Após dois turnos exaustivos de trabalho, e uma longa viagem de ônibus e metrô, Anya chegou ao condomínio de luxo em que morou até dois meses antes. Seus pés doíam, sua mente está turva de cansaço, mas a esperança de ter a guarda de seu filho, Max, a fazia prosseguir.
O severo mordomo a escoltou pela mansão de sua família, mesmo ela sabendo exatamente que caminho tomar até o escritório de seu pai. Ao entrar no local foi recebida pelos olhares severos de seus pais, o sorriso falso de Liam, seu ex-marido, e o olhar velado do advogado Nikolas Oliveira.— Anya, querida, que prazer recebê-la em nossa casa — disse Elisa, sua mãe, como se fosse uma visita qualquer.Seguindo o exemplo, Anya a saudou com a mesma frieza, sabendo que qualquer palavra calorosa seria rejeitada ou serviria de combustível para as constantes críticas que recebeu ao longo dos anos.— Como está, docinho? — Liam soltou com um de seus sorrisos calculados. — Liguei para definirmos o melhor futuro para o Maximilian.Anya olhou para ele com raiva nos olhos, um nó se formando na garganta. Liam nunca se importou com o futuro ou bem-estar de Max, apenas queria manter o estilo de vida luxuoso, a posição privilegiada fornecida por Klaus Hoffmann.— Estamos todos aqui para discutir o futuro do Maximilian após o divórcio — iniciou Klaus, seu pai, sentado imperioso atrás de sua pesada escrivaninha. — Tenho informações que está em uma situação delicada, de necessidade — pontuou. — O melhor para todos é que ele fique comigo. Inclusive, tomei providências para enviá-lo para um internato no exterior no ano que vem.— Só por cima do meu cadáver afastará o meu filho de mim! Max é meu filho e seu lugar é ao meu lado — anunciou determinada.— Anya, precisa entender que não é capaz de cuidar dele da maneira correta, que o beneficie com educação e os cuidados adequados — retrucou Klaus, a expressão impassível. — Você não tem influência, nem recursos para contestar.— Se o senhor não tivesse me tirado da empresa, bloqueado minha conta e mentindo a meu respeito, eu não viveria uma “situação delicada”. — Voltou-se para sua mãe. — Também acha que meu filho estará melhor longe de mim?Abaixando a cabeça, Elisa permaneceu em silêncio, ocultando os tristes olhos azulados que revelavam sua angústia. Queria apoiar a filha, mas temia as consequências de desafiar o marido. Liam observava o desenrolar da conversa com satisfação por ver Anya abalada, sofrendo por abandoná-lo. Nikolas Oliveira, o advogado representante dos Hoffmann, permanecia em silêncio, observando a discussão.Anya apertou os punhos, segurando a raiva borbulhante.— Max é meu filho, e farei de tudo mantê-lo comigo e longe da perversidade de vocês.Com a raiva subindo pela garganta dolorida e pedindo passagem pelos olhos, Anya se virou e partiu o mais rápido que os saltos permitiam. Irritada, os arrancou após alcançar a rua do condomínio. Era parte de seu humilhante uniforme, que não trocou na pressa esperançosa e tola de entrar em acordo com os familiares.Pegou o celular no bolso da jaqueta e constatou o pior cenário para escapar rápido do condomínio: a pouca bateria tinha acabado.As lágrimas escorreram por seu rosto, não de dor ou tristeza, e sim de pura raiva. Entrando em acordo com a tempestade de emoções atingindo-a, começou uma garoa fina e gélida, intensificando a sensação de desespero que a consumia. Em segundos a garoa piorou, molhando a jaqueta que cobria o ridículo uniforme de seu trabalho, que consistia nos saltos com short e top curtos. Molhada, descalça, sem ter como chamar um carro e longe da portaria, deixou o choro raivoso transbordar e palavras duras saírem sem controle por seus lábios.De repente, o farol de um carro iluminou-a por trás e o som de uma buzina ecoou na rua. Tensa, sem parar de andar, olhou para trás e colocou a mão sobre os olhos, para vencer a luz dos faróis.A surpresa de ver Nikolas atrás do volante a fez parar e aguardar o carro se aproximar.— Entre! — Nikolas mandou após se inclinar no assento para abrir a porta do passageiro.A chuva caía incessantemente sobre Anya, apertando os braços em volta de si para vencer o frio. Estava encharcada até os ossos, o cabelo grudado ao rosto e as roupas coladas ainda mais ao corpo, mas não se moveu.