Tentando ser sutil, a loira sondou Victoria da melhor forma que pôde. O que foi frustrante para ela, considerando que a Victoria não sabia de nada relevante.
Mesmo assim, a ruiva explicou tudo pacientemente, com esperança de conseguir encontrar seus pais novamente. Porém, ao ouvir sobre a fábrica de tecidos, Catarina exibiu um olhar que parecia revelar que sabia algo a mais.
Antes que pudesse perguntar sobre, Victoria ouviu batidas na porta, e seu coração acelerou novamente. Em um momento de desespero, se encostou no canto da cama, receosa de a levarem novamente.
Catarina se levantou, e ao abrir a porta, a ruiva viu que era um dos homens que a sequestrou.
Victoria gritou, implorando para que não deixasse ele levá-la. Porém, Catarina sabia que suas ordens não eram acatadas. Infelizmente, seu pai dava voz apenas ao seu irmão.
— Ele quer falar com ela, senhora. — o homem disse brevemente.
— Certo. Vou levá-la, só me deixa arrumar algo para ela vestir — Catarina respondeu, fechando a porta em seguida.
Seguiu até o seu closet, procurando dentre seus cabides algo que pudesse servir para Victoria. Por sorte, pareciam usar o mesmo número, pois o vestido de flores brancas que escolheu coube perfeitamente.
— Ficou perfeito. Você está linda — Catarina sorriu sem felicidade alguma, tentando amenizar a situação tensa — É o seguinte, Victoria. Você precisa ser o mais honesta possível, para o seu bem e o dos seus pais. Entendeu? Eles não vão te machucar se você for honesta.
A ruiva assentiu sem dizer nenhuma palavra. Mal havia passado por um trauma, e já precisaria enfrentar mais uma situação aterrorizante. A vida parecia estar aplicando algum tipo de teste, quando ela se viu caminhando através do corredor longo, que dava em uma sala.
Era como se estivesse caminhando pelo corredor da morte. Mesmo que não soubesse o que aconteceria lá dentro, as possibilidades não eram das melhores.
Ao chegar em frente a sala, parou, observando a enorme estante de livros que decorava sua entrada. Antes que pudesse olhar de forma mais detalhada, o segurança que a guiava a empurrou, fazendo com que ela tropeçasse e caísse em frente aos dois homens que a aguardavam.
— Por que a brutalidade, Eric? — O mais velho perguntou, segurando um copo de whisky em sua mão e fumando um cigarro em outra — Não te ensinaram a ser gentil com as mulheres?
O homem permaneceu em silêncio com a cabeça abaixada.
— Pode sair — O mais novo pediu sem sequer olhar em sua direção — E feche a porta.
Ao ouvir suas palavras, Victoria estremeceu, permanecendo sentada no chão como uma criança. O mais velho apoiou o copo na mesa ao lado, seguindo em direção a ela.
Notando o medo em seu rosto, estendeu sua mão livre, indicando que queria ajudá-la.
Se sentindo humilhada pelo estado em que estava, Victoria aceitou sua ajuda, se levantando com dificuldade até a poltrona que estava ao seu lado.
— Agora que está confortável, podemos conversar — Ele disse, antes de se sentar novamente — Meu nome é Dominique, sou o dono dessa casa. Esse é meu filho, Damiano.
— O homem apontou para o lado, em direção ao rapaz que estava em pé próximo a uma das estantes.
Era ele. O que a levou até ali, e o que a viu nua e humilhada há momentos atrás. O responsável por tudo aquilo.
— Você sabe por que está aqui? — Damiano perguntou, olhando em sua direção.
— Porque eu pedi — Victoria respondeu, tentando manter sua voz mais alta, ainda que se sentisse fraca.
— E por que pediu, Victoria? — Dominique perguntou, com um sorriso cínico em seu rosto.
— Não queria que machucassem meus pais. — Ela respondeu, tentando conter suas lágrimas.
— E por que machucariam seus pais, jovenzinha? — Dominique continuou, se divertindo ao observar o sofrimento em seu rosto.
— Eu não sei. Não sei o que está acontecendo. — A ruiva tentou controlar o choro, mas falhou, deixando as lágrimas escaparem copiosamente.
