Durante o trajeto até o endereço de Anya o silêncio pesou dentro do carro. A rua tranquila do subúrbio estava iluminada pelas luzes fracas dos postes, lançando sombras dançantes sobre o asfalto molhado pela chuva recente, e do bar ao lado da pensão. Nikolas estacionou e observou o local com uma ruga se formando entre os olhos.
— Pode abrir a porta? — Anya pediu ao notar que estava travada. Voltou-se irritada, só então notando o desgosto nos olhos negros fixos no prédio decadente.— Precisa considerar com seriedade suas opções — ele declarou sem retirar a atenção do imóvel repleto de pichações e rachaduras. — Com o trabalho, a casa e o advogado que arranjou, as chances de ganhar a guarda são nulas — proferiu, movendo o olhar sombrio para o rosto dela. — Entre em um acordo e entregue o menino para o pai e os avós. Com isso, aceitarão que retorne a sua casa, sairá desse lugar deprimente e oferecerá uma melhor condição de vida a criança.Mordendo o lábio inferior, Anya suspirou e analisou o prédio. A construção antiga parecia prestes a ruir, mas naquelas paredes havia mais calor que na mansão elegante em que cresceu. Mas compreendia o comentário carregado de reprovação do advogado.— Poderia dar uma vida melhor ao meu filho se minha família não tivesse fechado todas as portas da alta sociedade para mim quando entrei com o pedido de divórcio — desabafou frustrada, um nó doloroso amarrando sua garganta. — Acredite, quando obtive meu diploma não sonhava servir bêbados e limpar banheiros.Batucando os dedos no volante, Nikolas observou cada detalhe de Anya com velada fascinação, sendo lançado ao passado em seu trajeto. Sua mão formigou ao recordar que o cabelo, agora molhado, tinha a maciez de seda quando os percorria devagar. De como era percorrer as curvas sinuosas. Do aconchego dos braços e das coxas roliças ao seu redor. Da risada contra sua pele, a respiração suave e gemidos doces que saiam dos lábios carnudos...Destrancou as portas e tirou o cinto.— Descanse! — recomendou se inclinado sobre ela. Apreciou por um segundo a respiração agitada dela tocando seu rosto, antes de abrir a porta e voltar ao seu lugar. — E pense no melhor para você e a criança.Anya saiu do carro apressada, batendo a porta com a mesma brutalidade que acelerava seus batimentos. Deu um passo, necessitando fugir, mas, sem se importar com a chuva persistente, retornou e bateu na janela. Quando o vidro foi baixado, inclinou-se encontrando o olhar escuro de Nikolas.— Sei que não será fácil, mas não desistirei do meu filho — sentenciou com firmeza antes de virar as costas e se afastar.~*~Dirigindo de volta para casa, Nikolas tentava afastar os pensamentos sobre Anya da cabeça, mas era mais difícil do que imaginava. A imagem dela molhada pela chuva, inclinada na janela do carro, os olhos de céu ferozes ao garantir que lutaria pela guarda do filho não saía de sua mente. Era uma luta fadada ao fracasso, ela sabia disso e mesmo assim permanecia firme.Esgotado, necessitando esquecer as últimas horas, chegou em casa e se arrastou ansioso por um longo banho. Ao passar pela sala, estranhou ver sua mãe, Clara, colocando porta retratos em cima da lareira.— Mãe, o que faz acordada até essa hora? — questionou aproximando-se, movendo o olhar dela para os objetos que alinhava.— Oh, meu querido, só quero mostrar para a governanta que não há nada de errado em ter várias fotos espalhadas pela casa — explicou sem tirar a atenção do que fazia.Franzindo o cenho, Nikolas se preocupou com o esforço desnecessário de sua mãe.— Mãe, você é a dona desta casa. Não precisa provar nada para ninguém. Se ela não gosta das suas escolhas, é melhor demiti-la — sugeriu.Clara se virou para o filho com um sorriso miúdo.— Não se preocupe com as bobagens da sua velha mãe, querido — disse gentil, abandonando o que fazia para enlaçar o braço ao do filho. — Trabalhou até tarde, precisa de uma boa janta e cama para repor as energias.Nikolas se deixou guiar pela mãe até a cozinha, não se surpreendendo quando ela se ocupou de preparar o prato dele.Tinham se mudado para a nova casa, em um bairro nobre, ha poucos meses. Nikolas e o irmão mais velho, além de adquirirem a casa, contrataram vários funcionários para os pais não se preocuparem com nada. No entanto, após anos lutando pelo sustento deles e dos filhos, ambos eram resistentes a parar de trabalhar.Terminando o jantar, antes de se separar de Clara, Nikolas voltou a aconselhar que demitisse qualquer funcionário que não a atendesse corretamente.