— Anya, entre no carro — a voz potente de Nikolas soou através do ruído da chuva.O encarou com seus olhos azuis reluzindo de desconfiança.— Por que você está aqui, Nikolas? Veio se deleitar com meu sofrimento?— Posso te levar para onde precisar — ele indicou esperando que fosse suficiente para fazê-la entrar.— Por que está fazendo isso? Afinal, você representa o Liam contra mim — Anya recordou com desgosto.Nikolas suspirou antes de responder, mantendo as íris ônix nela.— Não estou aqui como advogado. E é perda de tempo discutir no meio dessa chuva — condenou friamente.Lutando contra a torrente de emoções dominando-a, fugindo da chuva e do frio, ela cedeu, abaixou a guarda e entrou no carro.Durante o trajeto até o endereço de Anya o silêncio pesou dentro do carro. A rua tranquila do subúrbio estava iluminada pelas luzes fracas dos postes, lançando sombras dançantes sobre o asfalto molhado pela chuva recente, e do bar ao lado da pensão. Nikolas estacionou e observou o local com uma ruga se formando entre os olhos. — Pode abrir a porta? — Anya pediu ao notar que estava travada. Voltou-se irritada, só então notando o desgosto nos olhos negros fixos no prédio decadente. — Precisa considerar com seriedade suas opções — ele declarou sem retirar a atenção do imóvel repleto de pichações e rachaduras. — Com o trabalho, a casa e o advogado que arranjou, as chances de ganhar a guarda são nulas — proferiu, movendo o olhar sombrio para o rosto dela. — Entre em um acordo e entregue o menino para o pai e os avós. Com isso, aceitarão que retorne a sua casa, sairá desse lugar deprimente e oferecerá uma melhor condição de vida a criança. Mordendo o lábio inferior, Anya suspirou e anali
As lembranças de seu romance com Anya se entrelaçavam aos tempos de faculdade, em que o termo “bebê fortuna” era comum entre os alunos ao se referir aos nascidos na riqueza e poder. Foi em seu primeiro ano que descobriu do que se tratava, ao defender um colega do ataque durante um intervalo.A situação acabou aproximando Nikolas do rapaz, Ricardo, um bebê fortuna de uma longa linhagem de advogados renomados. A amizade lhe rendeu o cargo de assistente do advogado e professor mais linha dura da faculdade, pai de Ricardo.A primeira amizade com um bebê fortuna não foi intencional, mas as que vieram ao longo do curso foram estrategicamente planejadas. Percebendo a vantagem das conexões e influências dos ricos ao seu redor, se aproximou da maioria ao longo do curso, utilizando sua inteligência e charme para se inserir no círculo das famílias influentes. Logo se tornou uma figura conhecida e respeitada, transitando entre os círculos sociais mais privilegiados.No último ano soube de Anya Ho
Finalizando o segundo turno de seu trabalho como garçonete, Anya removeu o uniforme e vestiu a calças de moletom e camiseta, empurrando as peças provocantes para o fundo de sua bolsa, junto com os saltos agulha. Era mágico colocar os tênis, como pisar em nuvens felpudas todo fim de expediente.Ao sair pela porta dos fundos, a fim de evitar os bêbados e os descarados, deparou-se com uma das dançarinas, fumando escorada na parede.— Você é tão patética, Anya! Com seu corpo e rosto, no lugar de sair na encolha, podia rebolar no colo de um daqueles velhos babões e lucrar muito — ela soltou junto de uma baforada cinza. — As gorjetas seriam muito maiores e sairia dessa vida de merda que está levando — comentou observando Anya com um sorriso sarcástico.Balançou a cabeça, recusando mais uma vez a proposta. Desde que começou a trabalhar, as garotas do lugar, o segurança que arranjou a vaga para ela e o dono do bar insistiam que ampliasse suas funções. Sempre recusava. Era ruim o bastante estar
