Não dormi a noite toda, chorei e chorei sem parar. Lucas e eu dormimos cada um para um lado diferente, não queria olhar pra ele, estava com raiva, com nojo, com ódio, ódio dele e ódio de mim por gostar de um traste desses.
Lucas levantou cerca de meia hora antes do seu horário, o que é estranho, já que ele não costuma levantar cedo. Continuo deitada na cama, tentando criar forças para ir trabalhar. Escuto passos entrando no quarto, penso ser Lucas novamente, alguém deita do meu lado, com medo de ser ele eu não me viro, e de repente eu vejo aquela pequena mãozinha em meu ombro. Me viro para o lado de Mel, ela não diz nada, ficamos nos olhando. Mel acaricia o meu rosto, fecho os olhos, enquanto sinto seu doce toque.
- Tá doendo, né mamãe?
- Doendo o quê? - Pergunto achando que ela não sabe de nada.
- Por que vocês adultos acham que nós crianças não sabemos das coisas?
- E do que você sabe? - Pergunto.
- Por que o papai te bate? Isso não é legal, não podemos bater nas pessoas, machuca. Será que ele não sabe disso?
- Acho que não. - Digo tentando conter o choro.
- Quer que eu converse com ele? - Pergunta em sua santa inocência.
- Não, não quero, isso é coisa de adulto, e não quero que você se meta nisso, capiche?
- Capiche. - Fala Mel cabisbaixa.
Ela me dá um selinho e me abraça. Tento conter o choro. Não queria que ela ficasse a par dessas coisas, não era pra idade dela. O meu despertador toca. Tento me levantar, mas sinto muita dor.
- Eu te ajudo, mamãe. - Fala ao pegar em minha mão.
Mel me ajuda a levantar com toda paciência e cuidado do mundo. As vezes eu me perguntava ''será que eu mereço um serzinho tão especial assim?''
Tomo banho com muito cuidado, a água cai nos hematomas e arde muito, muito, muito. Choro de dor, mas com certeza a dor interna era muito maior. Sento no chão, em uma parte que a água não cai, soluço de tanto chorar. Por que ele tinha que fazer essas coisas? Engraçado que nos dois meses que meu pai esteve em nossa casa, Lucas não foi homem suficiente para levantar a mão para mim na presença do meu pai, aí ele baixou a guarda dele, foram os melhores meses desde que eu me casei, queria quebrar a perna de novo, ou agora poderia ser o braço, pois nenhuma dor poderia ser maior do que a que eu estava sentindo, nem o parto da Mel doeu tanto assim.
Estava com muita dificuldade até para caminhar, doía tudo, uma dor insuportável.
- Sora, o que houve? - Me pergunta Marcela, uma das minhas alunas da manhã.
- Eu fui arrumar uns armários lá em casa e cai da escada, machucou um pouco, mas ficarei bem.
- Quer ajuda? - Me pergunta.
- Não, obrigada, meu amor.
- Tem certeza? - Insistiu.
- Tenho sim, querida. Obrigada.
Ela sai e eu com um pouco de dificuldade vou para a sala, onde eu daria o primeiro período. Estava morrendo de vergonha dos meus alunos me verem desse jeito, mas eu não tinha escolha, tinha que ir trabalhar, eles não poderiam ficar sem aula, não seria justo e eu não faria isso, odiava faltar meu serviço.
As turmas que eu tinha na parte da manhã eram bem agitadas, viviam fazendo brincadeiras fora de hora, mas naquela manhã, eles estavam tão calmos, tão prestativos, sempre me oferecendo ajuda, me senti tão acolhida, tão amada. Ser professora tem seus lados ruins, pouco salário, falta de reconhecimento, alguns pais piores que os alunos, mas também há tantos lados bons, como o carinho que recebo deles diariamente, por mais que nem todos digam com palavras o que sentem por mim, eu sei que eles gostam muito de mim e isso não tem dinheiro que pague.
À tarde, fui para a outra escola e para minha surpresa, Roberta não havia ido novamente na aula, aquilo estava muito estranho. O que será que tinha acontecido?
- Oi Carmem, podemos conversar? - Pergunto ao entrar na diretoria.
- Claro. - Me responde a diretora. - Mas você está bem?
- Ah, machuquei um pouco a perna, mas estou legal.
- E no que posso ajudar?
- É que hoje é o segundo dia consecutivo que a Roberta falta. Sabe de algo?
- Desculpa Kimberly, esqueci de te avisar. O padrasto dela ligou hoje mais cedo pra avisar que a Roberta está doente, mas amanhã ela deverá estar melhor e talvez retorne pra escola.
