No exato dia em que Arthur Costa, meu marido, se debruçava sobre panelas na cozinha preparando comidas para Helena Lopes, sua amada, meus sogros foram sequestrados. Desta vez, não bloqueei seu caminho quando partiu para socorrê-los. Me limitando a discar para a polícia com mãos firmes. Sabia cada movimento dessa coreografia macabra. Afinal, eu havia renascido. Na minha vida passada, ao impedi-lo de auxiliar a amada, conseguia que convencia os sogros a se trancarem em casa, escapando do sequestro. No entanto, Helena sofreu um corte mal cuidado que gangrenou, lhe custando o braço. Arthur jamais pronunciou acusações, mas exatamente um ano depois, com meu ventre curvado por nove meses, me enganou com juras de reconciliação. Ele me levou a um penhasco deserto onde suas mãos me empurraram ao abismo. — Se não tivesse barrado meu caminho naquela noite, seria ela inteira! Toda essa desgraça escorre de suas mãos! Por que foi ela quem perdeu um braço? Você é que devia apodrecer no inferno! Sua víbora! Seu monstro! — Ele rugiu, com uma voz repleta de ódio. Despenhada nas rochas, carregando em meu útero o fruto de nosso amor envenenado, expirei com pupilas gravadas de maldições não pronunciadas. Na minha segunda chance, deixei Arthur sair para cuidar de Helena. Quando retornou, trazia nos ombros o peso de escolhas irrevogáveis. Desabou de joelhos no chão, o rosto sulcado por uma máscara de agonia que lhe acrescentou década à fisionomia em meras 24 horas.
Ler maisDepois de resolver minhas pendências, voltei pra casa e fiquei uns dias descansando. Meus pais, anjos de paciência infinita, jamais apontaram dedos acusatórios pelo divórcio. Só queriam saber se eu tinha passado por humilhações durante esses anos. Senti um calor reconfortante tomando conta do peito, me arrependendo amargamente daquela decisão impulsiva de me casar. Como fui cega a ponto de trocar esse porto seguro pelo vendaval que foi meu casamento? Tinha raízes sólidas, asas forjadas em diplomas, um coração que já havia batido em liberdade antes de se enclausurar na masmorra do "amor".Um sorriso renascido florou em meus lábios ao declarar:— Minha verdadeira vida começa hoje. De agora em diante, não me dobro mais a caprichos alheios.Na quinta manhã de reconstrução, o telefone estridente fendeu minha paz matinal. Do outro lado, voz burocrática ecoou: — Srta. Bruna, Arthur Costa cometeu homicídio. Se encontra detido na...Interrompi o fluxo com frieza cirúrgica: — Desculpe interr
A decisão que Arthur não teve coragem de enfrentar, assumi por ele. Anos suando em negócios que construí sozinha, minha empresa finalmente com alicerces firmes. A herança dos sogros? Recusei na hora. Brigar por migalhas com viúvo desamparado nunca foi meu estilo.Deixei o apartamento conjugal levando só minhas malas. Em dias seguintes, fechei todos os detalhes com o advogado. Só restava ultrapassar o último obstáculo: a rubrica final de Arthur.O ar do IML pesava com mistura de cera e desinfetante. O tio de Arthur parecia ter envelhecido dez anos em 48 horas. Ao me ver, me agarrou o braço com força de afogado.— Bruna! Sabia que não abandonaria o Arthur! Ele está lá... Fala com ele, pelo amor de Deus...Engoli o nó na garganta e empurrei a porta metálica. Mal dei dois passos, esbarrei num vulto encolhido no chão - não cadáver, mas algo mais triste.— Arthur? — Exclamou, surpresa, reconhecendo o terno de seda amassado. O homem no chão ergueu o rosto - cabelos grisalhos, olhos vermelhos
Deslizei o acordo de divórcio pela mesa até Arthur, mantendo o tom suave, porém firme: — Chega, Arthur. Quero o divórcio.Seu maxilar tensionou enquanto um sorriso ácido lhe deformava os lábios. — Você está falando sério, Bruna?Mantive o olhar fixo no dele, imóvel. — Como a aurora depois da noite.Ele agarrou a caneta com ar desdenhoso, como se estivesse anotando uma lista de compras.— Ótimo! Só não apareça depois chorando no meu portão, hein? Já passou da idade para pantomimas.Deixei escapar um sorriso de canto de boca e respondeu com firmeza: — Nem no seu enterro.A caneta dançou sobre o papel num movimento fluido, deixando a marca negra de sua letra angulosa. Foi quando Helena irrompeu como um furacão de chiffon.— Espera aí! — Ela arrancou o documento de minhas mãos, seus olhos escaneando as cláusulas. O rosto lhe descorou, e gritou. — Arthur! Olha a parte patrimonial! Essa sanguessuga quer sugar até os ossos dos seus pais! Eu não permito!Arthur arrebatou o documento como q
