Carregando o fracasso de fazer Nikolas ficar do seu lado, Anya retornou para casa, para a pensão humilde onde ocupava um pequeno cômodo. Dentro do ônibus, a poucos minutos de rever o filho, inspirou fundo, ergueu o queixo e determinou-se a ser forte, ter fé na justiça, que conseguiria vencer.
Ao chegar à pensão bateu na casa de sua vizinha, uma senhora gentil que cuidava do pequeno Maximilian enquanto Anya trabalhava.
— Chegou cedo — a idosa comentou ao abrir a porta, dando passagem para o animado menino.
— Mamãe!
Anya se abaixou para receber o abraço apertado do filho, os dedos sentindo a maciez dos cachos pretos.
— Tive um compromisso e precisei sair antes — explicou erguendo-se com o menino nos braços. — Obrigada por cuidar do Max!
— Ah, ele é um menino tão bonzinho, não me custa nada — disse acariciando as costas da criança. — Ele já tomou banho e comeu. — A idosa entregou para Anya a bolsa com os pertences do menino. — Coloquei uma vasilha com sopa de abobora dentro. Vai te fazer bem.
Anya agradeceu a gentileza e seguiu para o cômodo que ocupava com o filho. Equilibrando o filho e a sacola em um braço, abriu a porta e entrou no quartinho.
— Mamãe, o braço coça muito — o menino reclamou indicando o braço engessado.
Colocando o filho na cama, Anya forçou um sorriso, segurando a raiva que a atingia sempre que olhava para o braço do filho contido pela tipoia. Culpa de seu ex-marido, mas ele e seus pais creditavam a fratura ao descontrole emocional dela, recordou escondendo a amargura atrás de palavras de conforto.
— Eu sei, querido. Logo o médico vai tirar e você vai poder brincar como antes. Você foi um valente durante todo esse tempo, seja só mais um pouquinho, está bem?
Max assentiu com um sorriso tímido, confiando na mãe.
Abriu a bolsa e retirou da bolsa o brinquedo favorito do filho, um ursinho que valia mais que o quarto que ocupavam, e o entregou para o menino.
O pequeno quarto só tinha os móveis que estavam no local, fornecidos pela locadora: Cama de solteiro, que dividia com o filho; o balcão da pia, com armário e três gavetas abaixo, em que guardava seus poucos pertences; uma mesa e duas cadeiras. Foi na mesa que Anya apoiou a mochila do filho, retirando de dentro o pote de sorvete com a fumegante sopa.
Servindo-se, de novo agradeceu aos céus a gentil senhora ocupando o quarto ao lado. Desde que soube que Anya não tinha fogão e nem geladeira, vivendo dos lanches que trazia do trabalho, a idosa fazia questão de lhe dar pratos saborosos, além de cuidar de Max sem cobrar.
Um dia pagaria por tudo que a idosa fazia por eles. Não sabia quanto tempo levaria, uma vez que seu pai fazia uma campanha para difamá-la e fechar todas as portas, lamentou levando uma colherada da deliciosa sopa a boca, o olhar movendo-se para o filho. Max brincava com a pelúcia, despreocupado e valente, como ela pediu.
Horas depois, Anya observava o filho adormecido, a preocupação com o processo de separação e guarda dele a consumindo, deixando-a inquieta e angustiada. A noite estava silenciosa, quebrada apenas pela suave respiração de Max. Após um dia exaustivo, ele finalmente encontrou o sono, mas Anya permanecia acordada, os pensamentos turvos com o processo de separação e guarda do filho. Acariciando os cachos escuros, sentiu um aperto no peito ao pensar no que aconteceria se perdesse a custódia dele.
Movida pelo reencontro com Nikolas, enquanto observava o rostinho de Max emoldurado pelos fios escuros, uma lembrança do passado veio à tona.
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Estava na biblioteca da faculdade, esticando-se ao máximo que conseguia para pegar um livro para sua aula de administração, os dedos quase tocando-o. Quando, enfim, conseguiu alcançá-lo, alguém o pegou antes que pudesse puxá-lo completamente. Ao se virar, Anya se deparou com um rapaz lindo, alto, de cabelo preto que caía sobre seus olhos negros, emoldurando o rosto bonito com um sorriso que fez o coração dela acelerar.
— Creio que deseja este livro — ele disse estendendo o livro para ela.
Anya ficou sem palavras por um momento, sentindo a face em chamas e as mãos levemente trêmulas ao aceitar o livro.
— Obrigada... Eu estava tendo um pouco de dificuldade para alcançá-lo... — admitiu apertando o exemplar contra o peito, ordenando ao seu coração que se acalmasse.
— Sou Nikolas Oliveira, do quarto ano de direito — ele se apresentou estendendo a mão.
— Sou Anya Hoffmann... — Apertou a mão e ordenou-se a controlar seu nervosismo. — Primeiro semestre de administração.
