Sempre que aceitava sair de casa, Victoria se arrependia momentos após chegar no local. Dessa vez não foi diferente. Olhando rapidamente ao redor, era possível ver mais de dez infrações cometidas em um curto espaço de tempo.
Por sorte, Liz era filha de uma das maiores contribuintes em doações da universidade.
Ela tinha pele negra, tranças vermelhas que iam até sua cintura, roupa preta de tecido semelhante a couro, a tornando a atração da festa. E não seria por menos, Liz estava estonteante.
Victoria tentava conter suas risadas ao ouvir por diversas vezes Marina afirmar que tinha certeza de sua heterossexualidade, até conhecer a anfitriã da festa.
Clara, por outro lado, estava distraída beijando algum desconhecido que estava parado ao lado das bebidas. Não podia perder tempo, queria aproveitar a noite da melhor forma possível.
Aproveitar é um termo muito particular de cada pessoa. Para Clara, era beijar o máximo de bocas possível. Já para Marina, era aproveitar o tempo de maneira agradável, conhecendo pessoas interessantes e tendo longas conversas existenciais.
E para Victoria, era utilizar o tempo da melhor forma que pudesse para finalizar qualquer coisa que precisasse fazer. Odiava ter pendências.Em suma, estar ali era uma grande perda de tempo, se considerar que a festa, para seu gosto pessoal, nada tinha de interessante.
A todo momento, pensava que poderia estar utilizando as horas perdidas para se atualizar nas matérias que tinha mais dificuldade, como Bioquímica e Biofísica.
Se sentindo sufocada com a enorme quantidade de fumaça ocupando o local, Victoria seguiu até a área externa atrás da casa, observando haver apenas uma pessoa próximo à fonte que fica centralizada no jardim.
Sem a intenção de incomodar, se encostou próximo a uma pilastra em frente a grande porta de madeira, tentando fazer algum proveito das fotos das matérias em seu celular, ainda que fosse difícil se concentrar com o tipo de música que tocava.
O homem observou a ruiva em frente a porta, a analisando detalhadamente, de cima para baixo. Ele estava formal demais para uma festa universitária, o que causou o estranhamento da jovem. Porém, decidiu ignorar o sujeito, focando em suas anotações.
Em um certo momento, se deu conta do comportamento estranho do homem que a fitava, sentindo sua espinha gelar. Os olhos fixos em seu rosto, passeando por seu corpo vez ou outra, junto de um sorriso cínico, foi o suficiente para a deixar receosa.
Voltou para dentro da casa, buscando suas colegas de quarto.
No entanto, falhou ao não ver Marina e Clara presentes no local.
Sua primeira reação foi ir até o banheiro e aguardar para que fosse seguro ir para o dormitório, mesmo que a ideia de seguir sozinha no caminho deserto do campus não fosse a melhor das hipóteses.
Após alguns minutos, se sentiu confiante para sair do local apertado, com o olhar passeando entre as pessoas bêbadas se jogando umas nas outras ao som da música estridente. Mais uma vez, sem sinal de ambas.
Victoria sentia como se a festa já estivesse acontecendo há uma eternidade. A dificuldade em passar pelas pessoas aglomeradas no caminho, tornava a situação ainda mais sufocante. Era desesperador.
Por sorte, quando estava em frente ao vidro da porta de entrada, conseguiu enxergar Marina e Clara sentadas na escada que fica em frente a mansão.
Afobada, correu ao encontro de suas amigas, ansiosa para explicar toda a situação que a perturbava. Porém, não demorou a notar que no carro em frente a escada onde estavam, o tal homem estava sentado no banco do carona.
Victoria sentiu a sensação ruim a invadir novamente, ao mesmo tempo que notou os pelos de seu corpo se arrepiarem assustadoramente.
Era como se o seu cérebro estivesse enviando um alerta de que algo não estava certo. Ela sentia em todo seu corpo. Suas amigas tentaram entender o que estava acontecendo, porém, ao notar a forma que Victoria olhava para o homem no veículo, foi o suficiente para compreender que havia algo errado.
Sem se despedir dos homens que as acompanhavam anteriormente, elas seguraram a mão de Victoria, a guiando até o dormitório que, por sorte, pareceu ser mais próximo do que realmente era.
Ao perceber que estava segura, a ruiva conseguiu contar toda a situação, recebendo a confortante compreensão de ambas.
Ela sabia que era uma história que podia soar exagerada, considerando que ela e o tal sujeito não interagiram, porém, somente seu olhar aterrador foi o suficiente para ativar um alerta em seu subconsciente.
Marina preparou um chá de camomila para acalmá-la, e após uma certa resistência, Victoria finalmente pôde descansar.
