Anya podia apontar um bom motivo para Nikolas sair do caso e não ficar contra ela na disputa de guarda do filho. No entanto, ressentida pelos traumas e manipulações dele no passado, não confiava nele. Além disso, temia aumentar os esforços para tirar o filho dela. Tensa, com as mãos suadas, sentou-se, respirou fundo e reuniu coragem antes de começar angustiada:
— As acusações de Liam, meu ex-marido, são falsas. Não sou uma má influência para meu filho. Só quero o melhor para ele, e isso significa protegê-lo de Liam. Por favor, não continue no caso — explicou, optando por um caminho seguro até sentir confiança para revelar mais.
Uma tensão palpável pairava no ar enquanto os dois se encaravam intensamente, o silêncio cortante aumentando o nervosismo de Anya. Sentia-se dividida entre o desejo de fugir e a necessidade de lutar por seu filho. A segunda opção venceu.
Lembrava-se dos casos que assistiu Nikolas auxiliar quando eram estudantes. Ele era habilidoso, metódico e feroz, mesmo como estagiário. Se era bom naquela época, agora devia ser imbatível, razão pela qual seu ex-marido o escolheu. Bem diferente do seu próprio advogado, que se mostrou incapaz de revidar as acusações e nem parecia interessado em ouvi-la. Precisava ser forte e persistente para convencer Nikolas a mudar de lado, ou pelo menos desistir de representar Liam.
— Saia do caso, não tire meu filho de mim — implorou novamente.
Sentado à cabeceira da mesa, com apenas uma cadeira entre eles, Nikolas deslizou várias fotos em direção a Anya.
— Essas fotos confirmam, como foi dito por seu ex-marido, que a criança precisa ser protegida de você.
Tendo visto durante a reunião as “provas” de sua incapacidade materna, não lançou um segundo olhar às imagens do filho com o braço na tipoia.
— Quem fez isso foi o Liam, por isso afastei meu filho dele e pedi o divórcio — justificou. — Sei que passamos anos sem nos ver, mas não mudei tanto ao ponto de maltratar e sequestrar meu filho como Liam diz.
Os olhos gélidos de Nikolas se estreitaram.
— O que sei é que você é perita em abandonar as pessoas que diz amar, Anya — comentou cáustico. — Deixe a criança com o pai e os avós, antes que ele se apegue demais e você perceba que tem outras prioridades.
A fala de Nikolas atingiu Anya como um golpe certeiro, lançando-a brutalmente aos dolorosos corredores do passado que tanto se esforçou para esquecer, e nunca conseguiu e nem conseguiria. Trêmula de dor, raiva e medo, ergueu-se da cadeira e, sem olhar novamente para o advogado, seguiu determinada em direção à porta. Era óbvio que nada que dissesse colocaria Nikolas do seu lado, e reavivar o passado só afundaria suas chances de ficar com o filho.
Colocou a mão na maçaneta, mas sua tentativa de abrir a porta foi frustrada. Nikolas a seguiu, seus passos ecoando pelo ambiente silencioso, as mãos espalmando na madeira de cada lado dela, impedindo sua fuga.
— Fugindo de novo, princesa? — sussurrou rente à orelha dela, seu lábio tocando a pele sensível, fazendo-a tremer levemente.
O apelido do tempo de namoro a fez fechar os olhos e inspirar fundo, o que se mostrou um erro. O perfume amadeirado dele encheu suas narinas como um manto. O corpo quente tão próximo ao seu, as inconvenientes lembranças... Uma mistura perigosa despertando um desejo insano de se aconchegar nos braços fortes, mergulhar no cheiro másculo e esquecer os motivos do término há cinco anos.
Seu coração errou uma batida quando uma mão grande e quente deslizou por sua cintura.
— Estive em um lugar interessante recentemente — ele contou, o hálito morno deslizando pela face dela, o nariz roçando o pele sensível do pescoço —, onde as garçonetes vendem mais do que bebidas e lanches de gosto duvidoso — o comentário passou despercebido por Anya, que suspirou ao sentir os dedos se fechando em sua cintura com a mesma possessividade do passado. — Qual é o seu preço, princesa?
O comentário amargo foi um balde de água fria que a fez abrir os olhos e piscar confusa.
— O que disse? — Virou o rosto para encará-lo.
— Estive no seu local de trabalho, um bar do pior tipo, com quartos no segundo piso para uma bebida em particular com as garçonetes — Nikolas relatou, a voz séria refletindo o enojo que sustentava na face. — Confesso que o produto ainda me interessa — ele pronunciou, descendo o olhar pelos seios fartos que a blusa de seda creme estacava, as mãos fortes e atrevidas puxando-a para junto de si.
Imediatamente o empurrou, a raiva se acumulando ao desespero e tristeza de instante antes.
— Acontece que não estou à venda! — gritou irada.
Ele não esboçou nenhum sentimento, estava impassível, fitando-a como se olhasse para o nada.