— Já pedi que não se preocupe. Vá dormir, filho! — ela comandou despachando-o como o fazia quando ele era uma criança.Subindo as escadas que levavam ao piso dos quartos, lançou a mãe um olhar analítico, observando-a retornar para a sala. Deduziu que voltaria a arrumar os porta-retratos que a governanta condenava.Seguindo para o quarto, sua mente cansada fez o absurdo de compará-la a Anya. Ambas estavam determinadas a lutar por causas sem sentido. Sua mãe tentando agradar uma funcionária. Anya desafiando os Hoffmann, mesmo sem condições de vencer tal objetivo.Uma sensação de inquietação o invadiu ao pensar em Anya e na estranha dinâmica familiar dos Hoffmann. Mesmo que as acusações contra ela fossem graves, achava estranho o comportamento dos pais dela e extremo deserda-la.Mergulhou os dedos no cabelo, bagunçando os fios, tentando remover a imagem de Anya de seus pensamentos. Passado e presente perturbavam sua mente. Reencontrar a ex-namorada de faculdade reavivou centelhas incomodas que pensou ter apagado.As lembranças de seu romance com Anya se entrelaçavam aos tempos de faculdade, em que o termo “bebê fortuna” era comum entre os alunos ao se referir aos nascidos na riqueza e poder. Foi em seu primeiro ano que descobriu do que se tratava, ao defender um colega do ataque durante um intervalo.A situação acabou aproximando Nikolas do rapaz, Ricardo, um bebê fortuna de uma longa linhagem de advogados renomados. A amizade lhe rendeu o cargo de assistente do advogado e professor mais linha dura da faculdade, pai de Ricardo.A primeira amizade com um bebê fortuna não foi intencional, mas as que vieram ao longo do curso foram estrategicamente planejadas. Percebendo a vantagem das conexões e influências dos ricos ao seu redor, se aproximou da maioria ao longo do curso, utilizando sua inteligência e charme para se inserir no círculo das famílias influentes. Logo se tornou uma figura conhecida e respeitada, transitando entre os círculos sociais mais privilegiados.No último ano soube de Anya Ho
Finalizando o segundo turno de seu trabalho como garçonete, Anya removeu o uniforme e vestiu a calças de moletom e camiseta, empurrando as peças provocantes para o fundo de sua bolsa, junto com os saltos agulha. Era mágico colocar os tênis, como pisar em nuvens felpudas todo fim de expediente.Ao sair pela porta dos fundos, a fim de evitar os bêbados e os descarados, deparou-se com uma das dançarinas, fumando escorada na parede.— Você é tão patética, Anya! Com seu corpo e rosto, no lugar de sair na encolha, podia rebolar no colo de um daqueles velhos babões e lucrar muito — ela soltou junto de uma baforada cinza. — As gorjetas seriam muito maiores e sairia dessa vida de merda que está levando — comentou observando Anya com um sorriso sarcástico.Balançou a cabeça, recusando mais uma vez a proposta. Desde que começou a trabalhar, as garotas do lugar, o segurança que arranjou a vaga para ela e o dono do bar insistiam que ampliasse suas funções. Sempre recusava. Era ruim o bastante estar
Segurando firme Max em seu colo, entrou na sala do advogado Nikolas, sendo o foco da atenção dele e das pessoas que representava: os pais e o ex-marido dela. Seu olhar inseguro vasculhou o ambiente a procura do próprio, não o encontrando.— Meu advogado ainda não chegou... — informou com dificuldade, a garganta seca pelo temor de estar ali com Max. Só o levou por medo da ameaça de perdê-lo se não fosse.— Lamento, ele avisou a poucas horas que não participará da reunião. Disse não ser necessário — Nikolas explicou apontando uma cadeira. — Sente-se!Ignorando o pedido, manteve-se em pé, enquanto os demais estavam sentados. Acuada, colocou Max no chão e, segurando-o firme com uma mão, usou a outra para telefonar para seu advogado. Foi perda de tempo, a resposta foi à mesma, com o acréscimo do tom carregado de desprezo pelos temores dela.Estava sozinha frente àquelas pessoas poderosas contra ela. Baixou o olhar, encontrando com os ansiosos de Max. De imediato renovou suas forças, estreit