— Não precisa chorar, Victoria. Você está aqui para ajudar seus pais — Dominique respondeu, deixando de lado o copo de bebida. — Pense dessa forma. Eles fizeram uma dívida para você ir para a faculdade, e você agora vai retribuir. Entendeu?
Por mais que estivesse prestando atenção, Victoria estava confusa. Por que seus pais deviam algo a essa família? Deveria ser algum tipo de engano, afinal, tinham a fábrica desde antes do seu nascimento.
— Do que está falando? Meus pais emprestaram o dinheiro da fábrica. — Ela retrucou.
Ao dizer as palavras, pode ouvir a risada rouca de Damiano, que estava do outro lado da sala.
— Você não sabe mesmo, não é? — Perguntou, antes de continuar — Essa fábrica é uma fachada, amor. Eles lavam o nosso dinheiro, e nós repassamos uma parte. Só que dessa vez, eles não devolveram tudo que deveriam. Depois de alguma pesquisa, descobri que foi para pagar a faculdade da filhinha perfeita. Medicina, não é? Espero que já tenha aprendido o suficiente para fazer umas suturas no seu pai.
Ouvindo suas palavras, a ruiva sentiu seu sangue ferver como nunca sentiu antes em toda sua vida. Não sabia explicar se pela mentira que sua família encobria, ou se pela maneira cínica que Damiano contava a história, parecendo se divertir com a expressão completamente desolada que Victoria tinha em seu rosto. Era desumano.
— O que vocês querem de mim? — perguntou, farta dos jogos que estavam fazendo.
— Você tem 200 mil euros? Se tiver, é isso que queremos. Se não tiver… Vamos ter que ser criativos para conseguir compensar. Por enquanto, você fica com a gente para dar uma motivação a eles. Vão ter que lavar o triplo para conseguir recuperar o valor em pelo menos 6 meses. Você acha que é motivação o suficiente, Victoria? — Damiano se aproximou, deixando explícito o quanto estava gostando da situação, exibindo o sorriso ladino em seu rosto.
Victoria não respondeu, o direcionando apenas um olhar enojado.
— Hein? Responde, vadiazinha — Ele gritou, batendo na mesa com os punhos cerrados, fazendo Victoria se retrair.
— Chega, Damiano. Ela entendeu — Dominique o repreendeu, notando o quanto estava alterado — Pode voltar, Catarina irá te colocar em um quarto.
Sem dizer nada e tomada pelas lágrimas, Victoria seguiu até o quarto que Catarina arrumou para recebê-la, sem entender o porquê de seus pais esconderem tantas coisas durante toda sua vida. Era injusto não poder confrontá-los, mas no momento, só desejava que estivessem bem.
Essa dúvida a corroía por dentro, dificultando assimilar todos os acontecimentos alheios.
O quarto elegante e bem decorado soava como uma grande ironia, tendo em vista a situação em que foi colocada ao estar naquela casa. Completamente forçada a estar lá, sendo tratada como uma hóspede comum. Apesar disso, não reclamaria, após passar dias trancafiada em um cubículo sem ver a luz do dia.
Não conseguiu dormir durante a noite que se passou, não se sentia segura em fechar os olhos e repousar seu corpo em uma casa de bandidos, seja lá o que essas pessoas eram. O que salvou Victoria de enlouquecer durante a primeira noite, foi a enorme quantidade de livros em seu quarto.
Passou a noite em claro, folheando um dos muitos livros empoeirados da estante, mesmo que não conseguisse se concentrar completamente, ficando apavorada toda vez que ouvia passos em frente à sua porta.
Sem pregar os olhos uma única vez, se deu conta de que já havia amanhecido, quando sentiu um pequeno raio de sol atravessar a brecha da cortina grossa que cobria as janelas.
Ao se aproximar mais, abrindo as cortinas completamente, se deparou com um lindo lago em frente as janelas que iam do teto até o chão.
Seria o cenário perfeito, como um paraíso particular, se não fosse as circunstâncias em que estava. Por um momento, observando o lindo lago, Victoria se esqueceu de todo o pesadelo que estava vivenciando.
Porém, ao ouvir batidas em sua porta, se lembrou de que poderia demorar até que o pesadelo acabasse.