- Ah, doente é? Tudo bem, bom saber. Obrigada.
Saio da diretoria, mas aquilo não sai da minha cabeça, sei lá, não conseguia acreditar muito, estava meio estranho, mas tomara que fosse verdade.
Geralmente, eu passava muita matéria no quadro e corrigia os exercícios na lousa, mas como eu estava com muita dor até para ficar em pé, resolvi fazer diferente, ditei toda a matéria para eles copiarem e pedi para que um por vez colocasse sua resposta das questões no quadro, e fui dizendo se estava certo ou não. Todos entenderam a situação e colaboraram.
- A senhora vai ficar boa, né? - Me pergunta Martin após o sinal da saída tocar.
- Vou sim, querido. - Respondo.
Ele me dá um beijo no rosto e sai. Ah, como eu amo receber tamanho carinho assim.
Eu não queria voltar pra casa, estava com tanto medo de ver Lucas novamente, não sabia como ele estava, mas eu sabia que se não voltasse seria mil vezes pior, fora que tinha a Mel, não conseguia ficar longe da minha pitoca, eu tinha certeza de que Lucas nunca machucaria ela, ele podia ser agressivo, explosivo, podia bater em mim, mas eu sabia que ele não se atreveria a encostar um dedo nela, até porque se ele fizesse isso, eu o denunciaria na mesma hora, isso se eu não fizesse justiça com as minhas próprias mãos, pois que ele faça o que quiser comigo, mas com a minha filha não, nela ninguém encosta um dedo, e se um dia ele fizer isso, com certeza, ele terá um encontro com o capeta mais cedo do que ele imagina.
Enquanto eu dirigia do serviço pra casa, eu rezava para algum dia ele mudar, queria que ele parasse de me bater para que a gente pudesse ser felizes como um casal de verdade. Será que é querer demais?
Chego em casa e vou direto pro banho. Me lembro das agressões, de tudo o que ele já me fez e choro sem parar. Pouco depois, escuto as vozes de Lucas e Mel, que haviam chegado em casa. Lavoo rosto para que não notem que eu havia chorado.- Mamãe! - Me chama Mel.- Tô no banho, amor. - Grito.Ela abre bruscamente a porta do banheiro.- Hoje eu cai no pátio da escola, olha aqui. - Fala ao me mostrar seu joelho ralado.- Ah, não foi nada.- Claro, não foi você que teve o joelho sangrando sem parar. Ainda, tá doendo, sabia?- Depois a gente coloca um remedinho, tá meu amor?- Tá bom. - Fala com um largo sorriso. - Ah, e não demora nesse banho.Ela sai do banheiro, e eu termino de me banhar. Ao passar pela sala, vejo Lucas vendo TV, ele nem olha pra mim, eu passo reto para o nosso quarto.Estava penteando meu cabelo quan
Papai, Mel e eu estávamos arrumando a mesa para o almoço quando Sabrina, Guillermo e Joaquim entraram em casa.- Sáh! - Falou Mel ao pular no colo da Sabrina.Sáh era a esposa do meu pai, eles estavam juntos há 15 anos, eu tinha 7 anos na época que eles se conheceram, mas lembro como se fosse ontem. Papai me contou todo empolgado, que havia conhecido a irmã de um amigo e que ela era encantadora, como até então sempre havia sido só nós dois, sempre fomos melhores amigos, bom, e ainda somos, sempre contamos tudo um para o outro. Pouco tempo depois disso, os dois já estavam namorando, e cerca de um ano depois, já estavam morando juntos. Meu pai dizia que ele não precisava de mulher para ser feliz, mas eu percebi que desde que ele começou a namorar a Sáh, ele mudou bastante, estava mais feliz, mais sorridente, não que antes ele não fosse, mas essa a
Convidei Mila e Becky para irem em minha casa para tomar um café conosco, Mila não pensou duas vezes e aceitou na hora, papai ficou muito feliz ao vê-la, pois ele sempre soube da nossa amizade. Uns dois meses depois que eu fui adotada, pedi para meu pai me levar ao abrigo para visitar meus amigos, mas Mila já não estava, por um lado fiquei muito feliz quando soube que ela havia sido adotada, mas por outro, havia ficado triste por pensar que nunca mais a veria, ainda bem que esse mundo é pequeno e que conseguimos nos reencontrar.Mel, Guille e Becky não pararam de brincar um momento sequer, a filhinha de Mila havia se dado muito bem com a minha pitoca e o meu irmãozinho, legal como criança faz amizades tão rápido, ah, era tão legal ver os três brincando juntos.- E o que você faz da vida? - Me pergunta Mila.- Dou aula de espanhol para os anos finais e também sou
