capítulo 11

— Saia do meu apartamento e só volte quando deixar essa loucura de lado! Caso contrário, nossa amizade acaba aqui. — Tento reprimir a insegurança e a decepção que me tomaram depois do que ela me disse. — Está sendo malvada porque odeia quando estou contra você. Até tem razão em algumas coisas, mas, como minha amiga, não deveria dizê-las. Eu não faria isso com você.

O arrependimento no seu rosto é evidente, contudo não mudo de ideia. Saio da sua frente e vou até o banheiro. Estou muito cansada para continuar brigando. Eu queria ajudá-la, pois, claramente, seu novo “trabalho” não é confiável.

Logicamente, não posso julgar nada que não conheço, porém sei quando algo vai dar errado. Muitas meninas já se envolveram com essas coisas e nada terminou bem para elas, pois os homens costumam achar que podem usar e abusar delas, prometendo-as tudo só para, no fim, saírem vencedores.

Eu não sei se Ian é como essas pessoas, já que mal o conheço e agora nem dá mais para conhecer. Tive que acabar com essa loucura antes de sair magoada dela.

Ele estava louco para me ver, no entanto, assim que pusesse seus olhos azuis sobre mim, ficaria decepcionado. Hoje foi um teste. Quando se aproximou, ainda assim não pensou que a garota com quem conversava, pudesse estar em um espaço escuro, olhando para um computador e vestida como uma estranha.

Odeio me ver em vestidos chamativos e meu corpo não é lá essas coisas, embora tenha partes interessantes nele; também nunca sofri abusos, nem nada. No entanto, chamei a atenção de uma pessoa errada que usou da minha inocência e curiosidade para me colocar no meio de um furacão.

Minha mãe, como uma mulher religiosa, quando isso aconteceu, disse que a culpa foi minha, por ser inconveniente, perguntar demais, não ir à igreja, e muito mais. Usou esse acontecimento para me punir e me fazer acreditar que o erro foi eu, não outra pessoa. E, desde esse dia, ela me fez usar roupas que cobrissem mais o corpo, o cabelo comprido, nunca blusas com decote, jamais saltos... E muitas outras regras sem sentido.

Essas coisas não têm relação com o que aconteceu e eu não devia ter feito o que ela queria, no entanto sempre fui submissa. E, com o tempo acabei me acomodando e me acostumando com a forma de vida com a qual comecei a lidar.

Eu vir para Nova York era para ter sido a minha liberdade, mas ela arranjou um emprego aqui e continuou a me exigir modos e vestimentas específicas. Aí teve um dia em que não suportei tanta coisa e brigamos. Desde então, não nos falamos mais.

Bia sabe de toda essa história e sempre me apoiou, só que agora a usou contra mim.

Não posso dizer que entrar na banheira quente me relaxou, já que minha cabeça não para de pensar em Ian e no que escrevi para ele. Como, em tão pouco tempo, apeguei-me tanto a alguém? Ainda por cima, é o meu chefe arrogante.

No fim das contas, Beatriz está certa: sou tão solitária e medrosa, que afasto as pessoas para não me decepcionar. Conversar com Ian, apegar-me e depois descobrir que ele se arrependeu por tudo, seria terrível. Além do mais, o passado ainda me corrói.

Pensando bem, onde pararíamos com essa amizade louca? Ian Novack é meu chefe, um homem bonito, importante e muito arrogante. Não quero mais problemas para a minha vida chata. Não mais do que os já tenho.

Fiquei tão distraída com meus pensamentos, que só me liguei que ainda estou na banheira, quando notei meus dedos enrugarem.

Será mais uma noite em que ficarei até meia-noite na frente do meu monitor, tentando melhorar o meu sistema de monitoramento e rastreio de dados que estou inventando? Na verdade, preciso de um servidor adequado para o seu desenvolvimento. Meu computador não tem a capacidade ideal para criar algo desse tipo, mas o protótipo já está esboçado, esperando apenas as finalizações numéricas. Quando estiver pronto, meu sistema poderá ser implementado por bancos de dados, como os da TEC Corporation. Dentro dele, será monitorado tudo, desde início, quando os dados são armazenados, ao fim, quando as informações são modificadas ou retiradas. Eu o chamo de soldados, pois protege, vigia e vai atrás das pistas caso algo dê errado, para que não se perca as informações.

Depois de colocar meu pijama confortável e ficar em frente ao computador no qual trabalho em casa, passo um bom tempo apenas encarando o objeto em minha frente. Sei o que devo fazer, só não estou tomando a iniciativa. Parece que os conflitos do dia permanecem me impedindo de continuar.

Qual é, Emma? Você já fez isso antes. Um problema não é tão maior quanto sua inteligência e determinação.

A minha automotivação não ajuda, porém, meu telefone toca ao meu lado, fazendo meu coração quase sair pela boca.

Ele nunca me ligou. Ian nunca me ligou.

Talvez seja um sonho estranho em que minha noite está se tornando um filme de suspense e drama esquisito.

Quase desmaio com a respiração frenética e o coração batendo mais rápido do que um motor de carro. O pior é que meu corpo simplesmente toma a iniciativa de pegar o celular e atender a chamada quando ela está quase caindo.

Por alguns segundos, a linha fica muda e eu acho que pode ter sido um engano dele ou que algo no seu sistema tenha, simplesmente, ligado para o meu número. Contudo, logo ouço sua voz grossa e rouca ao meu ouvido, fazendo os pelos do meu corpo ficarem arrepiados.

