O restante do percurso foi feito em total silêncio. Na verdade, desde que acordou no hospital não tinham trocado mais que meia dúzia de palavras, nem ao menos olhavam um para o outro. Sara por constrangimento e presumia que ele pelo incomodo de ser esquecido. Que tipo de esposa ela foi? Que tipo de esposa esquecia o marido?Rodrigo, em cada parada no sinal vermelho, observava Sara pelo canto do olho, sempre a encontrando observando curiosa a paisagem a sua volta. A esposa apreciava tudo como uma criança na frente de uma loja de doces.Era a primeira vez que ficavam sozinhos e Rodrigo, o seguro e orgulhoso homem de negócios, não tinha coragem para confessar que sentira falta dela, dos momentos felizes que às vezes tinham. E de que adiantaria? Sara esquecera esses momentos, todos os que passaram juntos. Além disso, ela parecia ter pavor dele. Só lhe tocara o rosto e Sara rejeitara seu toque. Temia que fugisse para bem longe dele se tivesse oportunidade e alternativa.— Tem tantos prédio
Na esperança de recobrar a memória, de manhã, Sara decidiu vistoriar o local em que moraria, afinal, pelo menos quatro anos de sua vida foram passadas naquele local.Começou pelo quarto que ocupava. Espaçoso, com móveis em tons de cinza e marrom, tinha uma cama, que ocupava quase todo o cômodo, de cada lado uma mesa de cabeceira com abajur e na frente um raque baixo com uma televisão enorme. Era bonito, mas estava longe de ser aconchegante, não havia fotos, faltavam cores e personalidade, tudo parecia frio, impessoal e extremamente masculino.Observou que o quarto tinha três portas, lembrava-se da que havia utilizado para entrar no quarto, foi em direção à segunda, abriu e se deparou com um banheiro enorme. Novamente, tudo em tons escuros. Ficou fascinada ao perceber que havia uma banheira - sempre sonhara em ter uma -, mas em seus sonhos sempre era na cor branca e não preta.Curiosa, encaminhou-se para a terceira porta, maravilhando-se ao perceber que se tratava de um closet cheio de
Acomodada em sua casa, Marta terminou de jantar, tomou banho e, após um momento de dúvida, pegou seu celular, acessou a agenda e, quando atenderam, soltou num só fôlego:— Aqui é Marta. As fofocas são verdadeiras, a senhora Montenegro não se lembra de nada dos últimos dez anos.— Muito bem, foi mais rápida do que imaginei para obter o que lhe pedi — elogiou uma voz suave de mulher.— Não foi difícil, a senhora Montenegro parece outra, até me pediu que a chamasse somente de Sara. Se sente incomodada com o sobrenome.— Mesmo? — A mulher do outro lado da linha riu. — Quem diria, a majestosa senhora Montenegro se desfazendo do título.— Gosto mais dessa senhora Montenegro — declarou distraída.— Imagino. Agora tenho que desligar. Venha amanhã receber seu pagamento e me contar mais detalhes.— Sim.Desligou o celular com os pensamentos longe. Queria saber para que as informações que passava serviam. Mesmo não sendo importantes, temia que fossem para prejudicar seus patrões. Não que gostass
Logo Rodrigo percebeu que a resposta era um sonoro “não”.— A sua expressão é a mesma de quando te conheci no hospital. — Sara apontou para a foto que segurava. — Já éramos namorados?Olhou para foto com atenção. Era do tempo do colégio, ele vestia o uniforme do time de basquete, na face uma expressão irritada voltada para ela, que tinha os braços ao redor do pescoço dele, estava vestida como agora e sorria para ele.— Não. Começamos o namoro muito tempo depois do colegial.— Mesmo? — Sara olhou intrigada para o verso da foto. — A senhora Montenegro já estava apaixonada por você. Pelo menos é o que parece. — Estendeu a foto.— Senhora Montenegro? — Rodrigo pegou a foto, mas não tirou os olhos de Sara.— É que todos me chamam de senhora Montenegro, mas não me sinto senhora e tão pouco Montenegro. — Deu de ombros. — Percebi que somos diferentes, então prefiro pensar na pessoa que esqueci como senhora Montenegro, enquanto eu sou somente Sara.A teoria de Karen que Sara estava fingindo co