Ao concluir meu depoimento na delegacia, já me encaminhava para a saída quando esbarrei na silhueta do tio de Arthur bloqueando a entrada. Pelo olhar devastado, era óbvio que já tinham lhe dado a notícia.Um riso cortante lhe escapou ao me avistar, cada sílaba pingando veneno: — Que palhaçada sem graça! Armou todo esse teatro, chegou a subornar agentes públicos para sustentar sua farsa?Mantive os olhos fixos no chão de cimento gelado, respondendo em tom monocórdio: — Acha mesmo que tenho influência para comprar policiais e orquestrar pantomimas? Os corpos dos meus sogros já estão no IML. Melhor correr para avisar Arthur.A menção ao agente de uniforme que me acompanhava fez sua tez adquirir a tonalidade de giz.— Para com essa... Com essa brincadeira de mau gosto! Isso não tem graça. — Ele empalideceu de repente e disse com voz trêmula. — Bruna, confessa que é mentira! Eu juro que não vou te denunciar!Observei impassível o homem se desintegrando como areia movediça. Quando abri a b
Ao encerrar a ligação, o policial sacudiu a cabeça com o rosto nublado de preocupação. Mesmo com a chamada direta dos sequestradores, o rastreamento continuava impossível.Ao me virar, encontrei Valentino paralisado a alguns passos. Seu rosto tinha perdido todas as cores e as palavras saíam entrecortadas: — Bruna, meus tios foram realmente sequestrados? Mas o Arthur me jurou que era tudo armação sua...Ignorei sua perplexidade e não tinha ânimo para explicações, cortando seco: — Ligue para ele. Agora. Conte a verdade. Meus olhos não saíam do relógio. Como o tio do Arthur, dono de uma fortuna, ainda não tinha transferido os cinco milhões? Após minutos de espera inútil, decidi ligar.— Bruna? — A voz envelhecida ecoou na linha. Abri a boca para falar, mas ele antecipou com um suspiro carregado. — Bruna, mentira tem perna curta. Naquela família, só seus sogros te toleram, ninguém realmente se importa com você. Até quis te ajudar por pena, coitadinha... Mas até a piedade tem limite. Se
Mesmo sob a ameaça explícita dos sequestradores de não envolver as autoridades, após minutos de reflexão intensa que pareceram horas, decidi desobedecer.Questões de vida ou morte exigiam intervenção especializada.Mal terminei de fornecer as informações às autoridades, me pus a caminho da delegacia com passos firmes.Reconheci o nome na tela e, embora hesitasse por um instante, atendi a chamada.— Acha graça em inventar histórias? — Rugiu Valentino, o primo de Arthur, sua voz carregada do habitual desprezo. — O que o Arthur fez para merecer essa sua falta de noção?Agarrei o aparelho com força contida, me lembrando de como toda a família do meu marido, exceto os queridos sogros, sempre me tratava como intrusa.— Foi o próprio Arthur quem te contou essa versão? — Retruquei, deixando a pergunta pairar no ar como um desafio.O silêncio súbito confirmou minhas suspeitas. Uma risada seca me escapou involuntariamente.— Como agente da lei. — Prossegui, controlando cada sílaba. — Você recebe
No exato instante em que Helena, amada de Arthur, chegava, meu celular tocou. A voz rouca do sequestrador ecoou na linha:— Preciso de 20 milhões! Uma hora para deixar o dinheiro debaixo da ponte central. Se chamar a polícia, vou matar os reféns na hora!Por instinto das memórias da vida passada, ativei o viva-voz. Arthur ouviu tudo, seu rosto endurecendo como mármore.— Tão desesperada para afastar Helena, Bruna? — Sua gargalhada cortou o ar como navalha. — Montou esse teatro com meus pais?Dessa vez, nem lágrimas, nem súplicas. Em vez disso, respondi com uma calma que surpreendeu até a mim mesma: — Não estou encenando nada. Seus pais estão com sequestradores. Precisamos de 20 milhões para o resgate. Vá buscar o dinheiro agora.Arthur olhou para mim com frieza, sua expressão impenetrável. — Por não te amar, resolveu me assaltar?Eu conhecia cada dobra daquela alma há vinte anos. Havia salvado-o de um acidente na infância, e as famílias nos amarraram num noivado. Sabia do nojo que se