Nascimento

— Tem, mas você não vai abrir a porta, pode ser uma armadilha para um assalto.

— É uma mulher ferida, Otávio! — afirmei já abrindo a porta.

— Janete! Que mulher teimosa.

A mulher se agachou, estava muito ferida, a bata que cobria seu corpo estava ensanguentada. E pior, ela estava grávida.

— Me ajude, por favor… — suplicou e se afastou para se escorar em uma árvore. — Minha bebê vai nascer, me ajude.

— Podemos levá-la ao hospital. Vem — Peguei em seu braço na intenção de ajudá-la a levantar, mas ela me impediu ao colocar sua mão por cima da minha.

— Não vai dar tempo, está na hora. E não posso ir para o hospital, eles irão levá-la de volta para aquelas pessoas. Por favor, me ajude, não permita que ela vire uma cobaia.

Apesar de não fazer ideia do que a mulher estava falando, pude sentir o seu medo, havia uma fraca iluminação da lua, ela estava cheia e bem alta no céu devido a hora. A mulher grunhiu se contorcendo, segurando a barriga.

— Ela vai nascer agora, por favor…

— Otávio, afaste o carro e foque a luz do farol aqui! — pedi e rapidamente fui atendida.

Agora com seu corpo iluminado pude ver realmente o estrago, ela tinha ferimentos de bala e muitos cortes pelo corpo. Devia estar fugindo. A mulher puxou sua bata expondo sua barriga, mas a surpresa veio quando olhei em seus olhos, estavam amarelos, brilhantes e animalescos; eles não estavam assim antes, eu tinha certeza.

Diante dos meus olhos as unhas cresceram assim como os pelos, eu me afastei por impulso, assustada. Nunca havia visto nada igual. A mulher gemeu de dor.

— Por favor, não irei te machucar, apenas salve a minha filha — disse chorosa.

Otávio segurou em meu ombro na intenção de me parar, mas eu não podia negar, ela precisava de ajuda, mesmo não parecendo totalmente humana. Eu tinha que confiar que ela não me machucaria.

Não tinha experiência nenhuma com isso, eu era professora e não médica, mas mesmo assim, me abaixei na frente dela.

Um vento mais forte passou por nós, agitando as folhas secas, mexendo os galhos das árvores. A criatura começou a colocar força acompanhando as contrações da sua barriga. Ela travava os dentes para segurar os gemidos de dor. Posicionei-me para segurar o bebê assim que saísse, o que não demorou.

O choro foi alto, segurei em meus braços aquele ser tão frágil e pequeno, era uma menina assim como a mãe havia dito.

Aproximei a bebê dela na intenção de colocar em seu colo, mas ela não pegou, apenas cortou o cordão umbilical com uma unha longa. Inesperadamente, o lugar do corte cicatrizou rapidamente. Ela acariciou levemente a cabecinha da bebê que parou de chorar como se reconhecesse a mãe.

— Agora é a sua vez, meu amor, espero que consiga cumprir o seu destino e, que seja melhor que o meu. — A mulher olhou-me antes de continuar. — Por favor, cuide dela como se fosse sua, a ame e ajude quando ela precisar. — Entregou-me um livro que estava ao seu lado. — Esse livro tem a nossa história, ele não pode se perder e nem cair em mãos erradas, é a única herança que posso deixar a ela. Não a deixe ser capturada. Não a deixe virar um experimento assim como eu fui. Agora vai, eles estão perto, não podem achá-la.

— Vamos, te ajudo a levantar. Não podemos deixá-la para trás.

— O meu tempo já acabou nesse mundo, usei toda a minha força para fugir do cativeiro e mantê-la a salvo. — Ela alisou mais uma vez os ralos cabelos claros na cabeça do bebê em meus braços antes de levantar e escorar na árvore. — Agora é a vez dela. Se puder, a chame de Aurora, sempre achei lindo esse nome.

A mulher se afastou e entrou na mata. A última coisa que vi, foram dois pontos amarelos sumir na escuridão.

— Vamos embora, Otávio, volte para a cidade.

Otávio não disse nada, diante de tudo, não havia palavras para explicar aqueles acontecimentos. Fui até o porta malas e peguei uma toalha na bolsa, a bebê parecia estar dormindo, então apenas a enrolei com cuidado, ela precisava de um banho e alimento.

Quando entrei no carro, liguei a luz interna para que pudesse olhá-la melhor. Era tão linda. Ela abriu os olhos revelando a cor amarela, as bordas escuras apenas destacavam a cor clara e brilhante, olhava-me com atenção e logo o amarelo deu lugar ao azul, tão bonito como um diamante lapidado

Sim, eu iria protegê-la, com a minha vida se fosse preciso.

Minha pequena Aurora

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