Sem imaginar o terror que acontecia na casa onde passou sua infância, Victoria estava sentada no banco da praça onde costumava ir acompanhada de seus pais quando criança.
Já que seu voo decolou um pouco mais cedo, ela decidiu aproveitar um pouco do clima agradável antes de ir até a casa onde seus pais moravam.
A falta de pressa não era sem explicação, já que chegando de surpresa em Luca, uma pequena cidade na Itália, Victoria sabia que a essa hora seus pais ainda estariam na fábrica de tecidos onde trabalhavam.
Com calma, ela percorreu pelas ruas onde cresceu, sentindo as memórias a visitarem de forma vívida mesmo após tanto tempo. Apenas quando suas pernas se cansaram, ela decidiu ir até a casa de seus pais para descansar das longas horas em que passou apertada no assento do avião.
Tudo parecia normal. Os vizinhos continuavam silenciosos, e as flores do jardim em frente a casa onde cresceu continuavam bonitas e aparentes, exibindo o extremo cuidado que seu pai tinha com as suas preciosas plantas.
Os passos arrastados de Victoria demoraram a alcançar a entrada, e talvez, devido ao seu cansaço, ela tenha demorado demais a notar que havia algo de errado.
A porta entreaberta a surpreendeu, a fazendo acreditar que seus pais, por algum motivo, teriam chegado mais cedo em casa. Porém, sua intuição só a alertou sobre algum perigo, quando ela avistou pequenas machas vermelhas espalhadas pelo carpete que cobria o chão.
Talvez a atitude mais lógica fosse sair dali o mais rápido possível e acionar a polícia. No entanto, quando pensou na possibilidade de seus pais estarem feridos, ela jogou ao chão todas as bolsas que segurava com firmeza, correndo o mais rápido que pôde até o quarto, que para a sua surpresa, estava vazio.
Confusa, ela observou todos os cômodos vazios até perceber o barulho que vinha da cozinha.
E nesse momento, Victoria o viu pela primeira vez.
Escondida atrás da parede que separa a sala e a cozinha, ele não a enxergou de volta. E assim Victoria permaneceu, estática, o observando enquanto pensava em qualquer tipo de atitude que pudesse tomar para manter seus pais seguros.
Ele estava parado, com o corpo apoiado sobre a ilha, exibindo uma expressão nada agradável em seu rosto. Alguns fios soltos de seu cabelo longos caíam sobre suas bochechas, e ele continuava a encarar com ódio o celular em suas mãos.
Quando os olhos de Victoria seguiram mais a frente, ela viu seus pais.
Seu corpo automaticamente desabou sobre o chão marcado com o sangue despejado anteriormente, sem conseguir forças para se manter intacto diante de uma cena tão difícil.
Ela os viu amarrados um ao outro, chorando copiosamente ao mesmo tempo que pediam para terem as suas vidas poupadas.
Infelizmente, estavam buscando misericórdia em uma fonte vazia. Vez ou outra, os olhos negros do chefe que os mantinha ali os encontrava, dispersando rapidamente ao exibir um sorriso ladino no canto de sua boca.
Ele parecia se divertir com a situação, e isso deixou Victoria enojada.
Tentando pensar de maneira lógica, ela decidiu aproveitar a sua invisibilidade diante dos homens que os mantinham como reféns e correu até a porta, fazendo o mesmo caminho que usou para chegar até lá. Desesperada, continuou buscando o celular dentre as peças de roupas emboladas em sua bolsa, e no momento em que viu uma luz no fim do túnel ao observar a tela acesa no fundo da mala, toda a sua esperança se esvaiu.
Um homem magro e esguio surgiu em sua frente, surgindo pela porta de entrada, sorrindo maliciosamente ao vê-la com lágrimas nos olhos.
Ele agarrou seu braço sem qualquer gentileza, a arrastando até a cozinha. O sorriso em seu rosto fazia parecer que ele havia ganhado um prêmio, e de fato, ele tinha motivos para estar contente.
— Chefe! — Ele gritou animado antes de continuar — Achei isso aqui na porta de entrada.
Os pais de Victoria se desesperaram no momento em que enxergaram sua filha indefesa nas mãos de um marginal como aquele, e, ao mesmo tempo, os olhos dele se acenderam.
Ele a fitou atentamente, a observando espernear e se debater contra o chão, dificultando o trabalho do capanga que a manteve sob o seu controle.
Indignado, ele se aproximou, dando passos lentos e intimidadores em direção à ruiva, que permaneceu caída no chão.
— Se levante! — Ele ordenou, fazendo Victoria estremecer ao ouvir o tom grave de sua voz — Está surda? Se levante agora! — Dessa vez, ele sacou sua arma de calibre 380 em direção a jovem que, por fim, acatou a sua ordem.
