Os dias foram se passando agitados, como se o tempo corresse mais rápido do que Selene podia acompanhar. Entre provas do vestido, reuniões com decoradores e ajustes infinitos na lista de convidados, a mansão Vasquez fervilhava. Mas, toda noite, após o turbilhão de afazeres, ela e Aiden se recolhiam ao quarto e assistiam a um filme humano. Era o pequeno ritual deles. Um respiro. A luz suave da tela, a pipoca compartilhada e os sorrisos cúmplices criaram um espaço só deles, longe das obrigações e das formalidades.Porém, como num piscar de olhos, o dia da visita do clã Devereaux chegou.A mansão foi reorganizada para recebê-los. Os Vasquez da Cidade Alta, que haviam se reunido para ajudar na organização do casamento, retornaram para suas residências, liberando os melhores aposentos para os membros do clã mais respeitado em todo o mundo híbrido. Até mesmo o tom dos empregados mudou — estavam mais rígidos, cuidadosos. Havia um temor velado no ar, um respeito que beirava a reverência.Quan
O dia da despedida de solteiro de Aiden e Selene amanheceu quente, com o sol de dezembro castigando os jardins da mansão. Desde cedo, os funcionários corriam pelos corredores ajustando os últimos detalhes da comemoração que havia sido cuidadosamente organizada pelos padrinhos e madrinhas. Era uma tradição Vasquez — os homens e as mulheres se separariam para celebrar em grupos distintos, cada um com seu próprio cronograma.O clã Devereaux, entretanto, não quis participar. Selene não sabia se aquilo a irritava ou a aliviava. Ainda estava se acostumando à presença deles e à estranha sensação de ser observada o tempo todo pela matriarca Vivienne e seus conselheiros de olhares duros.A manhã seguiu arrastada para Selene. Desde o início, a programação feminina se mostrou entediante. Estavam no andar superior da mansão, em uma sala ampla com janelas altas e cortinas claras. Havia espumantes sendo servidos, petiscos delicados e pratos de frutas, mas a verdadeira atividade era o "embelezamento
Selene puxou o capuz para cobrir os cabelos enquanto andava apressada pelas vielas estreitas da Cidade Baixa. O ar cheirava a fuligem e ao suor das pessoas que trabalhavam sem descanso. Ali, o sol parecia nunca brilhar de verdade, e as sombras dos altos muros da Cidade Alta lançavam um lembrete constante de onde ela e todos os humanos pertenciam: abaixo.A taberna Luar Pálido era seu destino. Trabalhava lá há meses, limpando mesas e servindo clientes. O dono, um velho rabugento chamado Boris, nunca a tratara bem, mas o pagamento era suficiente para manter o teto sobre sua cabeça e algo para comer.Assim que entrou, Selene foi recebida pelo burburinho das conversas. Híbridos de lobo dominavam a maioria das mesas. A Cidade Alta ficava logo além dos muros, e muitos dos que passavam pela taberna iam em direção à Academia Lupiére — um lugar reservado apenas para mulheres-lobo de linhagem pura.— Chegando tarde de novo? — rosnou Boris do balcão.— Sim, senhor — respondeu Selene, abaixando a
O dia da admissão na Academia Lupiére finalmente chegou. Selene, agora Selene Arctos, estava diante do imponente portão de ferro que separava a Cidade Baixa da Cidade Alta. O brasão da Academia, uma lua crescente envolta por um lobo, brilhava no metal negro, refletindo a luz do sol nascente.Ela vestia um vestido simples, mas elegante, e mantinha o capuz erguido para esconder parcialmente as orelhas falsas. Seu coração batia acelerado, mas ela sabia que não podia vacilar.— Documentos? — pediu o guarda híbrido que vigiava o portão.Selene entregou o envelope lacrado. O guarda abriu, analisou o conteúdo e cheirou o papel, como se esperasse identificar algum cheiro humano. Selene conteve a respiração.— Selene Arctos? — perguntou ele, olhando-a de cima a baixo.— Sim.O guarda assentiu e abriu o portão.— Bem-vinda à Cidade Alta. A cerimônia de admissão começa ao pôr do sol.Selene entrou, sentindo o peso do portão se fechando atrás dela. Era isso. Estava dentro.As ruas da Cidade Alta