Assim que chegamos em casa, Lucas foi correndo até a gente e me deu um beijão de cinema. A gente termina de se beijar e eu olho surpresa para ele, não esperava essa recepção, pelo contrário, pensei que ele fosse me receber com gritos e xingamentos como era de costume.- Já deu? - Pergunta Mel com as mãos cobrindo os olhos.- Já, meu amor. - Digo.Ela tira as mãos dos olhos. Lucas e eu ficamos nos olhando, eu estava sem reação. Ele sorri e eu faço o mesmo.- Hey, eu também estou aqui. - Diz Mel para Lucas.- Oi, desculpa meu amor. - Fala Lucas ao pegar Mel no colo.Sabe, eu estava reparando que ultimamente Lucas estava bem mais carinhoso e mais presente com a nossa filha, ele não era assim antes, estava demonstrando mais que a ama, e isso me deixa tão feliz, se bem que a Melzinha é um encanto de criança, não tem
Coloquei Mel na cadeirinha do meu carro, e assim que ela entrou, já foi logo me perguntando:- Quem é, mamãe?- Essa é a Roberta, minha aluna, ela ficará uns dias em nossa casa. - Respondo.- Por quê?- Porque a mãe dela está viajando.- E o pai dela? - Pergunta Melanie.- Meu pai morreu quando eu tinha mais ou menos a sua idade. - Fala Roberta tristemente.- Ah… - Diz Mel cabisbaixa. - Pausa. - Você gosta de brincar de boneca?- Gosto. - Responde Roberta.- Legal, eu tenho várias bonecas, você pode brincar com todas, se quiser. - Fala minha filha.- Tá bem.Observei as duas pelo retrovisor do carro, e dei um leve sorriso. Achei que Mel pudesse ter um pouco de ciúmes, já que além do Guille, eu não costumava conviver com outras crianças na presença da minha filha, mas para minha s
Mel e Roberta estavam se dando muito bem, estavam super amigas, eram quase irmãs, ficava tão feliz em vê-las juntas.Uns quatro dias depois, a mãe da Roberta voltou de viagem, nós não tivemos como conversar com ela antes disso porque ela estava em outro país e também não quisemos atrapalhar a viagem. Quando ela chegou, foi direto à escola, pois chegou na sua casa e não encontrou ninguém.A diretora conversou com a dona Carla, mãe da Roberta e explicou a situação. Eu estava presente na diretoria nesse momento, pois como eu estava cuidando da menina, dona Carmem achou bom eu estar junto. Assim que a Carla soube do ocorrido, ela começou a chorar desacreditada da situação, infelizmente eu acho que ela estava chorando pelo marido e não pela filha, o que me deixou completamente revoltada.Roberta foi embora com a mãe, mas ela
Já estava dirigindo a quase 3h. Havia deixado o celular desligado para Lucas não me ligar, com certeza a essas horas ele já devia ter percebido que nós fugimos e devia estar feito louco atrás da gente, estava com muito medo dele nos encontrar, mas tentava não cogitar essa hipótese.Olhei pelo retrovisor do carro e vi Mel dormindo. Senti tanta vontade de chorar, mas tentei conter as lágrimas. Eu não sabia o que fazer e nem pra onde ir, estava completamente perdida, sem rumo. Queria ir pra casa do meu pai, mas seria óbvio demais, certamente seria o primeiro lugar que Lucas iria me procurar.Depois de viajar de Búzios a Nova Friburgo, eu resolvi parar, já estava cansada e com um pouco de sono. Parei em um hotel, deixei meu carro no estacionamento, peguei a Mel no colo e pedi um quarto pra gente, ainda bem que estávamos em baixa temporada, pois senão eu não conseguiria
Mel dormiu com a Becky no quarto dela, as duas já eram melhores amigas, o que não me surpreendeu em nada, pois Melanie fazia amizade com todo mundo, era muito comunicativa, podia falar com uma criança menor ou até mesmo com uma pessoa da terceira idade, o que me deixava meio aborrecida, pois nunca gosti que ela falasse com qualquer pessoa e sempre a orientei a não conversar com estranhos na minha ausência e a não aceitar nada de estranhos.Mila tinha duas camas em seu quarto, pois as vezes alguma amiga dormia em sua casa, e ela achou melhor ter uma cama a mais, sendo assim, dormimos no mesmo quarto.Eu estava deitada, mas o sono não vinha, só pensava em tudo o que havia acontecido, tinha tanto medo de Lucas encontrar a gente. Droga! Tinha esquecido que eu havia trocado de número e não havia avisado o meu pai, ele devia ter tentado me ligar e talvez estivesse preocupado comigo, precisava avis&aa