— Seu trabalho passa a mensagem contrária. Sendo mais uma prova de que não pode ficar com a guarda de nenhuma criança — ele soltou desdenhoso.
O pânico tomou conta dela. Sabia que seu emprego não era dos melhores, mas se ele utilizasse aquele argumento, se insinuasse que ela se vendia, poderia prejudicar suas chances de manter a guarda do filho.
— Você não entende. Meus pais e meu ex-marido me obrigaram a isso. Estou fazendo o possível para manter meu filho seguro e longe da influência negativa deles — desabafou com a voz embargada.
Nikolas cruzou os braços e a encarou com ceticismo, as feições revelando sua desconfiança.
— A culpa é do seu marido, dos pais, de todos, menos sua? — questionou seco. — Sejamos realistas, Anya: seu emprego é duvidoso, sua moradia é em um bairro inferior, e seus pais afirmam que você agrediu seu filho. Suas chances são mínimas.
— E você as tornará nulas — Anya supôs sentindo as lágrimas ameaçando inundar seus olhos. Nunca se sentiu tão desamparada como naquele momento. E de novo era culpa de Nikolas. Ele nunca pararia de fazê-la sofrer e pagar por sua ingenuidade?
Carregando o fracasso de fazer Nikolas ficar do seu lado, Anya retornou para casa, para a pensão humilde onde ocupava um pequeno cômodo. Dentro do ônibus, a poucos minutos de rever o filho, inspirou fundo, ergueu o queixo e determinou-se a ser forte, ter fé na justiça, que conseguiria vencer.Ao chegar à pensão bateu na casa de sua vizinha, uma senhora gentil que cuidava do pequeno Maximilian enquanto Anya trabalhava.— Chegou cedo — a idosa comentou ao abrir a porta, dando passagem para o animado menino.— Mamãe!Anya se abaixou para receber o abraço apertado do filho, os dedos sentindo a maciez dos cachos pretos.— Tive um compromisso e precisei sair antes — explicou erguendo-se com o menino nos braços. — Obrigada por cuidar do Max!— Ah, ele é um menino tão bonzinho, não me custa nada — disse acariciando as costas da criança. — Ele já tomou banho e comeu. — A idosa entregou para Anya a bolsa com os pertences do menino. — Coloquei uma vasilha com sopa de abobora dentro. Vai te fazer
Anya acordou cedo, como de costume, e começou a se preparar para mais um dia de trabalho árduo. Acordou Max beijando sua bochecha macia, os dedos fazendo cócegas em sua barriga, despertando-o entre risadinhas e queixas sonolentas.— Hora de levantar, Max!— Num quero... — ele reclamou puxando a coberta, o corpinho se encolhendo e evitando os olhos dela.— Mamãe tem que trabalhar! A tia Dolores está a sua espera. Não quer encontrá-la? — disse mencionando a bondosa vizinha que cuidava de Max com carinho.Mesmo resmungando, o menino sentou na cama, esfregando os olhos azuis iguais aos dela. Não se moveu, mas também não ofereceu resistência enquanto Anya o arrumava antes de saírem.Após vesti-lo, o levou para a casa da vizinha, em que foram recebidos com calorosos sorrisos e abraços. Dolores exalava o conforto e afeto que Anya nunca sentiu com os pais e o marido.— Por favor, entre, vamos tomar café juntas.O convidativo cheiro reconfortante de café fresco e pão recém assado pairava no ar.
