Depois
O cérebro tem o poder de desenvolver modos de defesa quando estamos em alguma situação de perigo ou medo extremo. No caso de Victoria, envolvia ambos.
Primeiro, ficou em negação. Acreditava que tudo não passava de um mal-entendido que logo seria resolvido. Porém, após 3 dias, suas esperanças estavam se esgotando.Sua sensação, se for algo que puder ser descrito, era como estar um pesadelo vivido. Em toda sua vida, nunca imaginou passar por algo do tipo. Ficou a todo momento trancada em um quarto sem luz, comida ou qualquer tipo de coisa básica necessária para qualquer ser humano viver.
Além do medo de sofrer algum tipo de violência, que por sorte não ocorreu, estava aterrorizada com a possibilidade de seus pais estarem mortos, já que os homens que a sequestraram não pareciam dispostos a negociar.
No primeiro dia, tinha forças para gritar e se debater contra a porta, porém, sua força foi diminuindo ao mesmo tempo que sua energia se esgotava pouco a pouco. Quando finalmente acreditou estarem apenas esperando alguma ordem para matá-la, viu uma luz atingir sua visão dolorida, afetada pela claridade.
Sem forças para levantar, um dos homens que a sequestrou a pegou no colo, a levando para algum lugar. Como chegou vendada, não conseguiu ver onde estava, só percebendo agora, que quem estava envolvido nisso não seria qualquer um.
Havia objetos de ouro espalhados por toda a casa, e mesmo que sua visão estivesse turva, conseguia ver obras de arte de renome penduradas na parede. Certamente, muitas delas ilegais.
A esse ponto, já não conseguia agir ou lutar contra o homem, que a carregava como se fosse uma boneca de pano. Ao chegar em uma espécie de banheiro, ele a jogou no chão, ordenando para que tentasse se levantar sozinha.
— Levanta, garota. Preciso te levar logo, você tá muito suja — Ele chutou sua perna, vendo que por mais que se esforçasse, não conseguia se mexer de forma ágil — Vai me obrigar a te dar banho, ruivinha? Confesso que quis fazer isso desde que te vi.
O homem passou a retirar suas peças de roupa, e por mais que Victoria tentasse lutar contra, seus músculos pareciam não obedecer aos seus comandos. Asquerosamente, ele passou a alisar e tocar as partes de seu corpo, e mesmo que estivesse suja, não se importava. O ato dela ser completamente indefesa em suas mãos, incapaz de se defender de seus atos sórdidos, era o que lhe excitava.
Por sorte, Victoria conseguiu reunir dentro de si energia para emitir um grito que o assustou, fazendo largá-la imediatamente, a soltando no chão.
De repente, a porta do banheiro se abriu, anunciando a presença de mais uma pessoa ali. Pessoa essa que não seria um qualquer, já que o homem responsável por Victoria se recolheu como um cachorro assustado.
— Senhor, não é o que parece. Já ia levá-la até você. — O abusador se recolheu na parede, amedrontado.
Sua figura imponente de minutos atrás foi completamente desfeita ao estar na presença da pessoa, essa tal que Victoria não havia olhado até o momento.
— Você é um porco nojento. Não sei por que meu pai insiste em te manter aqui — Ele observou a menina caída no chão, parcialmente despida ao lado da banheira, antes de voltar a se dirigir ao capanga — Tem sorte de que ele quer te manter vivo, Carl. Caso contrário, eu te mataria agora mesmo.
Ouvindo tais palavras, ela uniu as forças dentro de si e o fitou, o observando arado em frente a porta, com um olhar quase piedoso em sua direção. O homem de cabelos castanhos, penteados perfeitamente para trás, estava muito bem-vestido.
Ela o reconheceu imediatamente, e confusa, pensou no motivo pelo qual ele estava ali, a ajudando. Ela queria gritar, implorar por socorro e sair correndo daquele lugar. Queria também o xingar, e questionar porque impediu Carl de seguir em frente se ele mesmo parecia querer isso ao levá-la para esse lugar.
Victoria sentiu as lágrimas escorrerem através de suas bochechas ao ver uma mulher se aproximar, e uma ponta de esperança a invadiu após um longo tempo.
— Meu Deus, o que você fez com essa menina? — Ela exclamou irritada — Sai daqui, agora!
Carl, o asqueroso capanga, saiu do banheiro com uma velocidade inacreditável, as deixando a sós.
— Não se preocupe, vou ajudá-la. Você consegue responder se eu posso te colocar na banheira? — Perguntou, antes de Victoria assentir — Vou tocar em você agora. Não precisa ter medo, tudo bem?
A mulher era doce e gentil, não parecia pertencer àquele lugar. Por mais que fosse uma mansão bonita e bem decorada, pela forma que havia sido tratada, aquele não era um bom lugar.
Enquanto molhava os cabelos da menina, ela conseguia escutar seu estômago roncar. Perturbada com o fato, se perguntou há quanto tempo deixaram a pobre garota sem comer, naquele estado.