…
Depois de uma semana desde a péssima experiência durante a festa, o primeiro semestre finalmente acabou. Todos os alunos exaustos teriam um tempo livre para relembrar como eram suas vidas antes de ter que lidar com as infinitas responsabilidades da vida adulta.
A animação de Victoria não era das mais contagiantes quando comparada a de seus colegas, que fariam viagens super divertidas para destinos exóticos e paradisíacos. Infelizmente, seu orçamento era limitado, para não dizer nulo.
Seus pais insistiram para que ela permanecesse no campus, a fim de guardar suas últimas economias ao invés de gastar viajando de volta para casa. No entanto, a saudade era maior do que qualquer preocupação financeira que pudesse ter.
Então, sem contar a eles, Victoria deixou um voo agendado para surpreendê-los.
E dessa forma, tomou rumo em direção ao destino que mudaria sua vida para sempre.
DepoisO cérebro tem o poder de desenvolver modos de defesa quando estamos em alguma situação de perigo ou medo extremo. No caso de Victoria, envolvia ambos.Primeiro, ficou em negação. Acreditava que tudo não passava de um mal-entendido que logo seria resolvido. Porém, após 3 dias, suas esperanças estavam se esgotando.Sua sensação, se for algo que puder ser descrito, era como estar um pesadelo vivido. Em toda sua vida, nunca imaginou passar por algo do tipo. Ficou a todo momento trancada em um quarto sem luz, comida ou qualquer tipo de coisa básica necessária para qualquer ser humano viver.Além do medo de sofrer algum tipo de violência, que por sorte não ocorreu, estava aterrorizada com a possibilidade de seus pais estarem mortos, já que os homens que a sequestraram não pareciam dispostos a negociar.No primeiro dia, tinha forças para gritar e se debater contra a porta, porém, sua força foi diminuindo ao mesmo tempo que sua energia se esgotava pouco a pouco. Quando finalmente acred
Tentando ser sutil, a loira sondou Victoria da melhor forma que pôde. O que foi frustrante para ela, considerando que a Victoria não sabia de nada relevante. Mesmo assim, a ruiva explicou tudo pacientemente, com esperança de conseguir encontrar seus pais novamente. Porém, ao ouvir sobre a fábrica de tecidos, Catarina exibiu um olhar que parecia revelar que sabia algo a mais.Antes que pudesse perguntar sobre, Victoria ouviu batidas na porta, e seu coração acelerou novamente. Em um momento de desespero, se encostou no canto da cama, receosa de a levarem novamente.Catarina se levantou, e ao abrir a porta, a ruiva viu que era um dos homens que a sequestrou.Victoria gritou, implorando para que não deixasse ele levá-la. Porém, Catarina sabia que suas ordens não eram acatadas. Infelizmente, seu pai dava voz apenas ao seu irmão.— Ele quer falar com ela, senhora. — o homem disse brevemente.— Certo. Vou levá-la, só me deixa arrumar algo para ela vestir — Catarina respondeu, fechando a por
Três dias. Fazia absolutamente três dias que Victoria estava trancada em um mesmo quarto. Durante esse tempo, todos os dias uma mulher entrava, colocava uma bandeja sobre a mesa que ficava próximo à cama e saía sem dizer palavra alguma. Não importa o quanto a ruiva gritasse implorando por qualquer tipo de ajuda, nenhum único som era emitido pela funcionária, que sequer olhava em sua direção. Certamente, já deveria estar acostumada com situações desse tipo. Havia livros espalhados por todo o chão do quarto. Victoria os escolhia aleatoriamente, lia algumas páginas e se cansava em seguida. Por fim, exausta e com tédio, se rendeu a uma das obras, a lendo por completo. Em três dias, já teria lido cerca de três ou quatro livros em um curto espaço de tempo. Porém, tinha plena consciência de que não havia absorvido conteúdo algum das grandes obras literárias. Era difícil se concentrar quando sua mente está em um estado de alerta constante, que te prepara para ser trancafiada em um quarto e
Durante a tarde, Victoria ouviu novamente uma movimentação diferente na casa. Olhando pela brecha da porta, conseguiu ver mesas e objetos de decoração sendo carregados pelos capangas de Dominique. As pontas soltas das conversas que escutava através da porta não eram o suficiente, precisava estar no meio daquelas pessoas. Conviver com eles, e entender todo o esquema que envolve essa família. Como tudo indicava que seria feita uma recepção na casa, Victoria pensou que seria a oportunidade perfeita para descobrir o máximo de informação que pudesse. Arrumaria um jeito de entrar em contato com essas pessoas, de uma maneira ou de outra. Olhando através da janela que dava em direção a uma parte do jardim, conseguiu ver carros chegando com grandes objetos de decoração, flores e bebidas. Ali, ela percebeu que não seria uma simples recepção, seria uma grande festa de família. Ansiosa, tentou bolar em sua cabeça um plano que a levasse até o local, e sem pudor algum, Victoria saiu de seu quarto