— Anya — Nikolas pronunciou devagar, como se o nome fosse uma deliciosa sobremesa em seus lábios. — É um prazer conhecê-la, Anya. Já li “O PRÍNCIPE” de Maquiavel. — Apontou para o livro, sorrindo com um brilho quente fixo nela ao oferecer: — Sempre que precisar de ajuda, estou à disposição.
Ela também já tinha lido. Não precisava de nenhuma ajuda, mas aceitou e agarrou a oferta como um sedento agarraria uma garrafa de água após horas no deserto.
Passaram aquele dia e muitos outros juntos. Riram, compartilharam histórias sobre suas vidas, descobriram interesses em comum, se apaixonaram e criaram planos de um futuro juntos.
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Planos que não se concretizaram, Anya recordou com amargura. Deslizando o polegar pela bochecha do filho, lamentou que a oferta de ajuda do passado não tinha mais valor. O sorriso, os fios bagunçados quase cobrindo os olhos escuros e a gentileza, que capturaram sua atenção desde o primeiro momento, também não valiam de nada.
Aquele homem não existia mais, em seu lugar havia um advogado digno das páginas do livro que os uniu, concluiu aconchegando o filho em seus braços. Precisava achar uma forma de vencer o advogado. Trabalharia em dois turnos, arranjaria outro emprego, o que fosse necessário, prometeu a si mesma antes de se entregar ao sono, ironicamente povoado por Nikolas.
Anya acordou cedo, como de costume, e começou a se preparar para mais um dia de trabalho árduo. Acordou Max beijando sua bochecha macia, os dedos fazendo cócegas em sua barriga, despertando-o entre risadinhas e queixas sonolentas.— Hora de levantar, Max!— Num quero... — ele reclamou puxando a coberta, o corpinho se encolhendo e evitando os olhos dela.— Mamãe tem que trabalhar! A tia Dolores está a sua espera. Não quer encontrá-la? — disse mencionando a bondosa vizinha que cuidava de Max com carinho.Mesmo resmungando, o menino sentou na cama, esfregando os olhos azuis iguais aos dela. Não se moveu, mas também não ofereceu resistência enquanto Anya o arrumava antes de saírem.Após vesti-lo, o levou para a casa da vizinha, em que foram recebidos com calorosos sorrisos e abraços. Dolores exalava o conforto e afeto que Anya nunca sentiu com os pais e o marido.— Por favor, entre, vamos tomar café juntas.O convidativo cheiro reconfortante de café fresco e pão recém assado pairava no ar.
Após dois turnos exaustivos de trabalho, e uma longa viagem de ônibus e metrô, Anya chegou ao condomínio de luxo em que morou até dois meses antes. Seus pés doíam, sua mente está turva de cansaço, mas a esperança de ter a guarda de seu filho, Max, a fazia prosseguir. O severo mordomo a escoltou pela mansão de sua família, mesmo ela sabendo exatamente que caminho tomar até o escritório de seu pai. Ao entrar no local foi recebida pelos olhares severos de seus pais, o sorriso falso de Liam, seu ex-marido, e o olhar velado do advogado Nikolas Oliveira. — Anya, querida, que prazer recebê-la em nossa casa — disse Elisa, sua mãe, como se fosse uma visita qualquer. Seguindo o exemplo, Anya a saudou com a mesma frieza, sabendo que qualquer palavra calorosa seria rejeitada ou serviria de combustível para as constantes críticas que recebeu ao longo dos anos. — Como está, docinho? — Liam soltou com um de seus sorrisos calculados. — Liguei para definirmos o melhor futuro para o Maximilian. An
Durante o trajeto até o endereço de Anya o silêncio pesou dentro do carro. A rua tranquila do subúrbio estava iluminada pelas luzes fracas dos postes, lançando sombras dançantes sobre o asfalto molhado pela chuva recente, e do bar ao lado da pensão. Nikolas estacionou e observou o local com uma ruga se formando entre os olhos. — Pode abrir a porta? — Anya pediu ao notar que estava travada. Voltou-se irritada, só então notando o desgosto nos olhos negros fixos no prédio decadente. — Precisa considerar com seriedade suas opções — ele declarou sem retirar a atenção do imóvel repleto de pichações e rachaduras. — Com o trabalho, a casa e o advogado que arranjou, as chances de ganhar a guarda são nulas — proferiu, movendo o olhar sombrio para o rosto dela. — Entre em um acordo e entregue o menino para o pai e os avós. Com isso, aceitarão que retorne a sua casa, sairá desse lugar deprimente e oferecerá uma melhor condição de vida a criança. Mordendo o lábio inferior, Anya suspirou e anali
