- Rugge! - Falo ao vê-lo.
- Oi baixinha. - Ele diz. - Como você está?
- Bem.
Rugge ia me visitar sempre que possível, ele falava que nunca me abandonaria, pois era meu amigo. Eu gostava tanto dele, não sei explicar direito o que eu sentia, mas no fundo do meu peito, eu desejava tê-lo como pai, mesmo achando que isso não aconteceria.
Eu não contava nada para ele sobre as coisas que se passavam no abrigo, sobre os maus tratos que eu sofria, do que eu vi no banheiro, eu não podia contar, eu queria dizer tudo para Rugge sobre o que eu vi, mas tinha medo dos meninos quererem se vingar de mim e fazerem o mesmo comigo.
- Me tira daqui! - Peço começando a chorar. - Eu não quero ficar aqui.
- Ah Kim, se eu pudesse te levaria agora mesmo comigo, mas não é tão fácil assim.
- Mentira! - Digo furiosamente e aos prantos. - Você não quer me levar com você. Você não gosta de mim.
Saio correndo. Escuto Rugge gritar meu nome, mas nem olho para trás. Vou para meu quarto, ou melhor, o quarto das meninas. Deito em minha cama e choro. Era tanta mudança, primeiro a morte dos meus pais, depois fui para um abrigo onde sou constantemente maltratada, não aguentava mais tudo isso, eu só queria um lugar que eu me sentisse protegida e amada. Ah, por que meus paizinhos tiveram que me deixar? Os papais das crianças não deveriam morrer.
- O que houve, Kim? - Pergunta Mila ao entrar no quarto e me ver chorando.
- Eu não quero mais ficar aqui. - Digo.
- E você acha que alguém aqui quer? Ninguém gosta desse lugar, mas não temos pra onde ir.
- E se a gente fugisse?
- E ir pra onde? Dormir na rua? Não, muito obrigada.
Ela tinha razão, não podia fugir e dormir na rua, podia ser perigoso, lembro que quando meus pais eram vivos, eles sempre me falavam dos perigos das ruas e que nela habitam pessoas ruins, que roubam crianças e nos fazem mal, tinha medo de encontrar alguém ruim assim, e apesar de tudo, eu ainda preferia ter um teto, uma cama quentinha e comida.
Eu havia ficado muito chateada com Rugge por ele não me tirar daquele lugar asqueroso, mas depois que a raiva passou eu me arrependi de ter falado daquele jeito com ele, fiquei com medo dele não ir mais me visitar, não queria que isso acontecesse.
Na semana seguinte, eu estava dormindo e me acordo com vontade de ir ao banheiro. Tenho medo de ver aquela cena novamente. Vou vagarosamente. Ao me aproximar escuto um choro, espio sem que me vejam, se tratava dos mesmos garotos abusando novamente da Ágatha. Saio sem que notem minha presença, vou até a sala da diretora, que ainda estava no local arrumando umas coisas. Eu tinha medo do que eles poderiam fazer se soubessem que eu contei, mas eu não podia deixá-los fazerem essas coisas.
- O que houve, querida? - Pergunta. - Precisa de algo?
- Sim. Preciso contar uma coisa.
- Claro. Pode dizer…
- Hã… Eu vi o Fábio, o Júnior, o Marcelo, o Augusto e o Alfredo machucando a Ágatha e o Maurício.
- Machucando como?
- Eles estavam fazendo coisas feias com os menores.
Relato o que eu havia visto, ela acha que é mentira, a princípio não acredita em mim, mas digo que eles estão no banheiro com a Ágatha e ela resolve ir ver. Resultado? Os cinco foram pegos no flagra. No dia seguinte, ao acordarmos, eles já não estavam. A diretora só disse que eles foram transferidos para um outro lugar, mas não deu detalhes. Fiquei aliviada em saber disso, pois eu sabia que agora eles não machucariam mais ninguém.
Ruggero foi me visitar no dia seguinte, fiquei muito feliz em vê-lo, e por saber que ele não havia me abandonado.
- Você pode dizer o que for, pedir pra eu nunca mais vir aqui, e mesmo assim eu continuarei vindo te ver e sabe por quê? Porque você é minha amiga e amigos são assim, as vezes brigam, as vezes falam coisas que não querem, mas depois se entendem e fica tudo bem de novo. - Diz Ruggero.
- Desculpa tio, eu não quis falar nada daquilo, eu te adoro muito e não vou mais brigar com você, me desculpa?
- Hey, claro que sim, minha princesinha.
Sorri e o abracei.
Ah, se eu soubesse tudo o que ele estava fazendo sem me contar certamente eu não diria nada do que eu disse. E eu nem imaginava que minha vida estava para ganhar um rumo novo.