Ao finalizar o banho, ela a enrolou em uma grande toalha, que ia até seu tornozelo, a apoiando em seus ombros. Mesmo com dificuldade, a guiou até um dos quartos.
— Sente-se, pode ficar tranquila. Está segura aqui — disse, mesmo sabendo que após o que aconteceu, dificilmente suas palavras poderiam acalmá-la.
Victoria conseguiu vê-la telefonando, pedindo para que levassem algo para ela se alimentar. Só de ouvir sobre comida, sentiu seu estômago dar cambalhotas. Nunca esteve tão ansiosa por uma refeição.
Não demorou muito até que uma empregada chegasse com uma grande bandeja, repleta de frutas e pães, queijos e uma taça de suco.Faminta, tentou se alimentar rápido, sentindo o desespero em comer tudo que havia na bandeja farta, mas estava muito fraca. A mulher permaneceu encostada na porta, a observando, junto da governanta.
— Coitada, está faminta. O que fizeram com ela, Catarina? — perguntou.
— Não sei ainda. Isso é coisa do meu irmão, ele me pediu para ajudá-la. Mas vou descobrir logo — Catarina respondeu, puxando seus fios loiros para trás, os prendendo em um coque frouxo.
Se aproximou lentamente de Victoria, que mesmo grata pela ajuda, não confiava nem um pouco em sua presença.
— Você pode me dizer seu nome, querida? — Catarina a fitou, vendo o medo em seus olhos avermelhados.
— Victoria — A ruiva respondeu com a voz baixa, sem parar de comer o pedaço de queijo que segurava com afinco.
— Certo, Victoria. Sabe por que está aqui?
Tentando ser sutil, a loira sondou Victoria da melhor forma que pôde. O que foi frustrante para ela, considerando que a Victoria não sabia de nada relevante. Mesmo assim, a ruiva explicou tudo pacientemente, com esperança de conseguir encontrar seus pais novamente. Porém, ao ouvir sobre a fábrica de tecidos, Catarina exibiu um olhar que parecia revelar que sabia algo a mais.Antes que pudesse perguntar sobre, Victoria ouviu batidas na porta, e seu coração acelerou novamente. Em um momento de desespero, se encostou no canto da cama, receosa de a levarem novamente.Catarina se levantou, e ao abrir a porta, a ruiva viu que era um dos homens que a sequestrou.Victoria gritou, implorando para que não deixasse ele levá-la. Porém, Catarina sabia que suas ordens não eram acatadas. Infelizmente, seu pai dava voz apenas ao seu irmão.— Ele quer falar com ela, senhora. — o homem disse brevemente.— Certo. Vou levá-la, só me deixa arrumar algo para ela vestir — Catarina respondeu, fechando a por
Três dias. Fazia absolutamente três dias que Victoria estava trancada em um mesmo quarto. Durante esse tempo, todos os dias uma mulher entrava, colocava uma bandeja sobre a mesa que ficava próximo à cama e saía sem dizer palavra alguma. Não importa o quanto a ruiva gritasse implorando por qualquer tipo de ajuda, nenhum único som era emitido pela funcionária, que sequer olhava em sua direção. Certamente, já deveria estar acostumada com situações desse tipo. Havia livros espalhados por todo o chão do quarto. Victoria os escolhia aleatoriamente, lia algumas páginas e se cansava em seguida. Por fim, exausta e com tédio, se rendeu a uma das obras, a lendo por completo. Em três dias, já teria lido cerca de três ou quatro livros em um curto espaço de tempo. Porém, tinha plena consciência de que não havia absorvido conteúdo algum das grandes obras literárias. Era difícil se concentrar quando sua mente está em um estado de alerta constante, que te prepara para ser trancafiada em um quarto e
Durante a tarde, Victoria ouviu novamente uma movimentação diferente na casa. Olhando pela brecha da porta, conseguiu ver mesas e objetos de decoração sendo carregados pelos capangas de Dominique. As pontas soltas das conversas que escutava através da porta não eram o suficiente, precisava estar no meio daquelas pessoas. Conviver com eles, e entender todo o esquema que envolve essa família. Como tudo indicava que seria feita uma recepção na casa, Victoria pensou que seria a oportunidade perfeita para descobrir o máximo de informação que pudesse. Arrumaria um jeito de entrar em contato com essas pessoas, de uma maneira ou de outra. Olhando através da janela que dava em direção a uma parte do jardim, conseguiu ver carros chegando com grandes objetos de decoração, flores e bebidas. Ali, ela percebeu que não seria uma simples recepção, seria uma grande festa de família. Ansiosa, tentou bolar em sua cabeça um plano que a levasse até o local, e sem pudor algum, Victoria saiu de seu quarto
