansar. Cuidar de si mesma.

— Descansar não vai me ajudar a derrotar Klaus.

O nome dele saiu como veneno de meus lábios. Klaus. O Rei Vampiro. O homem que destruiu minha alcatéia, que matou aqueles que eu amava e reduziu minha vida a isso – uma existência solitária em uma cabana no meio do nada.

— E como exatamente você pretende derrotá-lo? — Ivy perguntou, sua voz um pouco mais baixa.

Eu não tinha uma resposta. Minha magia era fraca demais para ser uma ameaça real, e minha parte loba estava adormecida. Eu ainda não conseguia me transformar, e mesmo que pudesse, lutar contra Klaus e seu exército era praticamente suicídio.

Mas eu não podia desistir. Não enquanto ainda respirasse.

— Um dia, vou encontrar uma maneira — respondi, finalmente.

Ivy balançou a cabeça, mas não insistiu. Ela sabia que não adiantava discutir comigo.

Depois que ela saiu, o silêncio voltou a tomar conta da cabana. Peguei uma das velas e a coloquei no centro da mesa, cercada por um círculo de sal. Era um feitiço básico, um exercício para tentar reacender minha conexão com a magia. Fechei os olhos e respirei fundo, deixando o som do vento lá fora preencher minha mente.

— Lux ignis. — Minha voz foi um sussurro, mas carregava uma intensidade que parecia ecoar pelo espaço ao meu redor.

Abri os olhos e olhei para a vela. Nada.

Meu coração apertou. Quantas vezes eu já havia tentado isso? Dez? Vinte? Perdi a conta. A frustração borbulhou dentro de mim, mas eu a empurrei de volta, tentando manter o foco.

— Lux ignis! — repeti, dessa vez com mais força.

Um pequeno brilho apareceu na ponta do pavio, mas desapareceu quase instantaneamente. Fechei os punhos com força, tentando conter o grito de raiva que ameaçava escapar.

Levantei-me da cadeira e comecei a andar de um lado para o outro, tentando dissipar a energia inquieta que corria por minhas veias. Era como se meu lobo estivesse inquieto, agitado, mas incapaz de se manifestar completamente. Eu me sentia presa em minha própria pele, um híbrido dividido, incapaz de acessar qualquer lado completamente.

Enquanto caminhava, algo fora da cabana chamou minha atenção. Um som. Não era o vento ou o farfalhar das árvores. Era algo mais. Algo… humano.

Peguei a faca que sempre mantinha presa ao cinto e me movi em direção à porta, meus passos silenciosos como os de um predador. A noite já havia caído, e a escuridão lá fora era quase absoluta, exceto pela luz fraca da lua que atravessava as copas das árvores.

— Quem está aí? — minha voz soou firme, mas meu coração batia rápido no peito.

O som parou, mas eu podia sentir que havia algo ali. Algo ou alguém. Minha mente imediatamente pensou em Klaus e seus homens, mas outra parte de mim sabia que, se fosse ele, eu já estaria morta.

Avancei alguns passos para fora da cabana, a faca firme em minha mão. O ar ao meu redor parecia mais denso, como se estivesse carregado de uma energia que eu não conseguia identificar. Meu lobo interior rosnava baixo, inquieto, mas ainda distante, incapaz de se manifestar plenamente.

De repente, um vulto saiu das sombras. Não era humano. Era uma criatura que eu não reconhecia de imediato, com olhos brilhantes e um corpo esguio que parecia se fundir com a escuridão ao seu redor.

Minha respiração parou por um momento, mas eu não recuei.

— O que você quer? — perguntei, tentando manter minha voz firme.

A criatura não respondeu. Apenas me observou por alguns segundos antes de desaparecer tão repentinamente quanto havia aparecido.

Fiquei ali, parada, com a faca ainda em mãos, tentando entender o que havia acabado de acontecer. A floresta estava cheia de mistérios e perigos, mas algo naquela criatura parecia… diferente.

Voltei para a cabana e tranquei a porta, meu coração ainda acelerado. Algo estava mudando. Eu podia sentir isso. E, embora não soubesse o que estava por vir, tinha certeza de uma coisa: minha vida estava prestes a se complicar ainda mais.

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