Dia após dia, semana após semana, mês após mês, tudo seguia igual, Fabiane me dando castigos sempre por motivos bobos, as Ana´s implicando comigo diariamente, elas também pegavam no pé dos meus amigos, mas eu era o alvo principal, elas tinham uma enorme implicância comigo mesmo sem eu saber o verdadeiro motivo.
Era meu aniversário. Eu estava fazendo seis anos. O primeiro aniversário que eu passava sem os meus pais. Sempre nessa data, era dia de festa, meus pais organizavam uma big festança com todos meus amigos, e faziam em um salão que tinha vários jogos, cama elástica, piscina de bolinhas, era muito legal. Planejávamos que esse ano o tema seria Super Heróis, eu me vestiria de Mulher Maravilha, pena que nada disso chegou a acontecer. Antes o meu aniversário era o meu dia preferido do ano, agora era apenas mais um dia triste como todos os outros.
- Um passarinho vermelho me contou que hoje é o seu aniversário. - Disse Ruggero.
- É sim. - Falo.
- Por isso, eu trouxe dois presentes pra você.
- O que é? - Pergunto com um enorme sorriso.
- O primeiro é esse aqui. - Diz ao me entregar uma caixa.
Abro rapidamente, estava curiosa para saber o que era, e se tratava de uma linda boneca doutora.
- Gostou?
- Amei! - Obrigada. - Falo ao lhe abraçar.
- E o segundo presente é esse. - Diz ao me mostrar uma folha com um monte de coisas escritas.
- Um papel? - Pergunto.
- Não é um simples papel. É o comprovante de que agora em diante você terá um lar e muito amor.
- Como assim? - Pergunto sem entender nada.
- Kim, você quer ser a minha filhinha?
Meu Deus! Não conseguia acreditar naquilo que meus ouvidos haviam escutado. Rugge queria me adotar? É sério isso? Não, não pode ser…
- Então, não vai dizer nada? - Me pergunta.- Claro. Claro que eu quero ser sua filha. - Digo com um largo sorriso e me pondo a abraçá-lo.Rugge me abraça fortemente e me dá um beijo no rosto. Eu estava tão feliz, finalmente eu sairia do abrigo e teria um lar e uma família novamente, e Rugge era tão bonzinho, ele tinha mesmo carinha de papai.- Vamos sentir sua falta. - Diz Luka.- Eu também vou sentir muita saudade de vocês. - Falo.- Que sorte a sua de ser adotada. - Diz Hannah.- E um dia vocês também serão. - Digo.Abraço meus amigos, me despeço deles, pego minhas coisas e vou até a sala, onde Rugge me aguardava. Ele sorri ao me ver e eu sorrio também.- Obrigada por tudo. - Digo à diretora.- Vê se não esquece da gente e venha nos visitar sempre que quiser. - Ela
Os dias foram se passando. E cada dia que passava eu ficava mais e mais apegada em Ruggero e ele em mim. Era uma enorme mudança para ambos, mas aos poucos, um ia se adaptando as manias e costumes do outro. Sem que eu percebesse, ele conquistou minha confiança e meu amor.Minha rotina havia mudado bastante. Ele trabalhava quase o dia todo, pela manhã eu ficava com a babá (sim, ele havia contratado uma babá para ficar comigo quando ele não estivesse em casa). A Klara era um amor, era uma moça jovem e muito paciente, a gente se dava muito bem, viramos grandes amigas. À tarde, a Klara me levava para a escola e depois papai me buscava. Sim, eu havia começado a chamá-lo de pai, comecei poucas semanas depois e foi algo muito natural.- Pai, me dá banho? - Perguntei num certo dia à tarde.- Do que você me chamou? - Perguntou ao largar o jornal que ele estava lendo.- De pai.