Andava temerosa por uma estrada de terra, os pés descalços afundavam a cada passo tornando o caminhar mais difícil. A camisola de seda branca era fina demais e o frio naquele lugar era cortante, se abraçava com força na esperança de manter o corpo aquecido.O local não tinha qualquer tipo de iluminação e o manto da noite, sem lua ou estrelas, deixava o aspecto ainda mais sombrio. Nas calçadas as casas pareciam abandonadas, as árvores e a grama estavam secas como se naquele lugar não chovesse a um bom tempo. Estranhamente sentia que conhecia o lugar e, por isso, continuava a caminhar sem rumo.— Por aqui, Sara.Do nada, teve o braço puxado por uma versão juvenil de si mesma, vestindo uniforme escolar, até uma construção que reconheceu se tratar da escola estadual de Cezário. Pega de surpresa, só se soltou de sua cópia quando já se encontrava dentro do colégio vazio, encontrando somente várias portas fechadas em um longo corredor. Observou a sua cópia tentar, em vão, abrir uma das porta
Passada algumas horas, o pesadelo aterrorizante permanecia na mente de Sara. Sentia que a mulher de vermelho continuava por perto, observando-a, esperando para pegá-la, perturbando-a como uma assombração.O ataque, a angústia sentida no sonho, rodava em sua mente como um filme, repetindo-se a cada instante de silêncio. E, sozinha no quarto - e até mesmo no restante do apartamento -, silêncio era sua amiga íntima. A única, lamentou ao desistir de trocar os canais e desligar o televisor antes de largar o controle remoto na cama.Respirou fundo e se levantou. Precisava conversar com alguém, colocar em palavras sua aflição e acabar com a impressão maluca e desagradável deixada pelo pesadelo.Teve vontade de contar para Rodrigo, e só não o fez por ele estar de saída para o trabalho. Já era incomodo imaginar que ele se atrasou ao se preocupar com ela.Entrou na cozinha e aproximou-se de Marta. A jovem estava concentrada em seu serviço, preparando algo com um cheiro maravilhoso.— Marta...S
Rodrigo chegou ao apartamento furioso, com Sara por sair sem avisar, com a empregada por não perceber a saída da patroa e consigo por não seguir o instinto de ficar em casa, ou, pelo menos, perguntar o que Sara sonhou a ponto de deixa-la assustada.No trajeto até sua casa telefonou para Tatiana. Teve esperança de que a madrinha de sua esposa soubesse de seu paradeiro, mas só conseguiu dor no ouvido com os berros ofensivos da médica.Assim que abriu a porta Marta o encarou com evidente espanto e medo. Rodrigo, além de não reparar no estado da empregada, antes que ela pudesse dizer uma só palavra a agarrou pelos braços perguntando aflito:— O que Sara disse ou fez antes de sair? Porque não percebeu nada?Marta o fitou aterrorizada com a inesperada reação do patrão. Nunca o vira tão irado. Em realidade, pouco o via desde sua contratação, agora o homem entrou no apartamento e descarregou perguntas como se fosse um policial e ela uma criminosa. Para piorar sua situação, ele apertava seus b
Ao chegar no hospital particular Santana, Sara desceu do táxi e olhou maravilhada para o grande prédio antes de passar pelas portas automáticas. Desde pequena, graças a sua mãe, cirurgiã chefe do Hospital de Cezário, sempre teve fascinação por hospitais. Cresceu sonhando seguir os passos da mãe e, no futuro, trabalharem lado a lado.Segurou a vontade de chorar ao dar-se conta de que a sua mãe já não vivia e, no lugar de ocupar um cargo num hospital, jogou anos de estudo no lixo após se casar. Agora, sem as memórias do que estudou, estava longe de tornar realidade o seu sonho de ser médica.Inesperadamente insegura, foi até o balcão de atendimento do hospital. A atendente, uma mulher loira de olhos castanhos, falava ao telefone e nem mesmo a olhou quando se aproximou e colocou ambas as mãos no balcão.— Boa tarde, meu nome é Sara Almeida. Preciso falar com a diretora do hospital, a doutora Tatiana Santana — informou assim que a mulher desligou o telefone e a mirou de cima a baixo com u