Ian
Meu dia foi cheio para a merda e minha cabeça está doendo. Tive duas reuniões demoradas e ainda tenho papéis para ler e assinar.
Olho para o relógio e constato que são sete e meia. Está na hora de eu ir embora e nem está perto de terminar o que tenho para fazer. Sendo assim, acabo optando por deixar o restante dos afazeres para amanhã.
Esse trabalho está me matando e ainda tem a preocupação com meu pai, que está em coma há dois meses. Os médicos não têm uma previsão de quando — e se — ele acordará. Não quero perdê-lo. É um bom pai e sempre esteve ao meu lado, mesmo quando eu cometia algum erro. Agora, a minha obrigação é cuidar dos negócios da família. Algo que está me estressando muito. Vivo com dor de cabeça e com as preocupações invadindo minha mente, fazendo-me perder a razão.
Notei que aqui, na empresa, todos estão correndo de mim. Também... Estou sempre dando ordens e de mau humor. Com toda a certeza, eles me odeiam. E, olha que só estou aqui há uma semana.
Ontem mesmo esbarrei em alguém e nem parei para ajudar a pessoa. Estava tão cheio e atrasado para uma reunião, que isso não tinha passado pela minha cabeça. Até agora.
Escuto batidas leves na porta e vejo minha secretária entrar. Ainda não decorei seu nome. Na verdade, não decoro nomes de mulheres, porque costumo sair com tantas, que todos se misturam. Ela está com um pacote na mão e eu tento, a todo custo, não apreciar as curvas do seu corpo no vestido azul-escuro.
— Senhor Novack, alguém pediu para que lhe entregassem isto. — Coloca a caixa sobre a mesa.
— Quem pediu? — Estou pensativo.
O pacote é estranho e eu não sabia que receberia algo hoje.
— Não sei, senhor. Foi entregue na recepção. A pessoa nem quis entrar para entregar e demonstrava estar chateada. — Exibe preocupação no rosto.
Olho para a caixa com curiosidade. Quem me entregaria isso? A mulher sai da sala, fecha a porta e eu a abro. Fico surpreso ao ver um celular. É igual ao que perdi depois de esbarrar naquela pessoa. A capa rosa cheia de glitter chama a minha atenção e me leva a pensar que alguém está pregando uma peça em mim.
É tudo muito estranho. Quem me entregaria um pacote tão desleixado contendo dentro um aparelho cheio de purpurina? Pego-o, ligo-o e me surpreendo quando vejo meu papel de parede. É o meu próprio celular, o qual deixei cair, sendo devolvido para mim.
Está cada vez mais esquisita a situação.
Curioso, desbloqueio a tela e vejo se tudo está como deixei, porém me surpreendo ao descobrir que a tal pessoa bagunçou tudo nele, trocando os nomes dos contatos e editando fotos com frases irônicas. Quem fez isso?
A minha preocupação passa a ser de que tenham roubado alguma informação minha, prejudicado alguns dos meus projetos ou até mesmo pegado dados importantes.
Mais surpreendente do que receber meu celular de volta com um possível roubo de dados, é ler a mensagem que acabou de chegar.
“Então, bundão... Gostou do que fiz no seu celular? Talvez, na próxima vez, preste mais atenção e não esbarre em pessoas aleatórias na rua, deixando-as com a bunda no chão.”Não sei se é pela ironia ou pelo cansaço em meu corpo, mas rio do que leio. Seja lá quem for, tem bom humor. Contudo, logo noto que pode se tratar de alguém perigoso que me hackeou para conseguir informações minhas.
“Você, estranho, está tentando me chantagear para me roubar mais coisas?”
O mais irônico de tudo é que comando uma empresa que tenta evitar esse tipo de situação. Se o dono foi uma vítima, imagine os clientes. Talvez a pessoa esteja querendo me derrubar ou provar que não fazemos um bom trabalho. O que não posso permitir.
O engraçado é que não sou respondido. O meu tom de rispidez deve ter assustado o provável hacker.
Decido deixar essa história um pouco de lado. Estou cansado e não penso muito bem quando minha cabeça está cheia.
Coloco o celular no bolso e entro no elevador, segurando os papéis que eu deveria deixar para lá, mas decidi levar para casa. Quero concluir alguns trabalhos antes que cheguem mais na manhã seguinte.
Como um idiota curioso, pego o telefone às pressas assim que o sinto vibrando.
“Senhor bundão, se eu quisesse prejudicar você ou roubar seus dados, não precisaria me esforçar tanto. Além do mais, devolvi seu aparelho. Deveria me agradecer por ser mais gentil que o senhor.”
Não sei se isso me tranquiliza. Apesar de louca, essa pessoa pode estar certa. Dentro deste aparelho tem contatos de gente importante na minha agenda. O que seria o bastante para me dar uma bela dor de cabeça.
