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Duas Realidades Diferentes

Era por volta de 10h, estávamos no recreio quando avisto uma cena que chamou minha atenção, me deixando chocada. Dois alunos meus do sétimo ano, o Juliano e o Fernando estavam tirando sarro de uma colega, a Catarina, pelo fato dela estar usando um aparelho extrabucal. Não consigo vê-los zombando da garota e vou até eles.

- Posso saber o que está havendo aqui? - Pergunto.

Percebo a cara de susto deles. Os dois se olham sem saber o que responder, mas com certeza já tinham percebido que eu havia visto tudo, e não permitiria que aquele absurdo continuasse.

- Só estávamos conversando com a Cata. - Fala Juliano ao colocar o braço em volta do pescoço da garota.

- Não, vocês estavam zombando dela. - Falo.

- Tá tudo bem, prof. - Diz Catarina timidamente.

- Não, não está nada bem. - Digo. - Vocês sabem como se chama isso que vocês estavam fazendo? É bullying e isso é algo terrível, vocês tem noção de quantas crianças e jovens se matam todos os dias por conta disso? Com certeza vocês não gostariam que fizessem isso com vocês, não é? Então, por que fazer isso com os outros?

- Foi mal. - Fala Fernando. - Desculpa Cata.

- É, desculpa, pisamos na bola. - Completa Juliano. - Vai nos dedurar pra diretora, prof?

- Não, dessa vez, não. Mas que isso não se repita.

Os dois me garantem que não voltará a acontecer, me agradecem e depois vão para outro lado.

- Obrigada. - Diz Catarina com um leve sorriso.

Sorrio, lhe faço um pouco de cafuné e vou para a sala dos professores, para aproveitar o restinho do meu intervalo. Eu abominava qualquer tipo de preconceito, não podia ver aquilo sem fazer nada, havia pensado até em levá-los para a diretoria, mas resolvi dar um voto de confiança aos dois, mas caso isso voltasse a acontecer, eu não pensaria duas vezes.

Eu havia começado a trabalhar nessa escola no começo do ano e estava gostando bastante, era um colégio enorme, do primeiro ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio, como era um colégio de grande porte e nome, 90% dos alunos eram filhinhos de mamãe e de papai, os outros 10% eram bolsistas, acho que por isso os que pagavam a escola se sentiam superiores aos bolsistas, o que acho extremamente errado, para mim todos são iguais. Uma pena que a escola não tivesse educação infantil pra eu colocar a Mel, pois filhos de professores não pagam mensalidade. Era uma realidade completamente diferente da que eu vivia na parte da tarde com meus pimpolhos da rede pública, dois mundos extremamente diferentes. Enquantos uns tinham tudo do bom e do melhor, os outros muitas vezes não tinham o que comer. E as duas escolas eram em bairros próximos, como pode isso? Juro que não consigo entender.

À tarde eu estava dando aula para os meus pitocos. Por mais que eu gostasse muito da minha turma da manhã, eu tinha um amor muito maior pelos pequenos da tarde, acho que pelo fato deles serem muito carentes. Eram tão carinhosos, viviam dizendo o quanto me amam, o quanto querem ser como eu quando crescerem e isso é muito gratificante, e os pais deles sempre me respeitaram muito, a maioria eram traficantes, chefe do tráfico e até matadores de aluguel, mas por incrivel que pareça, eu não tinha medo deles e nem do bairro que era um dos mais perigosos da cidade, pois lá professores eram idolatrados como deuses, só faltavam fazerem continência, eu era muito bem tratada por todos, me sentia até uma rainha, e se um dia eu fosse assaltada ou qualquer coisa do gênero, acho que eles seriam capaz de matar a pessoa, não toleram isso com professores, acho que podia ser assim em todos os lugares, pois somos uma das profissões menos valorizadas.

O último período foi de educação física. Assim que o sinal tocou, as crianças me abraçaram e saíram correndo para pegarem suas mochilas para irem embora. 

Roberta vai vagarosamente até sua mochila, ela a pega e depois vem em minha direção.

- Prof, eu não quero ir pra casa. - Ela diz.

- Por que, querida? O que aconteceu? - A questiono.

- Meu padrasto tá bravo porque eu quebrei o celular dele, mas foi um acidente. Ele pediu pra eu pegá-lo, mas na correria de vir pra escola, sem querer deixei cair no chão. Ele disse que conversaríamos depois da aula. Tô com medo, ele vai brigar comigo.

- Hey, meu amor, calma. - Falo. - Com certeza, agora ele já deve estar mais calmo, talvez a sua mãe tenha conversado com ele.

- Tomara! - Ela fala cabisbaixa.

- Quer que eu converse com ele? - Pergunto.

- Não, não. Não precisa.

O padrasto da Roberta chega, ela me abraça mais forte do que as outras vezes e vai com ele. Sinto um aperto no peito, uma sensação ruim, algo inexplicável.

Vou para casa, mas não consigo parar de pensar na minha aluna, tomara que seu padrasto não tenha brigado com ela, e ela era um doce, um amor de criança.

Ao chegar em casa, noto um completo silêncio, Lucas não estava, acho que havia saído mais cedo para buscar a Mel na escola. Aproveito para corrigir umas provas da turma da manhã, foi pior do que eu esperava, me senti uma péssima professora, como se tudo o que eu tivesse ensinado para eles tivesse sido em vão. Só metade da turma conseguiu passar na prova.

- Adivinha quem chegou. - Fala uma doce voz ao abrir a porta de casa.

- O amor da minha vida? - Pergunto.

- Bingo. - Fala se pondo a pular em meu colo.

A encho de beijos e logo sou surpreendida com um beijo pra lá de ''caliente'' de Lucas, o que me deixa surpresa. Mel fecha os olhos, ela sabia que não gostávamos que ela visse cenas de beijo, pois não era pra sua idade.

- O que aconteceu? - Pergunto.

- Amor, você nem sabe. - Fala super empolgado. - Eu fui a uma entrevista hoje e estou mega confiante, aposto que serei chamado, o dono da empresa gostou muito de mim, ficou de me ligar amanhã para me dar uma resposta.

- Ai, que bom, amor. - Digo ao lhe abraçar.

- Querem ver o desenho que eu fiz hoje na escola? - Nos questiona Melanie.

- Claro, meu amor. - Digo.

- Claro princesa. - Fala Lucas.

Mel vai correndo até sua mochila, pega o desenho e depois se junta a nós novamente.  Ela nos mostra, havia feito duas pessoas grandes e uma pequena no meio, logo soube do que se tratava o desenho.

- Essa é você, mamãe, esse é o papai e essa sou eu. - Fala com um sorriso de orelha a orelha.

- Ai que lindo esse desenho. - Digo. - Você é uma artista.

- Tá lindo mesmo. - Fala Lucas. - Vamos colocá-lo na geladeira junto com os outros?

- Vamos. - Fala Mel toda empolgada.

Os dois colocam o desenho na geladeira e eu fico observando o momento pai e filha. Por que Lucas não podia ser assim sempre? As vezes me odiava por amá-lo tanto, porque ele era de lua, as vezes fazia o marido bom e carinhoso, e outras vezes ele era a única pessoa que eu não queria ter por perto. Tinha momentos que eu o odiava mais que tudo, que eu desejava nunca o ter conhecido, mas aí depois ele vinha com flores, pedido de desculpa, falava o quanto me ama e aí a raiva passava, acho que eu tinha culpa dessa relação doentia, de amor e ódio, que vivíamos. Espero que a fase dele feliz dure bastante tempo.

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