Antes de atender a porta, sem saber o que lhe aguardava, Victoria respirou fundo, pensando que teria que resistir. Devia isso a si mesma, e principalmente, devia aos seus pais.
Iria lutar para sair daquele lugar, de qualquer maneira.
Três dias. Fazia absolutamente três dias que Victoria estava trancada em um mesmo quarto. Durante esse tempo, todos os dias uma mulher entrava, colocava uma bandeja sobre a mesa que ficava próximo à cama e saía sem dizer palavra alguma. Não importa o quanto a ruiva gritasse implorando por qualquer tipo de ajuda, nenhum único som era emitido pela funcionária, que sequer olhava em sua direção. Certamente, já deveria estar acostumada com situações desse tipo. Havia livros espalhados por todo o chão do quarto. Victoria os escolhia aleatoriamente, lia algumas páginas e se cansava em seguida. Por fim, exausta e com tédio, se rendeu a uma das obras, a lendo por completo. Em três dias, já teria lido cerca de três ou quatro livros em um curto espaço de tempo. Porém, tinha plena consciência de que não havia absorvido conteúdo algum das grandes obras literárias. Era difícil se concentrar quando sua mente está em um estado de alerta constante, que te prepara para ser trancafiada em um quarto e
Durante a tarde, Victoria ouviu novamente uma movimentação diferente na casa. Olhando pela brecha da porta, conseguiu ver mesas e objetos de decoração sendo carregados pelos capangas de Dominique. As pontas soltas das conversas que escutava através da porta não eram o suficiente, precisava estar no meio daquelas pessoas. Conviver com eles, e entender todo o esquema que envolve essa família. Como tudo indicava que seria feita uma recepção na casa, Victoria pensou que seria a oportunidade perfeita para descobrir o máximo de informação que pudesse. Arrumaria um jeito de entrar em contato com essas pessoas, de uma maneira ou de outra. Olhando através da janela que dava em direção a uma parte do jardim, conseguiu ver carros chegando com grandes objetos de decoração, flores e bebidas. Ali, ela percebeu que não seria uma simples recepção, seria uma grande festa de família. Ansiosa, tentou bolar em sua cabeça um plano que a levasse até o local, e sem pudor algum, Victoria saiu de seu quarto
— Você é nova aqui, anjo? — O homem misterioso perguntou, passando para a frente de Victoria, olhando com curiosidade. Sua aparência não era nada agradável, assim como um sorriso malicioso que pareceu se formar em seu rosto assim que seus olhos pousaram sobre a jovem.— Quem é você? — ela retrucou sem filtrar suas palavras — Quer dizer, ainda não o conheci. Como se chama?Não poderia desperdiçar suas chances, qualquer pessoa ali poderia dar alguma pista sobre seus pais.— Me chamo Alfredo. É um prazer, bela. — ele se curvou para beijar sua mão, e a barba áspera roçando em sua pele a causou um incômodo desconhecido.— Igualmente. Me chamo Victoria, e sim, sou nova por aqui. — ela respondeu, antes de notar que Damiano se aproximava de ambos.— Alfredo, quanto tempo! Vi que já conheceu a Victoria. — o moreno passou seu braço através da cintura de Victoria, a puxando para perto.Ela ficou confusa, porém, receosa demais para agir. Seu braço a apertava firmemente, quase dolorosa, contornand
Depois da festa, a angústia que se instalou era notável. Dia após dia, Victoria ficou em seu quarto, esperando ser levada para algum lugar onde definitivamente não iria querer estar.Analisou todos os cantos do cômodo, ponderando encontrar algum objeto que servisse como arma.Conforme os dias foram passando, estranhou tudo estar tão calmo, já que eles parecem trabalhar em muitos projetos paralelos — para não dizer criminosos.Olhava pelo jardim todos os dias, vendo as flores colhidas em sua época favorita do ano: a primavera. Umas flores eram recolhidas, outras descartadas por estarem com algum defeito ou traças. Outras ainda nasciam. Victoria achou curioso o fato de que ao mesmo tempo que algumas vidas estavam sendo geradas, outras estavam sendo fincadas ou descartadas. E era como ela se sentia, como se fosse um objeto prestes a ser descartado.Tinha consciência de que estava viva por ter alguma utilidade para os Mazinni, porém, temia qual fosse essa qualidade ainda desconhecida.E p
