Faceta da que amou

Anya acordou cedo, como de costume, e começou a se preparar para mais um dia de trabalho árduo. Acordou Max beijando sua bochecha macia, os dedos fazendo cócegas em sua barriga, despertando-o entre risadinhas e queixas sonolentas.

— Hora de levantar, Max!

— Num quero... — ele reclamou puxando a coberta, o corpinho se encolhendo e evitando os olhos dela.

— Mamãe tem que trabalhar! A tia Dolores está a sua espera. Não quer encontrá-la? — disse mencionando a bondosa vizinha que cuidava de Max com carinho.

Mesmo resmungando, o menino sentou na cama, esfregando os olhos azuis iguais aos dela. Não se moveu, mas também não ofereceu resistência enquanto Anya o arrumava antes de saírem.

Após vesti-lo, o levou para a casa da vizinha, em que foram recebidos com calorosos sorrisos e abraços. Dolores exalava o conforto e afeto que Anya nunca sentiu com os pais e o marido.

— Por favor, entre, vamos tomar café juntas.

O convidativo cheiro reconfortante de café fresco e pão recém assado pairava no ar. No entanto, tendo saído cedo no dia anterior, Any não arriscaria perder o único emprego que conseguiu após se desvincular dos pais.

— Obrigada, mas estou quase atrasada. Outro dia fico. — Abaixou-se para dar mais um beijo no filho. — Nos vemos a noite, filho.

Ao se afastar para ir trabalhar, Anya sentiu um aperto no peito ao perceber que havia encontrado mais calor e amor naquela humilde pensão do que na enorme propriedade de sua família. Respirando fundo, preparou-se para mais um intenso dia de trabalho. Precisava juntar dinheiro, arranjar uma moradia adequada e provar para sua família, e Nikolas Oliveira, o advogado que arranjaram, que podia ficar com a guarda do filho. Era irônico rever Nikolas justo naquele momento, quando estava tão fragilizada e perdida quanto esteve ao descobrir cinco anos antes que não passava de um joguete nas mãos dele.

~*~

Mesmo com uma pilha de documentos relacionados ao divórcio de Anya, o olhar de Nikolas estava fixo na cópia de uma fotografia dela com o filho. O sorriso terno no rosto da mãe e a alegria inocente na face do menino não correspondiam com a frieza e maltrato que os pais dela e o marido diziam ocorrer. Também não correspondia com a jovem doce, tímida e gentil com a qual namorou por quase um ano.

Doce, tímida e gentil que o largou da noite para o dia sem explicação, e um mês depois estava casada com outro, recordou amargurado. Havia duas Anya, a que a família apresentava era uma faceta da que amou, concluiu friamente.

Segurando a foto em uma mão, esfregou os dedos da outra na boca, analisando a imagem, em especial o rosto dela. Recordou à tarde anterior, como a tratou. Assumia que se excedeu, movido pela surpresa de como ela ainda o afetava. Senti-la perto, ouvir sua voz, ser envolvido pelo perfume suave trouxe tantas emoções e memórias que o deixou atordoado, fora do seu normal.

Anya Hoffmann, a musa de sua juventude universitária. Nunca esqueceu aqueles olhos azuis céu que pareciam brilhar mais do que as estrelas. O cheiro de flores do cabelo castanho, liso e longo, em que costumava enroscar os dedos enquanto se perdiam em conversas intermináveis e se amavam. O maciez da pele alva contra seu corpo... O gosto da boca carnuda...

Batidas na porta o tirou do transe. O sócio, Ricardo O’Connor, entrar na sala com seu constante e irritante sorriso animado.

— Nikolas, como vai indo com o caso? — Ricardo observou o sócio empurrar apressado o documento que segurava para debaixo de outras folhas perfeitamente alinhadas sobre a escrivaninha.

— Avançando. Pela pressa que os Hoffmann o marido dela demonstraram ao nos contratar, e as pesadas acusações que fizeram contra a senhora Hoffmann Petrov, foram bondosos ao tentar uma reunião de conciliação. Embora tenha sido uma perda de tempo — relatou se recostando no assento da poltrona.

Reparando que Nikolas evitou mencionar o nome da ex-namorada, Ricardo se sentou em frente o sócio.

— Tem certeza de que quer ficar à frente desse processo? Sei o quanto Anya...

— Não se preocupe — Nikolas o interrompeu antes que concluísse seu pensamento. — Ganharei esse processo, como fiz com todos os anteriores.

— Não duvido de seu profissionalismo, nem que vencerá a causa — Ricardo retrucou com seriedade. — Mas durante o processo terá de encontrar Anya diversas vezes. Pode ser problemático — apontou, justificando diante do olhar atravessado do sócio: — Depois dela você não teve outro relacionamento sério, só casos passageiros.

— Não seja ridículo. O que tive com Anya é passado, sem influência em nenhum aspecto da minha vida — revidou veemente. — Este é apenas mais um caso que vencerei sem dificuldade.

Ricardo olhou para Nikolas com ceticismo, mas decidiu não se prolongar em uma discussão inútil. Nikolas sempre foi teimoso e determinado ao coloca algo em sua mente, por isso era um advogado que acumulava sucessos a cada caso que representava.

— Tudo bem! Se precisar de ajuda, ou quiser sair do caso, não hesite em pedir. — Levantou e se encaminhou para a porta. — Te apoiarei, não importa o que aconteça.

Com isso, Ricardo saiu da sala, deixando Nikolas sozinho com seus tumultuados pensamentos novamente. Voltou a buscar a fotografia de Anya. Depois de uma breve olhada, a amassou e jogou na lata de lixo. Precisava focar no caso, vencê-lo e provar que Ricardo estava errado. Superou Anya cinco anos atrás, ao ser abandonado e substituído em poucos dias pelo riquinho que o contratou.

~*~

Exausta, Anya sentia os pés doerem, suas costas latejarem e os ombros pesados, tensos. Para compensar sua saída mais cedo no dia anterior, e diminuir o desconto, decidiu fazer dois turnos seguidos no bar restaurante em que trabalhava. A noite estava movimentada, e mal tinha tido tempo para respirar entre um atendimento e outro, motivo que a fez soltar um resmungo ao sentir o celular vibrar em seu bolso em uma rara pausa. Até conversar custava muito esforço, mas pensando que poderia se tratar de algo sobre o filho, pegou rapidamente o aparelho. Mesmo não reconhecendo o número na tela, atendeu a ligação.

— Alô? Quem é? — sua voz saiu rouca e cansada.

Endireitou a coluna e esqueceu o cansaço ao ouvir a voz masculina do outro lado da linha anunciar que tinha uma proposta para ajuda-la a ficar com a guarda do filho.

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