Após dois turnos exaustivos de trabalho, e uma longa viagem de ônibus e metrô, Anya chegou ao condomínio de luxo em que morou até dois meses antes. Seus pés doíam, sua mente está turva de cansaço, mas a esperança de ter a guarda de seu filho, Max, a fazia prosseguir. O severo mordomo a escoltou pela mansão de sua família, mesmo ela sabendo exatamente que caminho tomar até o escritório de seu pai. Ao entrar no local foi recebida pelos olhares severos de seus pais, o sorriso falso de Liam, seu ex-marido, e o olhar velado do advogado Nikolas Oliveira. — Anya, querida, que prazer recebê-la em nossa casa — disse Elisa, sua mãe, como se fosse uma visita qualquer. Seguindo o exemplo, Anya a saudou com a mesma frieza, sabendo que qualquer palavra calorosa seria rejeitada ou serviria de combustível para as constantes críticas que recebeu ao longo dos anos. — Como está, docinho? — Liam soltou com um de seus sorrisos calculados. — Liguei para definirmos o melhor futuro para o Maximilian. An
Durante o trajeto até o endereço de Anya o silêncio pesou dentro do carro. A rua tranquila do subúrbio estava iluminada pelas luzes fracas dos postes, lançando sombras dançantes sobre o asfalto molhado pela chuva recente, e do bar ao lado da pensão. Nikolas estacionou e observou o local com uma ruga se formando entre os olhos. — Pode abrir a porta? — Anya pediu ao notar que estava travada. Voltou-se irritada, só então notando o desgosto nos olhos negros fixos no prédio decadente. — Precisa considerar com seriedade suas opções — ele declarou sem retirar a atenção do imóvel repleto de pichações e rachaduras. — Com o trabalho, a casa e o advogado que arranjou, as chances de ganhar a guarda são nulas — proferiu, movendo o olhar sombrio para o rosto dela. — Entre em um acordo e entregue o menino para o pai e os avós. Com isso, aceitarão que retorne a sua casa, sairá desse lugar deprimente e oferecerá uma melhor condição de vida a criança. Mordendo o lábio inferior, Anya suspirou e anali
As lembranças de seu romance com Anya se entrelaçavam aos tempos de faculdade, em que o termo “bebê fortuna” era comum entre os alunos ao se referir aos nascidos na riqueza e poder. Foi em seu primeiro ano que descobriu do que se tratava, ao defender um colega do ataque durante um intervalo.A situação acabou aproximando Nikolas do rapaz, Ricardo, um bebê fortuna de uma longa linhagem de advogados renomados. A amizade lhe rendeu o cargo de assistente do advogado e professor mais linha dura da faculdade, pai de Ricardo.A primeira amizade com um bebê fortuna não foi intencional, mas as que vieram ao longo do curso foram estrategicamente planejadas. Percebendo a vantagem das conexões e influências dos ricos ao seu redor, se aproximou da maioria ao longo do curso, utilizando sua inteligência e charme para se inserir no círculo das famílias influentes. Logo se tornou uma figura conhecida e respeitada, transitando entre os círculos sociais mais privilegiados.No último ano soube de Anya Ho
Finalizando o segundo turno de seu trabalho como garçonete, Anya removeu o uniforme e vestiu a calças de moletom e camiseta, empurrando as peças provocantes para o fundo de sua bolsa, junto com os saltos agulha. Era mágico colocar os tênis, como pisar em nuvens felpudas todo fim de expediente.Ao sair pela porta dos fundos, a fim de evitar os bêbados e os descarados, deparou-se com uma das dançarinas, fumando escorada na parede.— Você é tão patética, Anya! Com seu corpo e rosto, no lugar de sair na encolha, podia rebolar no colo de um daqueles velhos babões e lucrar muito — ela soltou junto de uma baforada cinza. — As gorjetas seriam muito maiores e sairia dessa vida de merda que está levando — comentou observando Anya com um sorriso sarcástico.Balançou a cabeça, recusando mais uma vez a proposta. Desde que começou a trabalhar, as garotas do lugar, o segurança que arranjou a vaga para ela e o dono do bar insistiam que ampliasse suas funções. Sempre recusava. Era ruim o bastante estar
Segurando firme Max em seu colo, entrou na sala do advogado Nikolas, sendo o foco da atenção dele e das pessoas que representava: os pais e o ex-marido dela. Seu olhar inseguro vasculhou o ambiente a procura do próprio, não o encontrando.— Meu advogado ainda não chegou... — informou com dificuldade, a garganta seca pelo temor de estar ali com Max. Só o levou por medo da ameaça de perdê-lo se não fosse.— Lamento, ele avisou a poucas horas que não participará da reunião. Disse não ser necessário — Nikolas explicou apontando uma cadeira. — Sente-se!Ignorando o pedido, manteve-se em pé, enquanto os demais estavam sentados. Acuada, colocou Max no chão e, segurando-o firme com uma mão, usou a outra para telefonar para seu advogado. Foi perda de tempo, a resposta foi à mesma, com o acréscimo do tom carregado de desprezo pelos temores dela.Estava sozinha frente àquelas pessoas poderosas contra ela. Baixou o olhar, encontrando com os ansiosos de Max. De imediato renovou suas forças, estreit
Apertando o filho em seus braços, Anya se virou para encarar seus algozes, em especial Nikolas Oliveira, que lançou a pesada ameaça. Com os olhos marejados e a dor palpável em suas feições delicadas, pronunciou perto de colapsar:— Não podem fazer isso comigo... — engoliu o choro que pontuava cada palavra. — Sou a mãe dele e o amo mais do que tudo nesse mundo.Nikolas permaneceu firme, encarando-a com expressão dura.— A liminar é clara. A guarda provisória é dos avós de Maximilian Hoffmann Petrov, Klaus e Elisa Hoffmann — indicou, voltando a ameaçar: — Se levar a criança, se recusar a entregá-lo, estará desrespeitando a lei e terei de alertar as autoridades.— Está sendo irracional, docinho — retrucou seu ex-marido com brilho perverso nos olhos. — Tenho o melhor advogado do meu lado — sinalizou. — Se insistir nisso, ele garantirá que nunca mais se aproxime do menino.Mantendo a postura rígida, Nikolas conteve a vontade de mandar Liam Petrov calar a boca. Sua ameaça era verdadeira a re