Ao se soltar da estrutura que a segurava, a mantendo segura, Victoria espremeu seus olhos em uma expressão de agonia, torcendo para ser rápido. Não queria sentir dor, ou pior, permanecer viva e machucada aos cuidados de seja lá quem se colocasse à disposição naquela casa.A sensação foi de quase voo, se não fosse por algo que a segurou firmemente, tão firme que chegou a deslocar seu pulso.A próxima coisa que ela sentiu, após ter sido tirada de seu transe, impedindo o quase fim da sua vida, foi a barba cerrada de Damiano roçar em seu rosto, a segurando em seu colo, impedindo que terminasse a ação que tomou impulsivamente.Ele não entenderia, como poderia entender? Ele gritava, mas Victoria estava com seus sentidos tão perturbados, que ouvia tudo abafadamente, como se estivesse em uma caixa que a impedia de escutar todos os sons emitidos de forma clara e audível. Após deitá-la, ele sentou na ponta da cama, e aguardou até que seus sentidos se recuperassem completamente.Não demorou mui
Quando era apenas uma criança, o pai de Victoria permitiu que ela retirasse a flor mais bela do jardim, a soltando de sua raiz. Ansiosa, ela a cortou delicadamente com a ajuda de seu pai, que pediu para que ela observasse a flor durante os próximos dias.E assim fez, observou a linda rosa-branca em um pequeno vaso de água limpa, durante mais ou menos duas semanas.Nos últimos dias, ela se entristeceu ao perceber que a flor murchava cada vez mais, se tornando escura e ficando seca ao longo dos dias. Mesmo sendo bem cuidada, a flor morreu pouco tempo depois.Ao perceber, ela correu até seu pai, irritada e com lágrimas em seus olhos, esbravejando.Ele se aproximou calmamente, a abraçando, e tentou entender sua indignação.— O que houve, meu bem? — Ele se ajoelhou em sua frente, acariciando levemente suas bochechas úmidas pelas lágrimas que rolavam.— A flor morreu, papai — Ela disse, mostrando para ele as pétalas secas em sua mão. — Por que me disse para tirar ela do jardim? Agora ela es
Damiano e Victoria ficaram no restaurante por mais tempo do que imaginavam. Depois do episódio inusitado, a ruiva foi invadida por uma tensão que custou a se retirar. Completamente abalada pelas sensações que se instalaram, ela permaneceu em silêncio por um longo tempo. Todas as suas convicções, morais e ética, passaram a ser questionadas por si mesma, juntamente de sua sanidade mental, essa qual ela questionava desde o sequestro. Após um tempo, tudo se torna confuso, e é difícil separar a realidade das fantasias que surgem como forma de escape em sua mente. Mas nesse momento, pareceu real, real demais. Estar em um lugar fora daquele quarto agonizante, em um belo hotel, usando boas roupas e estando bem arrumada, tudo pareceu estar como era antes, e talvez, fosse o que ela precisava para despertar novamente as sensações que um dia já foram familiares. Apesar de confusa, foi bom se sentir assim novamente. Depois de um longo tempo, ela se sentiu viva. Percebeu que não se lembrava ma
Victoria acordou um tanto desorientada. Os efeitos sobre seu corpo refletiam certamente os excessos do álcool ingerido durante o jantar na noite passada.Sua cabeça estava pesada, sentia uma dor atrás de seus olhos que era repuxada até sua nuca. Ela passeou a mão sobre sua nunca dolorida, tentando abrir levemente os seus olhos, que pareciam pesados como sacos de areia. Todas as suas memórias da noite anterior parecem borradas em sua mente, e por um momento, custou a se lembrar onde estava. Encarou de maneira confusa as paredes bege e altas, com o teto iluminado por um lindo lustre, as janelas com persianas em tons pastéis e o carpete vermelho intenso como sangue. E conforme as informações foram sendo absorvidas por sua memória desorientada, ela se lembrou pouco a pouco de flashes que surgiam aleatoriamente.A memória mais intensa de que conseguia se recordar, era a sensação de calor súbito a invadindo de maneira repentina, como se um fogo fosse aceso em seu interior, se alastrando por