Ela se levantou com dificuldade, sentindo suas pernas bambas pelo terror que sentia naquele momento. Desajeitada, arrumou seu vestido branco que insistia em subir todas às vezes em que ela se movia. O líder dos outros homens seguiu o movimento de suas mãos puxando o tecido do vestido justo, e o sorriso malicioso que surgiu em seu rosto fez Victoria temer imaginar o que se passava em sua mente naquele momento.
— Por favor, não os machuque — Ela pediu com a voz baixa e receosa, notando um sorriso largo surgir na face dele.
Ele não respondeu, apenas seguiu em sua direção, segurando seu rosto com uma força desproporcional.
— Quem te deu permissão para falar, putinha? — suas palavras fizeram Victoria querer cuspir em seu rosto. No entanto, ela precisava pensar com sabedoria. — Já que você quer salvar seus pais, o que me propõe em troca? — O moreno perguntou maliciosamente.
— Faço o que for preciso. — Ela respondeu com a voz trêmula, assistindo os olhos de seus pais saltarem de preocupação.
— Está disposta a qualquer coisa? — Ele perguntou antes de continuar. — Seu pedido é uma ordem, princesa. Você vem comigo.
O homem arrastou o aço frio da arma que empunhava com firmeza sobre a pele sensível de Victoria. Ela não debateu, apenas aceitou o destino que a escolheu naquele exato momento.
Pensando no bem de seus pais, ela fez o que achou necessário, e estendeu sua mão trêmula em direção ao homem que a devorava com os olhos desde o momento em que a viu pela primeira vez.
O sorriso que ele exibiu em seu rosto não transmitia felicidade. Era óbvio para Victoria que ele não passava de um sádico, que naquele momento, encontrou um novo brinquedo para se divertir.
Antes O cheiro de formol, as paredes exageradamente brancas, e a luz forte iluminando o local, pareciam a fórmula perfeita para causar uma baita dor de cabeça em qualquer um que estivesse presente. Os alunos assistiam atentos enquanto a professora de anatomia retirava o fígado do cadáver em decomposição, deitado na mesa fria de metal, exposto como se fosse uma mercadoria. Ainda que a experiência servisse para fins educativos, era difícil não imaginar que esse corpo era uma pessoa. Que tinha sonhos, objetivos e até uma família.As reflexões profundas de Victoria a fizeram perder completamente a concentração, tornando difícil a tarefa de prestar atenção na aula extremamente importante. A maioria dos alunos tinha um olhar vago, prestando atenção em qualquer ação que acontecia através da janela que dava para o campus. Porém, Victoria não poderia se dar a esse luxo.Como bolsista em uma universidade de renome, é necessário se esforçar pelo menos três vezes mais do que a maioria. E, sincer
Sempre que aceitava sair de casa, Victoria se arrependia momentos após chegar no local. Dessa vez não foi diferente. Olhando rapidamente ao redor, era possível ver mais de dez infrações cometidas em um curto espaço de tempo.Por sorte, Liz era filha de uma das maiores contribuintes em doações da universidade.Ela tinha pele negra, tranças vermelhas que iam até sua cintura, roupa preta de tecido semelhante a couro, a tornando a atração da festa. E não seria por menos, Liz estava estonteante.Victoria tentava conter suas risadas ao ouvir por diversas vezes Marina afirmar que tinha certeza de sua heterossexualidade, até conhecer a anfitriã da festa.Clara, por outro lado, estava distraída beijando algum desconhecido que estava parado ao lado das bebidas. Não podia perder tempo, queria aproveitar a noite da melhor forma possível.Aproveitar é um termo muito particular de cada pessoa. Para Clara, era beijar o máximo de bocas possível. Já para Marina, era aproveitar o tempo de maneira agrad
DepoisO cérebro tem o poder de desenvolver modos de defesa quando estamos em alguma situação de perigo ou medo extremo. No caso de Victoria, envolvia ambos.Primeiro, ficou em negação. Acreditava que tudo não passava de um mal-entendido que logo seria resolvido. Porém, após 3 dias, suas esperanças estavam se esgotando.Sua sensação, se for algo que puder ser descrito, era como estar um pesadelo vivido. Em toda sua vida, nunca imaginou passar por algo do tipo. Ficou a todo momento trancada em um quarto sem luz, comida ou qualquer tipo de coisa básica necessária para qualquer ser humano viver.Além do medo de sofrer algum tipo de violência, que por sorte não ocorreu, estava aterrorizada com a possibilidade de seus pais estarem mortos, já que os homens que a sequestraram não pareciam dispostos a negociar.No primeiro dia, tinha forças para gritar e se debater contra a porta, porém, sua força foi diminuindo ao mesmo tempo que sua energia se esgotava pouco a pouco. Quando finalmente acred