O primeiro dia de lições havia começado, e Selene estava determinada a se manter discreta. Cada aula era um teste constante de postura, comportamento e controle. A Academia Lupiére não era um lugar de aprendizado comum — era um campo minado, onde qualquer deslize poderia custar caro.Logo pela manhã, Madame Irina reuniu as jovens no salão principal.— A essência de uma Luna não está apenas em sua beleza ou graciosidade. Está em sua capacidade de observar, adaptar-se e sobreviver. Hoje, iniciaremos o treinamento de estratégia e dissimulação.Selene sentiu os olhares das outras jovens sobre si — algumas curiosas, outras desconfiadas. Mas foi um par de olhos em particular que a fez estremecer.Darius Thornheart estava encostado em uma das colunas do salão, os braços cruzados, observando cada movimento. Ele parecia desinteressado, mas Selene sabia que era apenas fachada.Madame Irina continuou:— Uma Luna deve ser capaz de manipular as percepções ao seu redor, convencer um oponente e se p
Os dias de teste na Academia Lupiére foram intensos. Selene enfrentou provas físicas exaustivas, treinamentos estratégicos e desafios que exigiam controle absoluto sobre seus instintos. Cada etapa parecia projetada para expor fraquezas, mas ela se recusou a falhar. Com determinação e inteligência, passou por todas as avaliações, surpreendendo até os mais céticos.Quando o último teste chegou ao fim, Selene recebeu seu uniforme oficial da academia. Agora, vestida como uma verdadeira aprendiz de Luna, ela se juntava às demais alunas nas aulas rigorosas de liderança, estratégia e combate. O perigo de ser descoberta ainda rondava seus pensamentos, mas, por enquanto, ela estava dentro.Em seu primeiro dia como aluna oficial, a manhã começou como qualquer outra. Selene se esforçava para acompanhar a aula de etiqueta enquanto Madame Megan corrigia a postura das alunas com um olhar afiado.— Coloquem-se como Lunas. Não há espaço para hesitação ou dúvida.Selene ergueu o queixo, ajustando-se
Selene despertou com a cabeça latejando e o corpo pesado, como se tivesse sido atropelada por uma carruagem. Sua pele ardia, especialmente o braço esquerdo, onde sentia uma dor latejante. Quando tentou se mexer, soltou um gemido baixo.— Senhorita Arctos? — chamou uma voz feminina, suave, porém insistente.Selene piscou algumas vezes até focar na mulher de uniforme da Academia, que a observava com uma mistura de impaciência e preocupação.— Levante-se. A senhora Irina e o senhor Thornheart estão esperando. É hora do exame.O coração de Selene acelerou. O exame de sangue.Ela se arrastou para fora da cama, percebendo que ainda usava a mesma roupa da noite anterior. O frasco de feromônio agora vazio estava em sua bolsa. O que eu fiz? Pensou. Sentia o corpo quente, como se estivesse febril, e cada passo parecia pesado.A funcionária a guiou pelos corredores silenciosos até o laboratório da Academia. Selene tentou ignorar o cheiro doce que exalava de si mesma, mas a intensidade do aroma e
Selene permaneceu enclausurada por dias, presa a um quarto simples e abafado, sem janelas ou qualquer forma de ventilação. O ar pesado parecia saturado pelo cheiro que emanava de sua pele, resquícios de um feromônio que ainda se recusava a desaparecer por completo. Mesmo após o fim do cio, o aroma característico dos híbridos lobo não deixou seu corpo, tornando-a ainda mais evidente entre os outros. O tempo passava em uma névoa indistinta enquanto ela tentava recuperar o controle sobre seu próprio corpo, sobre sua própria vontade. Mas o medo continuava ali, rastejando sob sua pele.Os boatos se espalharam rápido. Em pouco tempo, toda a Academia sabia da híbrida que entrara no cio, algo impensável. O espanto deu lugar ao fascínio, depois à especulação. Muitos a viam como uma aberração; outros, como um mistério a ser decifrado. Suas colegas, que antes a ignoravam ou desprezavam, agora a observavam com um misto de inveja e incômodo. Como era possível que Selene, filha de uma loba solitári