— Você é nova aqui, anjo? — O homem misterioso perguntou, passando para a frente de Victoria, olhando com curiosidade. Sua aparência não era nada agradável, assim como um sorriso malicioso que pareceu se formar em seu rosto assim que seus olhos pousaram sobre a jovem.— Quem é você? — ela retrucou sem filtrar suas palavras — Quer dizer, ainda não o conheci. Como se chama?Não poderia desperdiçar suas chances, qualquer pessoa ali poderia dar alguma pista sobre seus pais.— Me chamo Alfredo. É um prazer, bela. — ele se curvou para beijar sua mão, e a barba áspera roçando em sua pele a causou um incômodo desconhecido.— Igualmente. Me chamo Victoria, e sim, sou nova por aqui. — ela respondeu, antes de notar que Damiano se aproximava de ambos.— Alfredo, quanto tempo! Vi que já conheceu a Victoria. — o moreno passou seu braço através da cintura de Victoria, a puxando para perto.Ela ficou confusa, porém, receosa demais para agir. Seu braço a apertava firmemente, quase dolorosa, contornand
Depois da festa, a angústia que se instalou era notável. Dia após dia, Victoria ficou em seu quarto, esperando ser levada para algum lugar onde definitivamente não iria querer estar.Analisou todos os cantos do cômodo, ponderando encontrar algum objeto que servisse como arma.Conforme os dias foram passando, estranhou tudo estar tão calmo, já que eles parecem trabalhar em muitos projetos paralelos — para não dizer criminosos.Olhava pelo jardim todos os dias, vendo as flores colhidas em sua época favorita do ano: a primavera. Umas flores eram recolhidas, outras descartadas por estarem com algum defeito ou traças. Outras ainda nasciam. Victoria achou curioso o fato de que ao mesmo tempo que algumas vidas estavam sendo geradas, outras estavam sendo fincadas ou descartadas. E era como ela se sentia, como se fosse um objeto prestes a ser descartado.Tinha consciência de que estava viva por ter alguma utilidade para os Mazinni, porém, temia qual fosse essa qualidade ainda desconhecida.E p
Ao se soltar da estrutura que a segurava, a mantendo segura, Victoria espremeu seus olhos em uma expressão de agonia, torcendo para ser rápido. Não queria sentir dor, ou pior, permanecer viva e machucada aos cuidados de seja lá quem se colocasse à disposição naquela casa.A sensação foi de quase voo, se não fosse por algo que a segurou firmemente, tão firme que chegou a deslocar seu pulso.A próxima coisa que ela sentiu, após ter sido tirada de seu transe, impedindo o quase fim da sua vida, foi a barba cerrada de Damiano roçar em seu rosto, a segurando em seu colo, impedindo que terminasse a ação que tomou impulsivamente.Ele não entenderia, como poderia entender? Ele gritava, mas Victoria estava com seus sentidos tão perturbados, que ouvia tudo abafadamente, como se estivesse em uma caixa que a impedia de escutar todos os sons emitidos de forma clara e audível. Após deitá-la, ele sentou na ponta da cama, e aguardou até que seus sentidos se recuperassem completamente.Não demorou mui
Quando era apenas uma criança, o pai de Victoria permitiu que ela retirasse a flor mais bela do jardim, a soltando de sua raiz. Ansiosa, ela a cortou delicadamente com a ajuda de seu pai, que pediu para que ela observasse a flor durante os próximos dias.E assim fez, observou a linda rosa-branca em um pequeno vaso de água limpa, durante mais ou menos duas semanas.Nos últimos dias, ela se entristeceu ao perceber que a flor murchava cada vez mais, se tornando escura e ficando seca ao longo dos dias. Mesmo sendo bem cuidada, a flor morreu pouco tempo depois.Ao perceber, ela correu até seu pai, irritada e com lágrimas em seus olhos, esbravejando.Ele se aproximou calmamente, a abraçando, e tentou entender sua indignação.— O que houve, meu bem? — Ele se ajoelhou em sua frente, acariciando levemente suas bochechas úmidas pelas lágrimas que rolavam.— A flor morreu, papai — Ela disse, mostrando para ele as pétalas secas em sua mão. — Por que me disse para tirar ela do jardim? Agora ela es