~Sara dedicou dez anos de sua vida a Rodrigo Montenegro, seu marido~ — Gritar não resolverá nossos problemas, só me irrita, Sara. — Tudo te irrita — retrucou farta de lutar por aquele casamento. — Queria nunca ter me apaixonado por um egocêntrico sem sentimentos... Te apagar para sempre do meu coração... Nem terminou de descarregar sua raiva e frustração quando, ao passar sobre uma poça d'agua, o carro derrapou. ~Tempo que um acidente apagou de sua memória~ Assustou-se e afastou a mão ao ver, em pé ao seu lado, um desconhecido alto e de porte imponente. — Ainda zangada? — Ele deslizou os dedos pelo cabelo curto, o tom seco evidenciando o desagrado com a atitude dela. — Sara, vamos parar com essa briga estúpida. — Não sei do que o senhor esta falando. Nem te conheço. ~Em busca de respostas, resgata antigos relacionamentos~ — Há quanto tempo. — Mantendo as mãos na cintura dela, ele a olhou de cima a baixo com interesse. — Está muito bonita. — Obrigada. — Sara sorriu acanhada. O tempo foi generoso com Robson, seu ex-namorado estava mais másculo, bonito e charmoso. ~Enquanto cai de amores, novamente, pelo marido~ — Nunca cansarei de fazê-la minha, Sara — Rodrigo confessou acariciando a face dela. Sara não se lembrava de ninguém a ter devorado daquela forma. Aquele, definitivamente, era um bom motivo para ter se casado com ele, pensou em meio à névoa de paixão que envolvia sua mente e corpo.
Ler mais— Tenho férias em duas semanas e, embora não goste de se afastar por muito tempo do trabalho, Gabriel prometeu que vai passar pelo menos uma semana comigo e Kimberley ai — dizia Isabel, alegrando Sara. — Como está a Estela?— Ótima. Ela persistiu tanto que conseguiu namorar o Carlos. — Sorriu. — Descobriu que o único motivo para ele se esquivar era medo da reação do Rodrigo, que de fato não foi, e ainda não, é boa.— Imagino. Kin está tendo o mesmo problema com o Gabriel. Ele ficou furioso quando mencionei que aos quinze anos eu era bem pior que a nossa filha no quesito "ficantes".— Creio que se eu contar o que fazia na idade da Estela, Rodrigo vai trancafia-la, jogar a chave fora e montar guarda em frente ao quarto dela.Riram, as lembranças das festas e namoricos preenchendo suas mentes.— Ah, estão me chamando. Não se esqueça de sintonizar no meu programa e me dizer o que achou. Bye, bye! — Isabel pediu antes de encerrar a ligação.Sara saiu do escritório com um sorriso nos lábios.
Após horas de negociações, Rodrigo retornou a ligação de sua esposa.— Chegarei em meia hora no máximo — informou entrando em seu carro.Desligou o celular, prendeu o cinto de segurança e deu a partida, manobrando o carro pelas ruas, ansioso em chegar a casa.Ao parar no sinal vermelho, observou distraído à movimentação na calçada, surpreendendo-se ao ver Karen arrumando a vitrine de uma pequena loja de roupas.Não a via desde o julgamento, em que Karen fora condenada a sete anos de prisão. Ela obtivera a liberdade condicional três anos depois. Na época Izaque e ele, a pedido de Sara — que achava que todos mereciam uma segunda chance e Karen pagara por seus erros —, entregaram uma quantia considerável para a ela através de um parente, depois decidiram nunca mais tocar no nome dela.Viu uma menina de longo cabelo castanho entrar na loja correndo e envolver a perna de Karen, seguida por um homem com cabelo da mesma cor. Ele falou algo que pareceu irritar Karen, porém ela não se afastou d
Após quase dois meses internado, Rodrigo recebeu alta e foi levado por Sara ao apartamento, enquanto não se mudavam, para continuar o tratamento em casa. Só uma semana depois recebeu autorização para conhecer a nova residência. — Olha, não é lindo? — Sara perguntou empolgada, apontando os canteiros no caminho para a porta principal. Percorreu as flores multicoloridas, plantadas de cada lado do caminho que levava a casa, com uma olhada entediada. — Plantaram miosótis nos vasinhos das janelas e das varandas também. O que acha? Forçou um sorriso para a esposa, que apontava pontos azuis por toda a fachada da casa. Não entendia essa fixação em relação às flores, uma vez que ela sempre preferiu rosas, mas não estragaria a euforia dela comentando que pouco se importava com plantas. — Naquela árvore planejo um balanço, próximo dela um escorregador e um banco onde poderemos observar nosso filho brincar. Mirou com desconfiança a árvore encurvada. Não havia a menor possibilidade de deixar s
Izaque a seguiu para o mesmo banco que dividiu com Isabel. Sara esperava resolver a situação deles da mesma forma que resolveu com a amiga. Sentaram lado a lado no comecinho do longo banco, de forma que pudessem observar Rodrigo. — Desculpe-me! — pediu fitando-o. — Pelo quê? — Por ter estragado sua relação com Rodrigo. A boca de Izaque se inclinou em um sorriso sem graça. — Decidi engana-lo por contra própria — ele retrucou. — Embora nunca imaginei que tudo terminaria assim, que ele cederia aos seus encantos como eu. Sara olhou para Rodrigo, dormindo por causa da medicação. — Minha obsessão causou danos para o Rodrigo. Karen queria me atropelar, não ele — comentou entristecida. — Era para ele estar casado com ela, com vários filhos e falando com você. — Teria uma vida miserável nesse cenário — Izaque complementou caustico. — Ele a amava. Izaque riu zombeteiro. — Rodrigo me viu em uma posição comprometedora com a noiva que “amava” e não fez absolutamente nada. Anos depois, e
