Quattro

Tentando ser sutil, a loira sondou Victoria da melhor forma que pôde. O que foi frustrante para ela, considerando que a Victoria não sabia de nada relevante.

Mesmo assim, a ruiva explicou tudo pacientemente, com esperança de conseguir encontrar seus pais novamente. Porém, ao ouvir sobre a fábrica de tecidos, Catarina exibiu um olhar que parecia revelar que sabia algo a mais.

Antes que pudesse perguntar sobre, Victoria ouviu batidas na porta, e seu coração acelerou novamente. Em um momento de desespero, se encostou no canto da cama, receosa de a levarem novamente.

Catarina se levantou, e ao abrir a porta, a ruiva viu que era um dos homens que a sequestrou.

Victoria gritou, implorando para que não deixasse ele levá-la. Porém, Catarina sabia que suas ordens não eram acatadas. Infelizmente, seu pai dava voz apenas ao seu irmão.

— Ele quer falar com ela, senhora. — o homem disse brevemente.

— Certo. Vou levá-la, só me deixa arrumar algo para ela vestir — Catarina respondeu, fechando a porta em seguida.

Seguiu até o seu closet, procurando dentre seus cabides algo que pudesse servir para Victoria. Por sorte, pareciam usar o mesmo número, pois o vestido de flores brancas que escolheu coube perfeitamente.

— Ficou perfeito. Você está linda — Catarina sorriu sem felicidade alguma, tentando amenizar a situação tensa — É o seguinte, Victoria. Você precisa ser o mais honesta possível, para o seu bem e o dos seus pais. Entendeu? Eles não vão te machucar se você for honesta.

A ruiva assentiu sem dizer nenhuma palavra. Mal havia passado por um trauma, e já precisaria enfrentar mais uma situação aterrorizante. A vida parecia estar aplicando algum tipo de teste, quando ela se viu caminhando através do corredor longo, que dava em uma sala.

Era como se estivesse caminhando pelo corredor da morte. Mesmo que não soubesse o que aconteceria lá dentro, as possibilidades não eram das melhores.

Ao chegar em frente a sala, parou, observando a enorme estante de livros que decorava sua entrada. Antes que pudesse olhar de forma mais detalhada, o segurança que a guiava a empurrou, fazendo com que ela tropeçasse e caísse em frente aos dois homens que a aguardavam.

— Por que a brutalidade, Eric? — O mais velho perguntou, segurando um copo de whisky em sua mão e fumando um cigarro em outra — Não te ensinaram a ser gentil com as mulheres?

O homem permaneceu em silêncio com a cabeça abaixada.

— Pode sair — O mais novo pediu sem sequer olhar em sua direção — E feche a porta.

Ao ouvir suas palavras, Victoria estremeceu, permanecendo sentada no chão como uma criança. O mais velho apoiou o copo na mesa ao lado, seguindo em direção a ela.

Notando o medo em seu rosto, estendeu sua mão livre, indicando que queria ajudá-la.

Se sentindo humilhada pelo estado em que estava, Victoria aceitou sua ajuda, se levantando com dificuldade até a poltrona que estava ao seu lado.

— Agora que está confortável, podemos conversar — Ele disse, antes de se sentar novamente — Meu nome é Dominique, sou o dono dessa casa. Esse é meu filho, Damiano.

— O homem apontou para o lado, em direção ao rapaz que estava em pé próximo a uma das estantes.

Era ele. O que a levou até ali, e o que a viu nua e humilhada há momentos atrás. O responsável por tudo aquilo.

— Você sabe por que está aqui? — Damiano perguntou, olhando em sua direção.

— Porque eu pedi — Victoria respondeu, tentando manter sua voz mais alta, ainda que se sentisse fraca.

— E por que pediu, Victoria? — Dominique perguntou, com um sorriso cínico em seu rosto.

— Não queria que machucassem meus pais. — Ela respondeu, tentando conter suas lágrimas.

— E por que machucariam seus pais, jovenzinha? — Dominique continuou, se divertindo ao observar o sofrimento em seu rosto.

— Eu não sei. Não sei o que está acontecendo. — A ruiva tentou controlar o choro, mas falhou, deixando as lágrimas escaparem copiosamente.