— Eu sei que você disse que era melhor pararmos de conversar, e eu mesmo cheguei à conclusão de que era o certo a se fazer, mas não consegui parar de pensar em você, apesar de não te conhecer.

Eu não digo e nem direi um “pio”. Ouvi-lo dizer essas coisas só aumentou a idiotice dentro de mim, pois o sorriso bobo logo tomou conta do meu rosto.

— Sabe, passarinho? Nenhuma mulher no mundo conseguiu chegar tão longe. Claro... eu amo a minha mãe e avó. Mas fora essas duas, nenhuma outra me fez perder o juízo. Confesso que o mistério aumenta mais o meu interesse e a vontade de falar com você todos os dias. Quero saber onde está, o que faz ou até contá-la sobre a reunião chata e a loucura que acabei de fazer. Dispensei a mulher com quem eu teria uma noite fantástica de sexo. — Eu não estava preparada para ouvir isso. Nem sei como reagir. — Enquanto ela falava sobre tudo que aconteceu em Paris, eu só pensava em você, nas suas ironias.

— Provavelmente, eu reviraria os olhos. — Assim que percebo que falei, calo a boca com um tapa.

Alguns diriam que sou exagerada. Contudo, nunca tinha ouvido a sua voz, nem ele a minha. Esse passo me trouxe uma imensa insegurança, como, por exemplo: e se, em algum momento, ele me escutar falar no trabalho e me descobrir?

— Eu fiz isso e ela não se importou. — Rio, esquecendo-me de tudo que acabei de pensar. — Gostei da sua voz. Pelo menos agora sei que não é um velho tarado que está brincando comigo.

— Claro. Até porque você é uma jovem indefesa. — Ironizei.

A quem estou querendo enganar? Quero conversar com ele, mesmo com medo. Posso correr o risco. Provavelmente, não voltará à sala de monitoramento. E, pelo que sei, as vozes no sistema eletrônico se modificam.

— Achei que estivesse o enlouquecendo.

— Você está. Mas o estrago já foi feito. Pelo menos quero ter uma amiga sincera na vida. — E, novamente, sendo idiota, sorrio como se ele tivesse dito algo romântico ou bobo. — Quem sabe, algum dia, você perca o medo e confie em mim para se mostrar?

— Nunca vai acontecer, Ian. — Levanto-me da cadeira e vou até o sofá. Como a noite já está perdida, não adiantaria desligar o telefone e tentar terminar o meu trabalho. — Mas gosto de saber que é um homem esperançoso.

— Você é má. Sabia? — Faz eu sorrir mais uma vez. — Mas, tudo bem. Contanto que continuemos conversando, posso suportar o seu mistério, passarinho.

— Por que me chama assim?

— Seu codinome é Birdpink. Só o melhorei. Fica mais excitante falar “passarinho”. — Usou uma voz sedutora.

Automaticamente, minhas bochechas coram só por imaginá-lo falar perto do meu ouvido.

— Aposto que está envergonhada agora.

— E, como sabe disso? — Sinto-me constrangida.

— Se é tímida o bastante para não me dizer quem é, deve ser duas vezes mais quando o assunto muda para algo mais... safado.

— Não sou tão inocente, bundão. — Essa saiu sem pensar. Normalmente, eu só o chamo assim por mensagem. Falar em voz alta foi estranho.

— Está vendo? Você tem uma obsessão pela minha bunda. Deve ser o desejo de tocá-la. É excitante. — Ian não tem limites e, mesmo a milhares de quilômetros distância de mim, não deixa de me provocar arrepios ou vergonha por algo que nem é tão safado, mas que não estou acostumada a ouvir. — Se bem que a moça da cantina tem um fetiche pela minha bunda. Você é a Catarine?

Não dando para me segurar, rio alto como se tivesse escutado a melhor piada do mundo. O sonoro som da sua gargalhada também corrobora para que eu continue rindo. Meus olhos até lacrimejam.

— Não. Eu não sou a Catarine, nem trabalho no refeitório. Se estivéssemos brincando de quente ou frio, você estaria na geladeira. — Ainda estou tentando me recuperar.

— Você é uma mulher impossível. Vou acabar achando que é fruto da minha imaginação. — Ironizou. — Mas, como eu disse, vou respeitar sua escolha.

— Obrigada, Ian! — Enfatizei o seu nome. — Por que dispensou a garota? Ela estava tão chata, que preferiu conversar com uma estranha? — Acho estranho o silêncio do outro lado da linha e até penso que meu aparelho está com defeito. — Ian? Ainda está aí?

— Sim. Claro. Desculpe! É que não sei o que responder. Na verdade, eu só queria que o jantar terminasse, para ligar para você e conversarmos.

Não posso negar que gostei da sua resposta. Afundo-me no sofá fofo e sorrio como uma boba por ter sido, minimamente, especial para alguém. Mas logo me lembro que nunca passará disso e que Ian, apesar de não ser tão idiota, é meu chefe gato. Nunca nos conheceremos pessoalmente.

— Tenho que desligar. — Avisei desanimada, mas disfarçando, para que ele não percebesse meu estado. — Ainda não terminei o meu projeto particular.

— Você não é uma psicopata, né? — Ele tem o dom de me fazer rir. — Por que estou começando a achar esquisito esse projeto pessoal.

— Se eu fosse uma assassina, você estaria morto agora.

— Está certa. — Admitiu. — Então, boa noite, passarinho!

— Boa noite, Ian!

Quando desligo a chamada, ainda estou com o sorriso bobo nos lábios. Gosto quando ele me chama pelo apelido; é fofo.

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