Mesmo não querendo se afastar do marido, Sara retornou ao apartamento de Tatiana para comer, tomar banho e dormir. Tatiana foi a maior incentivadora, forçando-a a isso ao argumentar que o dia estressante prejudicaria sua saúde. Pediu para Tatiana e para os enfermeiros responsáveis pelo quarto de Rodrigo que entrassem em contato se necessitassem de algo, ou houvesse alguma mudança no estado dele. Ninguém interrompeu seu sono e quando acordou, no dia seguinte, já passava das dez da tarde. Tomou um banho, trocou de roupa e foi para o hospital ansiosa em rever o marido. Entrou no quarto e encontrou Rodrigo adormecido, sendo informada que ele despertou pela manhã, mas devido os medicamentos voltou a dormir. Aproximou-se do leito e segurou sua mão, uma sensação boa percorrendo seu corpo quando um sorriso miúdo adornou os lábios ressequidos. — Como se sente? — Muito melhor... por você estar... do meu lado — ele respondeu devagar, incomodado pelas dores no corpo e pela máscara abafar sua
Sentada ao lado de Rodrigo, segurando a mão dele entre as suas, Sara permitiu a entrada de Tatiana no quarto. — Vá para casa descansar — Tatiana aconselhou, preocupada com o bem estar da afilhada. — Quero ficar um pouco mais — Sara disse acariciando o dorso da mão do marido. — Pelo menos até acabar o horário de visita. Decidindo mudar de assunto, por notar que a afilhada resistiria em sair de perto do marido, puxou uma cadeira para perto de Sara. — Me disseram que você depôs contra a Karen? Sara balançou a cabeça em sinal afirmativo. — Sabe o que é pior? Enquanto respondia as mil perguntas, me dei conta que podia ser eu atrás daquele volante — comentou sentindo um bolor se formar em sua garganta. — Antes da amnésia, eu seria capaz disso. — Realmente — Tatiana soltou, recebendo um olhar surpreso e ofendido da afilhada. Mesmo que o pensamento tivesse partido dela, Sara tivera esperança que Tatiana não concordasse. — Não me olhe assim! As atitudes que teve antes da amnésia foram
Sara só desejava encontrar Rodrigo, porém naquele dia bizarro tudo e todos pareciam afasta-la desse objetivo. Depois dos exames, que felizmente mostraram que ela e seu bebê estavam bem, teve de ir à delegacia testemunhar sobre o atropelamento de Rodrigo. Passou horas contando o que aconteceu antes e na hora do incidente, além de responder diversas perguntas, algumas incomodas, sobre sua relação e a do marido com Karen. Quando enfim foi liberada, já anoitecia e não teve permissão para visitar o marido. Nem mesmo quando apelou para seu cargo e o de sua madrinha como argumento para deixarem. Foi com ansiedade que entrou no quarto dele no dia seguinte. Rodrigo continuava adormecido, o rosto extremamente pálido, com hematomas e escoriações, escondido por uma máscara, repleto de fios no tronco enfaixado e nos braços. Parou ao lado dele e acariciou o cabelo escuro devagar com a mão direita, a outra manteve repousava em seu ventre, ainda sem mostrar que abrigava um pequeno ser com os gene
Sara foi lançada de lado, sem a força destrutiva e dor que imaginou. Fora a sensação de pequenos espetos na pele, a queda foi suave, quase como cair em um colchão de folhas. Confusa e com o coração acelerado pelo medo, abriu os olhos e deu-se conta que foi exatamente nesse lugar que caiu, em folhas e flores azuis. Ao longe se ouvia o som alto e cortante de uma freada. Ergueu-se desajeitadamente do canteiro de miosótis da fachada e, alerta a confusão ao seu redor, afastou com as mãos a sujeira, folhas e pétalas grudadas em seu uniforme. Funcionários do hospital e alguns pedestres se amontoavam em dois lugares, um grupo cercava o veículo que quase a atropelou, outro estava em volta de algo a poucos metros de onde o carro parou. Vozes exaltadas se erguiam do segundo ponto, entre elas uma pedindo uma maca e alguém gritando que havia um ferido necessitando de socorro urgente. — Está bem Senhora Montenegro? — Natali, enfermeira da ala de cirurgia, perguntou ao aproximar-se dela. — Machu
A vida costuma dar rasteiras em seres que se julgam superiores, para que aprendam a se erguer e lembrar, mesmo que só um pouco, que podem cair várias vezes se assim ela desejar. Rodrigo sofreu muitas quedas em seus vinte e sete anos de vida, mas três foram as mais cruéis e difíceis de levantar. A primeira grande rasteira ocorreu na adolescência. Tinha sido um jovem mimado, não por Sérgio Montenegro, seu pai, que passava mais tempo com Izaque, o primogênito, mas por sua mãe e pelo irmão, quando esse tinha tempo para gastar com o caçula três anos mais novo. Foi por causa do tratamento diferenciado do pai para com ele e Izaque que seu instinto de desafio iniciou. Se Izaque era bom em algo, ele se esforçava para ser melhor. A rivalidade unilateral, aliada a ânsia de agradar o pai, o motivou a namorar Karen, filha do melhor amigo de Sérgio. Decisão infantil, mas não uma “tarefa” difícil, até por costume essa tinha sido a escolha óbvia. Cresceram juntos, ela se derretia só em olha-la e,