— Não precisa chorar, Victoria. Você está aqui para ajudar seus pais — Dominique respondeu, deixando de lado o copo de bebida. — Pense dessa forma. Eles fizeram uma dívida para você ir para a faculdade, e você agora vai retribuir. Entendeu?

Por mais que estivesse prestando atenção, Victoria estava confusa. Por que seus pais deviam algo a essa família? Deveria ser algum tipo de engano, afinal, tinham a fábrica desde antes do seu nascimento.

— Do que está falando? Meus pais emprestaram o dinheiro da fábrica. — Ela retrucou.

Ao dizer as palavras, pode ouvir a risada rouca de Damiano, que estava do outro lado da sala.

— Você não sabe mesmo, não é? — Perguntou, antes de continuar — Essa fábrica é uma fachada, amor. Eles lavam o nosso dinheiro, e nós repassamos uma parte. Só que dessa vez, eles não devolveram tudo que deveriam. Depois de alguma pesquisa, descobri que foi para pagar a faculdade da filhinha perfeita. Medicina, não é? Espero que já tenha aprendido o suficiente para fazer umas suturas no seu pai.

Ouvindo suas palavras, a ruiva sentiu seu sangue ferver como nunca sentiu antes em toda sua vida. Não sabia explicar se pela mentira que sua família encobria, ou se pela maneira cínica que Damiano contava a história, parecendo se divertir com a expressão completamente desolada que Victoria tinha em seu rosto. Era desumano.

— O que vocês querem de mim? — perguntou, farta dos jogos que estavam fazendo.

— Você tem 200 mil euros? Se tiver, é isso que queremos. Se não tiver… Vamos ter que ser criativos para conseguir compensar. Por enquanto, você fica com a gente para dar uma motivação a eles. Vão ter que lavar o triplo para conseguir recuperar o valor em pelo menos 6 meses. Você acha que é motivação o suficiente, Victoria? — Damiano se aproximou, deixando explícito o quanto estava gostando da situação, exibindo o sorriso ladino em seu rosto.

Victoria não respondeu, o direcionando apenas um olhar enojado.

— Hein? Responde, vadiazinha — Ele gritou, batendo na mesa com os punhos cerrados, fazendo Victoria se retrair.

— Chega, Damiano. Ela entendeu — Dominique o repreendeu, notando o quanto estava alterado — Pode voltar, Catarina irá te colocar em um quarto.

Sem dizer nada e tomada pelas lágrimas, Victoria seguiu até o quarto que Catarina arrumou para recebê-la, sem entender o porquê de seus pais esconderem tantas coisas durante toda sua vida. Era injusto não poder confrontá-los, mas no momento, só desejava que estivessem bem.

Essa dúvida a corroía por dentro, dificultando assimilar todos os acontecimentos alheios.

O quarto elegante e bem decorado soava como uma grande ironia, tendo em vista a situação em que foi colocada ao estar naquela casa. Completamente forçada a estar lá, sendo tratada como uma hóspede comum. Apesar disso, não reclamaria, após passar dias trancafiada em um cubículo sem ver a luz do dia.

Não conseguiu dormir durante a noite que se passou, não se sentia segura em fechar os olhos e repousar seu corpo em uma casa de bandidos, seja lá o que essas pessoas eram. O que salvou Victoria de enlouquecer durante a primeira noite, foi a enorme quantidade de livros em seu quarto.

Passou a noite em claro, folheando um dos muitos livros empoeirados da estante, mesmo que não conseguisse se concentrar completamente, ficando apavorada toda vez que ouvia passos em frente à sua porta.

Sem pregar os olhos uma única vez, se deu conta de que já havia amanhecido, quando sentiu um pequeno raio de sol atravessar a brecha da cortina grossa que cobria as janelas.

Ao se aproximar mais, abrindo as cortinas completamente, se deparou com um lindo lago em frente as janelas que iam do teto até o chão.

Seria o cenário perfeito, como um paraíso particular, se não fosse as circunstâncias em que estava. Por um momento, observando o lindo lago, Victoria se esqueceu de todo o pesadelo que estava vivenciando.

Porém, ao ouvir batidas em sua porta, se lembrou de que poderia demorar até que o pesadelo acabasse.

Antes de atender a porta, sem saber o que lhe aguardava, Victoria respirou fundo, pensando que teria que resistir. Devia isso a si mesma, e principalmente, devia aos seus pais.

Iria lutar para sair daquele lugar, de qualquer maneira.

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