— Você é nova aqui, anjo? — O homem misterioso perguntou, passando para a frente de Victoria, olhando com curiosidade. Sua aparência não era nada agradável, assim como um sorriso malicioso que pareceu se formar em seu rosto assim que seus olhos pousaram sobre a jovem.— Quem é você? — ela retrucou sem filtrar suas palavras — Quer dizer, ainda não o conheci. Como se chama?Não poderia desperdiçar suas chances, qualquer pessoa ali poderia dar alguma pista sobre seus pais.— Me chamo Alfredo. É um prazer, bela. — ele se curvou para beijar sua mão, e a barba áspera roçando em sua pele a causou um incômodo desconhecido.— Igualmente. Me chamo Victoria, e sim, sou nova por aqui. — ela respondeu, antes de notar que Damiano se aproximava de ambos.— Alfredo, quanto tempo! Vi que já conheceu a Victoria. — o moreno passou seu braço através da cintura de Victoria, a puxando para perto.Ela ficou confusa, porém, receosa demais para agir. Seu braço a apertava firmemente, quase dolorosa, contornand
Depois da festa, a angústia que se instalou era notável. Dia após dia, Victoria ficou em seu quarto, esperando ser levada para algum lugar onde definitivamente não iria querer estar.Analisou todos os cantos do cômodo, ponderando encontrar algum objeto que servisse como arma.Conforme os dias foram passando, estranhou tudo estar tão calmo, já que eles parecem trabalhar em muitos projetos paralelos — para não dizer criminosos.Olhava pelo jardim todos os dias, vendo as flores colhidas em sua época favorita do ano: a primavera. Umas flores eram recolhidas, outras descartadas por estarem com algum defeito ou traças. Outras ainda nasciam. Victoria achou curioso o fato de que ao mesmo tempo que algumas vidas estavam sendo geradas, outras estavam sendo fincadas ou descartadas. E era como ela se sentia, como se fosse um objeto prestes a ser descartado.Tinha consciência de que estava viva por ter alguma utilidade para os Mazinni, porém, temia qual fosse essa qualidade ainda desconhecida.E p
Ao se soltar da estrutura que a segurava, a mantendo segura, Victoria espremeu seus olhos em uma expressão de agonia, torcendo para ser rápido. Não queria sentir dor, ou pior, permanecer viva e machucada aos cuidados de seja lá quem se colocasse à disposição naquela casa.A sensação foi de quase voo, se não fosse por algo que a segurou firmemente, tão firme que chegou a deslocar seu pulso.A próxima coisa que ela sentiu, após ter sido tirada de seu transe, impedindo o quase fim da sua vida, foi a barba cerrada de Damiano roçar em seu rosto, a segurando em seu colo, impedindo que terminasse a ação que tomou impulsivamente.Ele não entenderia, como poderia entender? Ele gritava, mas Victoria estava com seus sentidos tão perturbados, que ouvia tudo abafadamente, como se estivesse em uma caixa que a impedia de escutar todos os sons emitidos de forma clara e audível. Após deitá-la, ele sentou na ponta da cama, e aguardou até que seus sentidos se recuperassem completamente.Não demorou mui
Quando era apenas uma criança, o pai de Victoria permitiu que ela retirasse a flor mais bela do jardim, a soltando de sua raiz. Ansiosa, ela a cortou delicadamente com a ajuda de seu pai, que pediu para que ela observasse a flor durante os próximos dias.E assim fez, observou a linda rosa-branca em um pequeno vaso de água limpa, durante mais ou menos duas semanas.Nos últimos dias, ela se entristeceu ao perceber que a flor murchava cada vez mais, se tornando escura e ficando seca ao longo dos dias. Mesmo sendo bem cuidada, a flor morreu pouco tempo depois.Ao perceber, ela correu até seu pai, irritada e com lágrimas em seus olhos, esbravejando.Ele se aproximou calmamente, a abraçando, e tentou entender sua indignação.— O que houve, meu bem? — Ele se ajoelhou em sua frente, acariciando levemente suas bochechas úmidas pelas lágrimas que rolavam.— A flor morreu, papai — Ela disse, mostrando para ele as pétalas secas em sua mão. — Por que me disse para tirar ela do jardim? Agora ela es
Damiano e Victoria ficaram no restaurante por mais tempo do que imaginavam. Depois do episódio inusitado, a ruiva foi invadida por uma tensão que custou a se retirar. Completamente abalada pelas sensações que se instalaram, ela permaneceu em silêncio por um longo tempo. Todas as suas convicções, morais e ética, passaram a ser questionadas por si mesma, juntamente de sua sanidade mental, essa qual ela questionava desde o sequestro. Após um tempo, tudo se torna confuso, e é difícil separar a realidade das fantasias que surgem como forma de escape em sua mente. Mas nesse momento, pareceu real, real demais. Estar em um lugar fora daquele quarto agonizante, em um belo hotel, usando boas roupas e estando bem arrumada, tudo pareceu estar como era antes, e talvez, fosse o que ela precisava para despertar novamente as sensações que um dia já foram familiares. Apesar de confusa, foi bom se sentir assim novamente. Depois de um longo tempo, ela se sentiu viva. Percebeu que não se lembrava ma