Apertando o filho em seus braços, Anya se virou para encarar seus algozes, em especial Nikolas Oliveira, que lançou a pesada ameaça. Com os olhos marejados e a dor palpável em suas feições delicadas, pronunciou perto de colapsar:— Não podem fazer isso comigo... — engoliu o choro que pontuava cada palavra. — Sou a mãe dele e o amo mais do que tudo nesse mundo.Nikolas permaneceu firme, encarando-a com expressão dura.— A liminar é clara. A guarda provisória é dos avós de Maximilian Hoffmann Petrov, Klaus e Elisa Hoffmann — indicou, voltando a ameaçar: — Se levar a criança, se recusar a entregá-lo, estará desrespeitando a lei e terei de alertar as autoridades.— Está sendo irracional, docinho — retrucou seu ex-marido com brilho perverso nos olhos. — Tenho o melhor advogado do meu lado — sinalizou. — Se insistir nisso, ele garantirá que nunca mais se aproxime do menino.Mantendo a postura rígida, Nikolas conteve a vontade de mandar Liam Petrov calar a boca. Sua ameaça era verdadeira a re
Na minúscula sala de café, Anya permanecia frágil e abalada. Seu corpo tremia incontrolavelmente, e lutava para recuperar a firmeza nas pernas. Precisava reagir, seguir sua busca por um trabalho melhor, conseguir dinheiro para mudar de advogado e de moradia, o que fosse necessário para reaver o filho. No entanto, estava sem forças até para pensar, atolada na imagem do filho estendendo os braços, chamando-a em meio ao choro.A mulher pequena, de cabelo ondulado preto com vários fios grisalhos e olhos escuros, gentilmente fez chá de hortelã, o único disponível no local, serviu para ambas e olhou compassiva para Anya.— Tome o chá. Vai te fazer bem o calor da bebida — incentivou se sentando em frente a ela. — Me chamo Clara. Qual o seu nome?— Anya...— Posso ver que está sofrendo, Anya. Se quiser, sou toda ouvidos. Colocar as dores
Retornando para o cômodo que alugava com a esperança renovada, Anya reuniu suas coisas, arrumando-as rapidamente na mala. Tinha recebido a oportunidade que tanto necessitava para mudar sua vida e, principalmente, reconquistar a guarda do filho Max.Clara, a senhora bondosa que ofereceu o trabalho com moradia, alertou que teria de passar por um mês de teste, além de falar com os filhos dela a respeito do contrato de trabalho. Mas Anya não tinha medo, mesmo não sabendo nada sobre a função, daria cem por cento de si. Até meses atrás nunca tinha limpado mesas, nem servido pessoas ou desentupido um banheiro, mas aprendeu rapidamente. Cuidar de uma casa devia ser infinitamente mais fácil.Era uma pena que o filho de Clara não pode atendê-las por compromissos com clientes, o que adiou a definição do contrato. No entanto, o valor que a antiga governanta ganhava era cinco vezes maior do que o salário que recebia no bar. E havia a casinha.Arrumando suas poucas coisas, pe
Não foi fácil pedir as contas. Duarte, que a indicou para a vaga, a chamou de ingrata e negaram pagar pelos dias trabalhados. Podia ter lutado por seus direitos? Podia. Mas preferiu partir sem brigar. Era um valor ínfimo de qualquer forma.Chegando ao endereço dado por sua nova contratante, sorriu empolgada, num misto de ansiedade e esperança. Aquele emprego era sua luz no fim do túnel.Foi recepcionada calorosamente por Clara, que se responsabilizou em apresenta-la aos demais empregados: a cozinheira, uma senhora carrancuda; o motorista, um homem na casa dos quarenta, também com expressão carregada; e duas faxineiras, que pareciam odiá-la a primeira vista. Imaginou que sentisse falta da antiga governanta, ou não queria receber ordens de uma novata sem experiência. Ambas as opções eram preocupantes, mas nada que diminuísse o sorriso na face de Anya.Depois de um r&aa
Em questão de horas Anya se sentiu no inferno – ao perder a guarda do filho -, depois no céu – ao receber de Clara a oferta de trabalho e moradia - e agora – ao descobrir que Nikolas é filho de Clara - caia de tobogã novamente para o inferno.Depois do constrangedor encontro na casa no jardim, foi conduzida a biblioteca e escritório da mansão para falar do contrato de trabalho. Sentada ao lado de Clara em um sofá de couro marrom, espremia a barra da camisa de linho que escolheu para enfrentar o advogado naquela manhã. A roupa elegante estava amarrotada, seu cabelo em desalinho e a maquiagem deu lugar à pele limpa, pálida e com olheiras. Nada disso importava mais, os contratantes eram indiferentes a sua aparência, em especial Nikolas.Seu estômago se contorcia de nervosismo. Dependendo, de novo, da decisão de Nikolas, temia estar perder o emprego antes mesmo de começar a trabalhar.— Não se preocupe, você terá a oportunidade que merece — disse Clara pousando a mãos sobre as suas para a