“Não posso agradecer a uma pessoa que não conheço e que, principalmente, mudou tudo no meu celular.”
Não obtenho resposta.
Assim que chego no térreo, meu motorista já está à minha espera. Entro no carro, ainda pensando no acontecido. Minhas roupas estão cheias de glitter. E, pensando bem nos detalhes, quem está fazendo esse jogo comigo deve ser uma mulher. Glitter, capa rosa... Sem falar da pequena estatura da vítima que foi ao chão no dia anterior.
Como se esse acontecimento fora do comum já não fosse preocupante, ainda tenho a preocupação com o meu pai, que está em uma cama de hospital. Não se vai ou não acordar. Desde o seu acidente, martirizo-me por não ter lhe ajudado da forma como queria e por não ter sido mais presente. Algo que, provavelmente, teria evitado todo esse problema. É por isso que estou tão dedicado agora.
“Posso até sentir sua arrogância de onde estou. Entendo que é um homem ocupado, mas deveria ser mais gentil às vezes. Assim, talvez, fosse procurado por afeição, e não por interesse de piranhas siliconadas.”
Sinceramente, estou com alguma coisa errada na cabeça, pois rio do seu sarcasmo. Não foi nada demais, apenas uma provocação descabida, porém é algo que me alegrou.
“Quem é você e qual é o seu nome? Estou achando que é uma adolescente rebelde que acha que pode brincar com um estranho.”
“Alguns diriam que, de acordo com minha estatura e tipos de roupas que uso, poderia ser realmente uma adolescente. Mas, não se preocupe! Não será processado por abuso de menores. E, quanto ao meu nome, nunca saberá. Não quero nem que sua boca suja o pronuncie. Para meios de comunicação, pode me chamar de Birdpink.”
“Que raio de nome é esse? Aposto que não é muito criativa.”
“Não sou. Por isso falei algo que estou vendo em um pôster, no metrô.”
“Acha que conversar de forma irônica comigo vai me punir pelo que fiz? Porque não estou exatamente irritado. Achei que fosse alguém perigoso, mas vejo que é apenas uma mulher que deseja um pouco de atenção. E, para falar a verdade, estou me divertindo.”
“Está me chamando de egocêntrica? É você quem está se aproveitando do meu tempo.”
“Foi você quem começou a mandar mensagens, passarinho.”
“Foi uma péssima ideia.”
A conversa que começou estranha está me distraindo do dia tedioso que tive. Acho que o passarinho está mais irritado do que eu.
“Desculpe-me por ter a derrubado ontem. Foi uma grosseria não ter a ajudado. Na verdade, isso teria acabado com o mistério, passarinho. Você me deixou curioso para saber qual é o seu rosto.”
Ela não me responde imediatamente e eu me surpreendo pela minha espera ansiosa. Nem tinha notado que o carro já estacionou na garagem do prédio e devo confessar que quero continuar a troca de mensagens.
No elevador, fico tentando imaginar a mulher com quem me esbarrei. Se eu não tivesse sido tão desatento e, como ela mesma disse, um bundão, poderia saber sua identidade. Talvez seja uma estranha que, ocasionalmente, estava passando pela TEC Corporation ou uma funcionária. Mas não acho que algum funcionário teria coragem de fazer tal coisa. Eles parecem me odiar. Mas se for, seria interessante conhecê-la.
Assim que abro a porta, Hunter vem muito feliz ao meu encontro. Esse Poodle foi um presente da minha mãe para mim. Ela disse que eu era muito solitário. Claro... Não sabia sobre as visitas femininas frequentes a este apartamento.
Como um idiota, pego o aparelho telefônico assim que ele vibra. Apesar de não gostar do que a mulher fez com ele, surpreendentemente, ela está me cativando.
“Está, mesmo, pedindo desculpa?”
“Nem sempre sou um bundão. E admito que errei. Se nos encontrarmos novamente, posso até te pagar um café como um pedido de desculpa.”
“Não vai rolar. Mas, talvez, se chamar algumas das muitas mulheres de sua agenda, elas poderão te fazer companhia.”
“Não se preocupe! Meu interesse é puramente investigativo. Não quero que me interprete mal.”
Minha curiosidade, de fato, está ficando aguçada. Essa mulher conseguiu me prender em uma conversa enquanto as outras só falam em roupas e bolsas caras.
“Fico feliz. Eu nunca iria querer ser mais uma em sua lista. Uma longa lista. E não pensei nisso, mas devo continuar no anonimato.”
Eu rio, sento-me no sofá e encaro o celular como se, em meses, estivesse fazendo a coisa mais empolgante.
Esse passarinho acha que conseguirá resistir a mim?
“É impressão minha ou está com medo?”
“Não conte piadas, bundão! Não tenho medo de você. Acontece que prefiro me manter a uma distância segura.”
