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A Agressão Parte 2

Não dormi a noite toda, chorei e chorei sem parar. Lucas e eu dormimos cada um para um lado diferente, não queria olhar pra ele, estava com raiva, com nojo, com ódio, ódio dele e ódio de mim por gostar de um traste desses.

Lucas levantou cerca de meia hora antes do seu horário, o que é estranho, já que ele não costuma levantar cedo. Continuo deitada na cama, tentando criar forças para ir trabalhar. Escuto passos entrando no quarto, penso ser Lucas novamente, alguém deita do meu lado, com medo de ser ele eu não me viro, e de repente eu vejo aquela pequena mãozinha em meu ombro. Me viro para o lado de Mel, ela não diz nada, ficamos nos olhando. Mel acaricia o meu rosto, fecho os olhos, enquanto sinto seu doce toque.

- Tá doendo, né mamãe?

- Doendo o quê? - Pergunto achando que ela não sabe de nada.

- Por que vocês adultos acham que nós crianças não sabemos das coisas? 

- E do que você sabe? - Pergunto.

- Por que o papai te bate? Isso não é legal, não podemos bater nas pessoas, machuca. Será que ele não sabe disso?

- Acho que não. - Digo tentando conter o choro.

- Quer que eu converse com ele? - Pergunta em sua santa inocência.

- Não, não quero, isso é coisa de adulto, e não quero que você se meta nisso, capiche?

 - Capiche. - Fala Mel cabisbaixa.

Ela me dá um selinho e me abraça. Tento conter o choro. Não queria que ela ficasse a par dessas coisas, não era pra idade dela. O meu despertador toca. Tento me levantar, mas sinto muita dor.

- Eu te ajudo, mamãe. - Fala ao pegar em minha mão.

Mel me ajuda a levantar com toda paciência e cuidado do mundo. As vezes eu me perguntava ''será que eu mereço um serzinho tão especial assim?''

Tomo banho com muito cuidado, a água cai nos hematomas e arde muito, muito, muito. Choro de dor, mas com certeza a dor interna era muito maior. Sento no chão, em uma parte que a água não cai, soluço de tanto chorar. Por que ele tinha que fazer essas coisas? Engraçado que nos dois meses que meu pai esteve em nossa casa, Lucas não foi homem suficiente para levantar a mão para mim na presença do meu pai, aí ele baixou a guarda dele, foram os melhores meses desde que eu me casei, queria quebrar a perna de novo, ou agora poderia ser o braço, pois nenhuma dor poderia ser maior do que a que eu estava sentindo, nem o parto da Mel doeu tanto assim.

Estava com muita dificuldade até para caminhar, doía tudo, uma dor insuportável.

- Sora, o que houve? - Me pergunta Marcela, uma das minhas alunas da manhã.

- Eu fui arrumar uns armários lá em casa e cai da escada, machucou um pouco, mas ficarei bem.

- Quer ajuda? - Me pergunta.

- Não, obrigada, meu amor. 

- Tem certeza? - Insistiu.

- Tenho sim, querida. Obrigada.

Ela sai e eu com um pouco de dificuldade vou para a sala, onde eu daria o primeiro período. Estava morrendo de vergonha dos meus alunos me verem desse jeito, mas eu não tinha escolha, tinha que ir trabalhar, eles não poderiam ficar sem aula, não seria justo e eu não faria isso, odiava faltar meu serviço.

As turmas que eu tinha na parte da manhã eram bem agitadas, viviam fazendo brincadeiras fora de hora, mas naquela manhã, eles estavam tão calmos, tão prestativos, sempre me oferecendo ajuda, me senti tão acolhida, tão amada. Ser professora tem seus lados ruins, pouco salário, falta de reconhecimento, alguns pais piores que os alunos, mas também há tantos lados bons, como o carinho que recebo deles diariamente, por mais que nem todos digam com palavras o que sentem por mim, eu sei que eles gostam muito de mim e isso não tem dinheiro que pague.

À tarde, fui para a outra escola e para minha surpresa, Roberta não havia ido novamente na aula, aquilo estava muito estranho. O que será que tinha acontecido?

- Oi Carmem, podemos conversar? - Pergunto ao entrar na diretoria.

- Claro. - Me responde a diretora. - Mas você está bem?

- Ah, machuquei um pouco a perna, mas estou legal.

- E no que posso ajudar?

- É que hoje é o segundo dia consecutivo que a Roberta falta. Sabe de algo?

- Desculpa Kimberly, esqueci de te avisar. O padrasto dela ligou hoje mais cedo pra avisar que a Roberta está doente, mas amanhã ela deverá estar melhor e talvez retorne pra escola.

- Ah, doente é? Tudo bem, bom saber. Obrigada.

Saio da diretoria, mas aquilo não sai da minha cabeça, sei lá, não conseguia acreditar muito, estava meio estranho, mas tomara que fosse verdade.

Geralmente, eu passava muita matéria no quadro e corrigia os exercícios na lousa, mas como eu estava com muita dor até para ficar em pé, resolvi fazer diferente, ditei toda a matéria para eles copiarem e pedi para que um por vez colocasse sua resposta das questões no quadro, e fui dizendo se estava certo ou não. Todos entenderam a situação e colaboraram.

- A senhora vai ficar boa, né? - Me pergunta Martin após o sinal da saída tocar.

- Vou sim, querido. - Respondo. 

Ele me dá um beijo no rosto e sai. Ah, como eu amo receber tamanho carinho assim.

Eu não queria voltar pra casa, estava com tanto medo de ver Lucas novamente, não sabia como ele estava, mas eu sabia que se não voltasse seria mil vezes pior, fora que tinha a Mel, não conseguia ficar longe da minha pitoca, eu tinha certeza de que Lucas nunca machucaria ela, ele podia ser agressivo, explosivo, podia bater em mim, mas eu sabia que ele não se atreveria a encostar um dedo nela, até porque se ele fizesse isso, eu o denunciaria na mesma hora, isso se eu não fizesse justiça com as minhas próprias mãos, pois que ele faça o que quiser comigo, mas com a minha filha não, nela ninguém encosta um dedo, e se um dia ele fizer isso, com certeza, ele terá um encontro com o capeta mais cedo do que ele imagina.

Enquanto eu dirigia do serviço pra casa, eu rezava para algum dia ele mudar, queria que ele parasse de me bater para que a gente pudesse ser felizes como um casal de verdade. Será que é querer demais?

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