Segurando firme Max em seu colo, entrou na sala do advogado Nikolas, sendo o foco da atenção dele e das pessoas que representava: os pais e o ex-marido dela. Seu olhar inseguro vasculhou o ambiente a procura do próprio, não o encontrando.— Meu advogado ainda não chegou... — informou com dificuldade, a garganta seca pelo temor de estar ali com Max. Só o levou por medo da ameaça de perdê-lo se não fosse.— Lamento, ele avisou a poucas horas que não participará da reunião. Disse não ser necessário — Nikolas explicou apontando uma cadeira. — Sente-se!Ignorando o pedido, manteve-se em pé, enquanto os demais estavam sentados. Acuada, colocou Max no chão e, segurando-o firme com uma mão, usou a outra para telefonar para seu advogado. Foi perda de tempo, a resposta foi à mesma, com o acréscimo do tom carregado de desprezo pelos temores dela.Estava sozinha frente àquelas pessoas poderosas contra ela. Baixou o olhar, encontrando com os ansiosos de Max. De imediato renovou suas forças, estreit
Apertando o filho em seus braços, Anya se virou para encarar seus algozes, em especial Nikolas Oliveira, que lançou a pesada ameaça. Com os olhos marejados e a dor palpável em suas feições delicadas, pronunciou perto de colapsar:— Não podem fazer isso comigo... — engoliu o choro que pontuava cada palavra. — Sou a mãe dele e o amo mais do que tudo nesse mundo.Nikolas permaneceu firme, encarando-a com expressão dura.— A liminar é clara. A guarda provisória é dos avós de Maximilian Hoffmann Petrov, Klaus e Elisa Hoffmann — indicou, voltando a ameaçar: — Se levar a criança, se recusar a entregá-lo, estará desrespeitando a lei e terei de alertar as autoridades.— Está sendo irracional, docinho — retrucou seu ex-marido com brilho perverso nos olhos. — Tenho o melhor advogado do meu lado — sinalizou. — Se insistir nisso, ele garantirá que nunca mais se aproxime do menino.Mantendo a postura rígida, Nikolas conteve a vontade de mandar Liam Petrov calar a boca. Sua ameaça era verdadeira a re
Na minúscula sala de café, Anya permanecia frágil e abalada. Seu corpo tremia incontrolavelmente, e lutava para recuperar a firmeza nas pernas. Precisava reagir, seguir sua busca por um trabalho melhor, conseguir dinheiro para mudar de advogado e de moradia, o que fosse necessário para reaver o filho. No entanto, estava sem forças até para pensar, atolada na imagem do filho estendendo os braços, chamando-a em meio ao choro.A mulher pequena, de cabelo ondulado preto com vários fios grisalhos e olhos escuros, gentilmente fez chá de hortelã, o único disponível no local, serviu para ambas e olhou compassiva para Anya.— Tome o chá. Vai te fazer bem o calor da bebida — incentivou se sentando em frente a ela. — Me chamo Clara. Qual o seu nome?— Anya...— Posso ver que está sofrendo, Anya. Se quiser, sou toda ouvidos. Colocar as dores
Retornando para o cômodo que alugava com a esperança renovada, Anya reuniu suas coisas, arrumando-as rapidamente na mala. Tinha recebido a oportunidade que tanto necessitava para mudar sua vida e, principalmente, reconquistar a guarda do filho Max.Clara, a senhora bondosa que ofereceu o trabalho com moradia, alertou que teria de passar por um mês de teste, além de falar com os filhos dela a respeito do contrato de trabalho. Mas Anya não tinha medo, mesmo não sabendo nada sobre a função, daria cem por cento de si. Até meses atrás nunca tinha limpado mesas, nem servido pessoas ou desentupido um banheiro, mas aprendeu rapidamente. Cuidar de uma casa devia ser infinitamente mais fácil.Era uma pena que o filho de Clara não pode atendê-las por compromissos com clientes, o que adiou a definição do contrato. No entanto, o valor que a antiga governanta ganhava era cinco vezes maior do que o salário que recebia no bar. E havia a casinha.Arrumando suas poucas coisas, pe
Não foi fácil pedir as contas. Duarte, que a indicou para a vaga, a chamou de ingrata e negaram pagar pelos dias trabalhados. Podia ter lutado por seus direitos? Podia. Mas preferiu partir sem brigar. Era um valor ínfimo de qualquer forma.Chegando ao endereço dado por sua nova contratante, sorriu empolgada, num misto de ansiedade e esperança. Aquele emprego era sua luz no fim do túnel.Foi recepcionada calorosamente por Clara, que se responsabilizou em apresenta-la aos demais empregados: a cozinheira, uma senhora carrancuda; o motorista, um homem na casa dos quarenta, também com expressão carregada; e duas faxineiras, que pareciam odiá-la a primeira vista. Imaginou que sentisse falta da antiga governanta, ou não queria receber ordens de uma novata sem experiência. Ambas as opções eram preocupantes, mas nada que diminuísse o sorriso na face de Anya.Depois de um r&aa