“Claro. Porque tem medo de não resistir.”
“O seu egocentrismo chega na atmosfera, bundão.”
O mais interessante de tudo é que não desejo parar de falar com ela. Ainda nem tirei os sapatos ou afrouxei a gravata; só consigo olhar para a tela e esperar pela sua resposta.
“Torço para me esbarrar em você outra vez, somente para te ouvir falar essas coisas olhando em meu rosto.”
“Espero que isso nunca mais volte a acontecer. Não sou alguém confiante o bastante para dizer na cara tudo que penso.”
Essa mensagem me faz rir.
“Tenho que ir, senhor bundão. Amanhã acordarei cedo, e ainda tenho que terminar um trabalho.”
“Logo agora, que estava ficando animado.”
“Boa noite, senhor bundão!”
“Gostou mesmo da minha bunda. Não para de falar dela.”
“Já vi melhores.”
“Vou acreditar em você.”
A falta de resposta me deixa frustrado, no entanto acabo me lembrando do quanto isso é ridículo. Nem faço ideia de quem é a mulher e já quero ser amigo dela?
Deixo o celular de lado e vou para o banho a fim de esfriar meu corpo e buscar relaxamento. Em nenhum momento a minha cabeça deixa de pensar na estranha com quem me esbarrei.
Comecei o dia pensando que ele seria mais um estressante e chato, mas até que a surpresa me deixou feliz.
Assim que acordo, lembro-me do celular e, como um tolo, verifico se tem mais alguma mensagem da mulher misteriosa. Não tem nenhuma. É decepcionante, e me irrito comigo mesmo por pensar assim.Resolvo cuidar de tudo para começar o trabalho. Tomo banho, coloco um terno cinza e arrumo os cabelos em frente ao espelho.Meu pai sempre se orgulhou de ser pioneiro no ramo de proteção de dados. Era um leigo no assunto, mas um mestre em administrar.Com o crescimento da internet, também cresceram novas oportunidades de roubar. É por isso que a TEC Corporation se especializou nessa área e hoje trabalha com diversas empresas, bancos e pessoas que fazem parte desse meio digital.Depois de pegar os papéis que trouxe ontem para casa, enfio-me no elevador, que desce até o estacionamento. Meu motorista já está à minha espera. Quando entro no carro, resolvo dar atenção aos documentos. Ontem não consegui resolver nada, pois só pensava na estranha, mas hoje resolvi esquecê-la e focar em trabalhar.Chego
EmmaNão sei por que mandei mensagens para ele, nem por que conversamos. É loucura! Ian é meu chefe, um egocêntrico safado.Talvez seja a falta do que fazer ou a solidão. Só isso para justificar tudo que está acontecendo.Devo confessar que ele é engraçado, embora seja irritante. E, apesar de saber disso, ainda quero receber e responder suas mensagens.Não posso negar que senti um pouco de medo e que até agora sinto. Não fiz nada demais, porém, com a fama de chefe que ele tem, devo me prevenir e não dar muita pinta, para não correr o risco de topar com ele e ser reconhecida de alguma forma.O pior é que assim que virei o quarteirão, eu o vi. Ele estava lindo, trajando um terno cinza. Sua bunda fica maravilhosa na roupa mais justa e seus cabelos estavam sendo levados pelo vento, mesmo não sendo tão longos. O homem é lindo, quase um deus. Se não fosse tão arrogante...Fiquei feliz quando o vi entrar no prédio. E, para disfarçar, esperei alguns minutos do lado de fora.Quando trabalho, a
EmmaHoje, correr com Bia tagarelando sem parar no meu ouvindo, salvou-me de ficar pensando em Ian Novack, meu chefe arrogante. Ele é como um parasita em meu cérebro, que perturba até os meus sonhos.No entanto, agora estou na frente da televisão, olhando para algo que passa, e não paro de pensar nele. Estou exausta, e nem mesmo o banho me relaxou depois daquele episódio no trabalho. O que nem foi grande coisa.Uma parte de mim deseja ser notada, aparecer em seu escritório e dizer na sua cara linda tudo que penso, mas a outra, medrosa e tímida, grita ao meu ouvido, dizendo o quanto seria ridículo e errado chamar a atenção do chefe depois de tudo que já fiz. Não é uma boa ideia.Não me importo se o bundão disse que não me demitiria e que não foi grande coisa o que falei a ele durante todo este tempo. Sei que se me visse pessoalmente e concluísse que a Birdpink não é grande coisa, com certeza se enfureceria e me mandaria embora.Meu coração vai à boca quando o celular vibra ao meu lado.