As lembranças de seu romance com Anya se entrelaçavam aos tempos de faculdade, em que o termo “bebê fortuna” era comum entre os alunos ao se referir aos nascidos na riqueza e poder. Foi em seu primeiro ano que descobriu do que se tratava, ao defender um colega do ataque durante um intervalo.A situação acabou aproximando Nikolas do rapaz, Ricardo, um bebê fortuna de uma longa linhagem de advogados renomados. A amizade lhe rendeu o cargo de assistente do advogado e professor mais linha dura da faculdade, pai de Ricardo.A primeira amizade com um bebê fortuna não foi intencional, mas as que vieram ao longo do curso foram estrategicamente planejadas. Percebendo a vantagem das conexões e influências dos ricos ao seu redor, se aproximou da maioria ao longo do curso, utilizando sua inteligência e charme para se inserir no círculo das famílias influentes. Logo se tornou uma figura conhecida e respeitada, transitando entre os círculos sociais mais privilegiados.No último ano soube de Anya Ho
Finalizando o segundo turno de seu trabalho como garçonete, Anya removeu o uniforme e vestiu a calças de moletom e camiseta, empurrando as peças provocantes para o fundo de sua bolsa, junto com os saltos agulha. Era mágico colocar os tênis, como pisar em nuvens felpudas todo fim de expediente.Ao sair pela porta dos fundos, a fim de evitar os bêbados e os descarados, deparou-se com uma das dançarinas, fumando escorada na parede.— Você é tão patética, Anya! Com seu corpo e rosto, no lugar de sair na encolha, podia rebolar no colo de um daqueles velhos babões e lucrar muito — ela soltou junto de uma baforada cinza. — As gorjetas seriam muito maiores e sairia dessa vida de merda que está levando — comentou observando Anya com um sorriso sarcástico.Balançou a cabeça, recusando mais uma vez a proposta. Desde que começou a trabalhar, as garotas do lugar, o segurança que arranjou a vaga para ela e o dono do bar insistiam que ampliasse suas funções. Sempre recusava. Era ruim o bastante estar
Segurando firme Max em seu colo, entrou na sala do advogado Nikolas, sendo o foco da atenção dele e das pessoas que representava: os pais e o ex-marido dela. Seu olhar inseguro vasculhou o ambiente a procura do próprio, não o encontrando.— Meu advogado ainda não chegou... — informou com dificuldade, a garganta seca pelo temor de estar ali com Max. Só o levou por medo da ameaça de perdê-lo se não fosse.— Lamento, ele avisou a poucas horas que não participará da reunião. Disse não ser necessário — Nikolas explicou apontando uma cadeira. — Sente-se!Ignorando o pedido, manteve-se em pé, enquanto os demais estavam sentados. Acuada, colocou Max no chão e, segurando-o firme com uma mão, usou a outra para telefonar para seu advogado. Foi perda de tempo, a resposta foi à mesma, com o acréscimo do tom carregado de desprezo pelos temores dela.Estava sozinha frente àquelas pessoas poderosas contra ela. Baixou o olhar, encontrando com os ansiosos de Max. De imediato renovou suas forças, estreit
Apertando o filho em seus braços, Anya se virou para encarar seus algozes, em especial Nikolas Oliveira, que lançou a pesada ameaça. Com os olhos marejados e a dor palpável em suas feições delicadas, pronunciou perto de colapsar:— Não podem fazer isso comigo... — engoliu o choro que pontuava cada palavra. — Sou a mãe dele e o amo mais do que tudo nesse mundo.Nikolas permaneceu firme, encarando-a com expressão dura.— A liminar é clara. A guarda provisória é dos avós de Maximilian Hoffmann Petrov, Klaus e Elisa Hoffmann — indicou, voltando a ameaçar: — Se levar a criança, se recusar a entregá-lo, estará desrespeitando a lei e terei de alertar as autoridades.— Está sendo irracional, docinho — retrucou seu ex-marido com brilho perverso nos olhos. — Tenho o melhor advogado do meu lado — sinalizou. — Se insistir nisso, ele garantirá que nunca mais se aproxime do menino.Mantendo a postura rígida, Nikolas conteve a vontade de mandar Liam Petrov calar a boca. Sua ameaça era verdadeira a re
Na minúscula sala de café, Anya permanecia frágil e abalada. Seu corpo tremia incontrolavelmente, e lutava para recuperar a firmeza nas pernas. Precisava reagir, seguir sua busca por um trabalho melhor, conseguir dinheiro para mudar de advogado e de moradia, o que fosse necessário para reaver o filho. No entanto, estava sem forças até para pensar, atolada na imagem do filho estendendo os braços, chamando-a em meio ao choro.A mulher pequena, de cabelo ondulado preto com vários fios grisalhos e olhos escuros, gentilmente fez chá de hortelã, o único disponível no local, serviu para ambas e olhou compassiva para Anya.— Tome o chá. Vai te fazer bem o calor da bebida — incentivou se sentando em frente a ela. — Me chamo Clara. Qual o seu nome?— Anya...— Posso ver que está sofrendo, Anya. Se quiser, sou toda ouvidos. Colocar as dores