- Então turma, teremos prova de Ciências daqui há duas semanas. Estudem bastante toda a matéria. - Digo.- Me lasquei! Eu sou péssimo em Ciências. - Fala Thiago, o mais engraçadinho da turma.- É só estudar. - Falo com um meio sorriso.O sinal da escola toca, as crianças pegam seus materiais, se despedem de mim com um abraço e um beijo no rosto e logosaem apressadamente, menos a Roberta, ela era a minha aluna mais quieta, não incomodava, quase não falava e não era de interagir com os colegas, eu só escutava sua voz quando era pra pedir pra ir ao banheiro ou beber água. Noto que ela estava cabisbaixa e resolvo me aproximar vagarosamente de sua mesa.- Está tudo bem, meu amor? - Pergunto.Sem dizer nada, elaconsente com a cabeça. Algo me diz que ela estava mentindo. Espero estar errada.- Você não
Era por volta de 10h, estávamos no recreio quando avisto uma cena que chamou minha atenção, me deixando chocada. Dois alunos meus do sétimo ano, o Juliano e o Fernando estavam tirando sarro de uma colega, a Catarina, pelo fato dela estar usando um aparelho extrabucal. Não consigo vê-los zombando da garota e vou até eles.- Posso saber o que está havendo aqui? - Pergunto.Percebo a cara de susto deles. Os dois se olham sem saber o que responder, mas com certeza já tinham percebido que eu havia visto tudo, e não permitiria que aquele absurdo continuasse.- Só estávamos conversando com a Cata. - Fala Juliano ao colocar o braço em volta do pescoço da garota.- Não, vocês estavam zombando dela. - Falo.- Tá tudo bem, prof. - Diz Catarina timidamente.- Não, não está nada bem. - Digo. - Vocês sabem como se
Mel e eu estávamos brincando de casinha. Adorávamos esses momentos mãe e filha, eu fazia de tudo para aproveitar o máximo de tempo junto dela, pois infelizmente os filhos crescem rápido demais, parece que foi ontem que ela era um bebezinho com poucas horas de vida, que precisava de mim para tudo, e hoje está uma menina linda, educada e muito inteligente, dava um banho em todos nós, Mel havia aprendido a ler e a escrever aos 3 anos, sei que muitas pessoas falam que isso não é legal, que criança tem que ser criança, mas ela nunca pulou nenhuma etapa da sua vida e nunca a obriguei a aprender, eu apenas havia comprado alguns jogos de juntar sílabas, jogo da memória onde tinha que achar a figura e o nome dela, essas coisas, e aos poucos ela foi aprendendo, Mel também faz contas básicas de subtração e adição e ainda fala espanhol, pois quando ela soube que d
Não dormi a noite toda, chorei e chorei sem parar. Lucas e eu dormimos cada um para um lado diferente, não queria olhar pra ele, estava com raiva, com nojo, com ódio, ódio dele e ódio de mim por gostar de um traste desses.Lucas levantou cerca de meia hora antes do seu horário, o que é estranho, já que ele não costuma levantar cedo. Continuo deitada na cama, tentando criar forças para ir trabalhar. Escuto passos entrando no quarto, penso ser Lucas novamente, alguém deita do meu lado, com medo de ser ele eu não me viro, e de repente eu vejo aquela pequena mãozinha em meu ombro. Me viro para o lado de Mel, ela não diz nada, ficamos nos olhando. Mel acaricia o meu rosto, fecho os olhos, enquanto sinto seu doce toque.- Tá doendo, né mamãe?- Doendo o quê? - Pergunto achando que ela não sabe de nada.- Por que vocês adultos
Chego em casa e vou direto pro banho. Me lembro das agressões, de tudo o que ele já me fez e choro sem parar. Pouco depois, escuto as vozes de Lucas e Mel, que haviam chegado em casa. Lavoo rosto para que não notem que eu havia chorado.- Mamãe! - Me chama Mel.- Tô no banho, amor. - Grito.Ela abre bruscamente a porta do banheiro.- Hoje eu cai no pátio da escola, olha aqui. - Fala ao me mostrar seu joelho ralado.- Ah, não foi nada.- Claro, não foi você que teve o joelho sangrando sem parar. Ainda, tá doendo, sabia?- Depois a gente coloca um remedinho, tá meu amor?- Tá bom. - Fala com um largo sorriso. - Ah, e não demora nesse banho.Ela sai do banheiro, e eu termino de me banhar. Ao passar pela sala, vejo Lucas vendo TV, ele nem olha pra mim, eu passo reto para o nosso quarto.Estava penteando meu cabelo quan
Papai, Mel e eu estávamos arrumando a mesa para o almoço quando Sabrina, Guillermo e Joaquim entraram em casa.- Sáh! - Falou Mel ao pular no colo da Sabrina.Sáh era a esposa do meu pai, eles estavam juntos há 15 anos, eu tinha 7 anos na época que eles se conheceram, mas lembro como se fosse ontem. Papai me contou todo empolgado, que havia conhecido a irmã de um amigo e que ela era encantadora, como até então sempre havia sido só nós dois, sempre fomos melhores amigos, bom, e ainda somos, sempre contamos tudo um para o outro. Pouco tempo depois disso, os dois já estavam namorando, e cerca de um ano depois, já estavam morando juntos. Meu pai dizia que ele não precisava de mulher para ser feliz, mas eu percebi que desde que ele começou a namorar a Sáh, ele mudou bastante, estava mais feliz, mais sorridente, não que antes ele não fosse, mas essa a