IanNão sei o que está acontecendo comigo. Desde que comecei a conversar com aquela estranha, não paro de pensar nela ou em como ela pode ser, na cor de seus olhos, dos cabelos, em como se veste... As únicas coisas que sei dela até o momento é que tem uma tatuagem, que sua pele é pálida, que trabalha na minha empresa e que é tímida. Mas, por trás do seu anonimato, é sincera e provocante.Todo esse mistério está me deixando louco; e uma mulher nunca conseguiu isso de mim. Estou fascinado por ela como se fosse uma necessidade saber sua identidade, seu nome, onde vive e com quem.Não acho que o passarinho tenha algum namorado, mas pode ter algum pretendente.Hoje, mesmo, senti que deveria sair do meu escritório só para buscar por uma pessoa que eu nem sabia quem era.É loucura. Estou ficando louco.O pior de tudo é que sempre quero mais dela: mais informações e mais uma mensagem.Ela foi a primeira mulher que me fez dizer tudo aquilo sobre mim, porque a maioria que sai comigo só fala ban
Ian— É muita tecnologia. — O homem está abismado com a sala onde é armazenada milhares de combinações numéricas que representam os dados de cada empresa para a qual trabalhamos. — Nunca vi algo igual.— Todos os anos essa ala cresce para acompanhar o número de empresas com quem temos parcerias. — Observo atentamente o senhor Phil, que se estica, tentando ver até onde vão os equipamentos da sala. — Tudo é monitorado vinte e quatro horas por dia e temos um sistema de climatização para que os servidores não se danifiquem. Além do mais, nossos funcionários são capacitados para resolver qualquer problema.— E vocês cobrem qualquer prejuízo se isso acontecer? — Levanta as sobrancelhas grossas ao me olhar.— Claro. — Coloco um sorriso no rosto, sendo que não estou nada fel
Emma O que está acontecendo comigo? Ian Novack sabe me deixar louca. Como se a amizade que dizemos ter, fosse algo tão importante e vital para a minha vida! Ele estava a poucos centímetros de mim, encarando minha nuca, causando arrepios pelo meu corpo todo e outras reações idiotas que desejei rejeitar a todo custo. Meu chefe é charmoso, e ver suas fotos me deixa boba. Eu senti que ele estava a poucos passos de mim e seu perfume sutil me deixou de quatro, no chão. Mas não como foi na última vez. Ele está frustrado, assim como eu. Por isso decidi acabar de vez com nossa brincadeira. Eu fui culpada por ter a começado, então terminei com ela. Saio atrasada do trabalho, já imaginando que perderei o metrô para chegar cedo em casa. Assim que ponho os pés para fora do prédio, Ian sai com uma expressão nada legal. Meu coração quase salta pela boca e o desejo de ir até ele, vem até mim. Não é como se tivesse sido semanas ou meses de conversa, mas o pouco que falamos um com outro foi suf
— Saia do meu apartamento e só volte quando deixar essa loucura de lado! Caso contrário, nossa amizade acaba aqui. — Tento reprimir a insegurança e a decepção que me tomaram depois do que ela me disse. — Está sendo malvada porque odeia quando estou contra você. Até tem razão em algumas coisas, mas, como minha amiga, não deveria dizê-las. Eu não faria isso com você.O arrependimento no seu rosto é evidente, contudo não mudo de ideia. Saio da sua frente e vou até o banheiro. Estou muito cansada para continuar brigando. Eu queria ajudá-la, pois, claramente, seu novo “trabalho” não é confiável.Logicamente, não posso julgar nada que não conheço, porém sei quando algo vai dar errado. Muitas meninas já se envolveram com essas coisas e nada terminou bem para elas, pois os homens costumam achar que podem usar e abusar delas, prometendo-as tudo só para, no fim, saírem vencedores.Eu não sei se Ian é como essas pessoas, já que mal o conheço e agora nem dá mais para conhecer. Tive que acabar com
EmmaSabe quando você entende o quanto é errado fazer algo e, mesmo assim, faz? Estou passando por essa situação. Duas semanas de intensas conversas com meu chefe, Ian Novack, mostraram para mim o quanto sou idiota e boba.Primeiro: claramente, eu estava me apegando a ele e, arrisco-me a dizer, gostando dele. Ian é um babaca egocêntrico e, quando se estressa, é arrogante com todos que estão em sua frente. Desde que começamos as conversas, isso veio diminuindo um pouco, assim como o desejo dele de me encontrar.Gosto de ver que o chefe que todos odeiam, no fundo, não é tão odiável. Sempre que ele está entediado ou tem novidades, manda-me mensagens de textos ou me liga quando chegamos em casa. Falamos sobre muitos assuntos, como, por exemplo, dos pais dele ou da vida boemia que ele tinha antes de tudo acontecer.É estranho falarmos de coisas que nunca falei abertamente com ninguém, nem mesmo com Bia, que ainda está chateada comigo. Também estou com ela.O pior de tudo é notar como estou