Uma Chance

— Mary, querida, hoje está um lindo dia! Uma pena que não possa ver já que seu banho de sol foi cortado. Sabe, é difícil achar funcionários hoje em dia e aquele que você estraçalhou me fez muita falta. — sorriu e chegou mais perto. — O quê? Não irá rosnar? Mostrar esses dentes...

Permaneci imóvel, olhando-a. Carmem era bastante jovem, era impressionante como uma mulher de beleza angelical poderia ser tão ruim, além disso, era de total confiança do dono desse laboratório, eu o vi apenas uma vez, era horripilante e talvez mais cruel que ela.

Amaro me ajudou a deitar na maca fria no meio da sala. Passou as travas de couro por cima dos meus quadris, ombros e pernas. Nos pulsos e tornozelos tinham o mesmo modelo que o da cadeira: um metal reforçado.

A bata que usava foi levantada até meus seios, expondo minha barriga. Carmem se ajeitou na cadeira e despejou o gel frio na minha pele para em seguida passar o aparelho de ultrassom.

Continuei com os olhos atentos a ela, seus cabelos loiros estavam bem presos a ponto de não ter nem um fio solto, os olhos castanhos claros eram bem visíveis através dos grandes óculos de grau. Até mesmo os lábios com um batom rosa suave camuflavam a crueldade em seu coração.

— Olha só a minha lobinha. — Ajeitou os óculos de armações douradas em seu rosto enquanto olhava para o monitor. — Está no peso certo, tudo bem formadinho, o tamanho também está ok. ― Passou o aparelho por mais lugares na minha barriga. — Ela está tão bem que talvez não precise esperar até o final da gestação para tirá-la.

Enfureci-me com esse comentário, minhas garras saíram assim como os dentes se alongaram deixando o rastro de sangue na minha boca, me debati contra a maca sem obter êxito. As amarras eram feitas para mim.

― Calma, querida. — Sorriu. — Como você não desenvolveu os genes totalmente, estou esperançosa que nossa princesa complete a transformação. Deveria estar feliz por isso, apesar de não conseguir traduzir aquele seu livro, estou satisfeita com o resultado dos testes. Agora vamos dar uma espetadinha nessa barriga linda.

Debati-me mais sobre a maca em fúria e medo. Ela colhia o sangue da minha bebê para fazer exames, para estudá-la na esperança que nascesse uma lupina completa.

O fato de eu nunca ter completado minha transformação frustrava Carmem, então ela aumentava a dose de crueldade. Choraminguei quando ela introduziu aquela longa agulha na minha barriga. Minha bebê estava sofrendo, eu pude sentir. As lágrimas escorregaram sobre minha pele, talvez nós duas devêssemos morrer e encerrar essa maldição.

— Pronto. Viu? Nem doeu tanto assim. — Sorriu e eu me debati mais uma vez, se eu pudesse me soltar arrancaria sua cabeça. — Pode levar, Amaro. — Deu-me as costas para colocar o sangue colhido em um frasco.

Continuei a debater-me tentando me soltar, mas então algo me fez parar. Amaro colocou um objeto na minha mão discretamente. Em seus olhos um pedido para que eu ficasse quieta. Agarrei o objeto que parecia um cartão como se minha vida dependesse daquilo.

Fui tirada da maca e presa novamente na cadeira. Ele empurrou-me pelos corredores em silêncio, foi assim até o elevador, não ousei falar. Assim que apertou o botão e as portas fecharam, ele posicionou-se de costas para a câmera de segurança e falou baixo:

— Creio que saiba que uma vez ao mês o sistema de segurança reinicia automaticamente. — Amaro manteve sua expressão calma.

Sim, eu sabia. Eu passava o tempo todo buscando maneiras de fugir dali.

— Dura exatamente vinte minutos para reiniciar e durante esse tempo, as câmeras não funcionam, mas as portas podem ser abertas manualmente com este cartão que te dei. Durante esses minutos a segurança fica às cegas, não chega nenhum aviso até eles.

As portas se abriram e olhei para o longo corredor, estava atenta a tudo que falava.

— Por coincidência, esse dia será hoje à noite. Talvez seja sua noite de sorte, loba... ou não. — Não havia emoção em sua voz, podia tratar-se de uma armadilha, mas eu não ia desperdiçar a chance, nem que eu morresse.

….

Esperava ansiosa e minhas mãos suavam. Eu já tinha feito minha rota mentalmente, conhecia bem o prédio, tudo era memorizado cada vez que me tiravam da cela. Cada saída para um banho de sol, ou para fazer algum exame. Tudo era aproveitado.

Vi exatamente quanto a luz da câmera apagou, levantei rápido, não tinha tempo a perder. Por ter os genes lupinos eu era mais resistente, mais ágil mesmo com a barriga grande. Meu corpo oferecia uma proteção maior ao bebê, comprovei isso depois de apanhar durante a gestação, eles chutaram minha barriga e me espancaram bastante, isso foi quando matei um segurança, o estraçalhei. Depois disso, Carmem fez exames murmurando um: "incrível".

O cartão realmente funcionou, abri e fechei a porta ao sair, se tudo desse certo, iria conseguir sair sem ser notada. Corri pelo corredor e subi as escadas, era apenas um andar até a administração, acima ficavam os laboratórios. eu tinha que chegar até a sala de Carmem para buscar o livro.

Abri a porta das escadas devagar e no meio do salão havia um segurança, ele estava caminhando justamente na direção da sala dela, então, eu não tinha escolha.

Corri com as garras alongadas em direção ao homem que não teve tempo, cortei sua garganta antes que sacasse a arma.

A sala estava fechada e o cartão não abria, não podia sair de lá sem o livro. A porta de vidro não parecia ser reforçada, então peguei um extintor de incêndio e a quebrei.

Procurei pela sala, em meio aos papeis, livros e dentro das gavetas, não estava lá. O tempo estava acabando e com certeza ouviram o barulho no momento em que quebrei a porta, logo estariam ali

Havia uma porta de vidro interligando àquela sala, não pensei duas vezes, não tinha tempo, já ouvia os seguranças chegando. Ainda com o mesmo extintor quebrei o vidro. Meus pés descalços sangravam pelos cortes por andar por cima dos cacos, mas logo se curariam.

Não importava, eu já havia me acostumado com a dor.

O livro estava em cima de uma bancada em meio aos papeis, o peguei rápido e saí da ante sala.

— Parada!!

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