Tentando ser sutil, a loira sondou Victoria da melhor forma que pôde. O que foi frustrante para ela, considerando que a Victoria não sabia de nada relevante. Mesmo assim, a ruiva explicou tudo pacientemente, com esperança de conseguir encontrar seus pais novamente. Porém, ao ouvir sobre a fábrica de tecidos, Catarina exibiu um olhar que parecia revelar que sabia algo a mais.Antes que pudesse perguntar sobre, Victoria ouviu batidas na porta, e seu coração acelerou novamente. Em um momento de desespero, se encostou no canto da cama, receosa de a levarem novamente.Catarina se levantou, e ao abrir a porta, a ruiva viu que era um dos homens que a sequestrou.Victoria gritou, implorando para que não deixasse ele levá-la. Porém, Catarina sabia que suas ordens não eram acatadas. Infelizmente, seu pai dava voz apenas ao seu irmão.— Ele quer falar com ela, senhora. — o homem disse brevemente.— Certo. Vou levá-la, só me deixa arrumar algo para ela vestir — Catarina respondeu, fechando a por
Três dias. Fazia absolutamente três dias que Victoria estava trancada em um mesmo quarto. Durante esse tempo, todos os dias uma mulher entrava, colocava uma bandeja sobre a mesa que ficava próximo à cama e saía sem dizer palavra alguma. Não importa o quanto a ruiva gritasse implorando por qualquer tipo de ajuda, nenhum único som era emitido pela funcionária, que sequer olhava em sua direção. Certamente, já deveria estar acostumada com situações desse tipo. Havia livros espalhados por todo o chão do quarto. Victoria os escolhia aleatoriamente, lia algumas páginas e se cansava em seguida. Por fim, exausta e com tédio, se rendeu a uma das obras, a lendo por completo. Em três dias, já teria lido cerca de três ou quatro livros em um curto espaço de tempo. Porém, tinha plena consciência de que não havia absorvido conteúdo algum das grandes obras literárias. Era difícil se concentrar quando sua mente está em um estado de alerta constante, que te prepara para ser trancafiada em um quarto e
Durante a tarde, Victoria ouviu novamente uma movimentação diferente na casa. Olhando pela brecha da porta, conseguiu ver mesas e objetos de decoração sendo carregados pelos capangas de Dominique. As pontas soltas das conversas que escutava através da porta não eram o suficiente, precisava estar no meio daquelas pessoas. Conviver com eles, e entender todo o esquema que envolve essa família. Como tudo indicava que seria feita uma recepção na casa, Victoria pensou que seria a oportunidade perfeita para descobrir o máximo de informação que pudesse. Arrumaria um jeito de entrar em contato com essas pessoas, de uma maneira ou de outra. Olhando através da janela que dava em direção a uma parte do jardim, conseguiu ver carros chegando com grandes objetos de decoração, flores e bebidas. Ali, ela percebeu que não seria uma simples recepção, seria uma grande festa de família. Ansiosa, tentou bolar em sua cabeça um plano que a levasse até o local, e sem pudor algum, Victoria saiu de seu quarto
— Você é nova aqui, anjo? — O homem misterioso perguntou, passando para a frente de Victoria, olhando com curiosidade. Sua aparência não era nada agradável, assim como um sorriso malicioso que pareceu se formar em seu rosto assim que seus olhos pousaram sobre a jovem.— Quem é você? — ela retrucou sem filtrar suas palavras — Quer dizer, ainda não o conheci. Como se chama?Não poderia desperdiçar suas chances, qualquer pessoa ali poderia dar alguma pista sobre seus pais.— Me chamo Alfredo. É um prazer, bela. — ele se curvou para beijar sua mão, e a barba áspera roçando em sua pele a causou um incômodo desconhecido.— Igualmente. Me chamo Victoria, e sim, sou nova por aqui. — ela respondeu, antes de notar que Damiano se aproximava de ambos.— Alfredo, quanto tempo! Vi que já conheceu a Victoria. — o moreno passou seu braço através da cintura de Victoria, a puxando para perto.Ela ficou confusa, porém, receosa demais para agir. Seu braço a apertava firmemente, quase dolorosa, contornand
Depois da festa, a angústia que se instalou era notável. Dia após dia, Victoria ficou em seu quarto, esperando ser levada para algum lugar onde definitivamente não iria querer estar.Analisou todos os cantos do cômodo, ponderando encontrar algum objeto que servisse como arma.Conforme os dias foram passando, estranhou tudo estar tão calmo, já que eles parecem trabalhar em muitos projetos paralelos — para não dizer criminosos.Olhava pelo jardim todos os dias, vendo as flores colhidas em sua época favorita do ano: a primavera. Umas flores eram recolhidas, outras descartadas por estarem com algum defeito ou traças. Outras ainda nasciam. Victoria achou curioso o fato de que ao mesmo tempo que algumas vidas estavam sendo geradas, outras estavam sendo fincadas ou descartadas. E era como ela se sentia, como se fosse um objeto prestes a ser descartado.Tinha consciência de que estava viva por ter alguma utilidade para os Mazinni, porém, temia qual fosse essa qualidade ainda desconhecida.E p