Stephen havia se remexido, irrequieto, quando viu Serena debruçar-se sobre o teclado do seu companheiro de trabalho, favorecendo aos espectadores atentos com uma boa parcela de seus atributos posteriores, arredondados e convidativos, mas quando ela se sentou e começou a cantarolar A-ha com tanta suavidade, aí sim sentiu sua imaginação de fato voar. Fantasiou fazer amor com aquela sereia à beira mar, quando o entardecer e as gaivotas enfeitavam o céu, e o calor era suficiente para deixá-los ainda mais dispostos para um sexo criativo e desinibido.
O olhar dela subitamente vindo pairar sobre ele foi um prêmio à parte. Teve vontade de levantar e ir ao seu encontro, tirar-lhe do palco e levá-la imediatamente ao seu apartamento para se amarem a noite inteira. Que mulher tentadora! My God!
Pelo que conhecia de cantores de boate — e aquele bar parecia uma — Serena estava desacelerando o público para fazer uma pausa ou encerrar seu trabalho por hoje, então ele manteve-se mais atento ainda aos seus movimentos, preparando-se para partir para o ataque a qualquer momento. Duvidava que ela simplesmente se levantasse e saísse dali, deixando o público no vazio. Por certo ainda haveria pelo menos mais uma música, que os clientes pediriam, como praticado no mundo todo.
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— Pessoal, agora vocês já sabem, hora da cantora molhar a garganta e os meninos aqui atrás abordarem as damas aí fora! Lúcio, Diogo, Lipe, Gui, a banda Paraíso, aproximem-se! Palmas para a banda, pessoal! — Serena fez um movimento abrangente, mostrando os rapazes bonitos e sorridentes da banda, que se curvaram reverentemente assim que as moças do bar começaram a gritar e bater palmas, num ritual já familiar aos frequentadores.
Serena esperou os gritinhos histéricos e divertidos se acalmarem um pouco e se levantou do banquinho:
— Quinze minutos, pessoal!
Contrariando as expectativas de Stephen, a cantora deixou o palco rapidamente, sem bis, e desapareceu por uma porta atrás dos instrumentos.
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Stephen saltou da cadeira, praguejando. Correu para o balcão do bar, onde duas moças atendiam, uma fazendo malabarismos com garrafas para os clientes, e outra, mais perto do local em que ele se debruçara, recolhendo copos. As tatuagens da segunda, coloridas e femininas, destacavam-se nos braços de pele clara e combinavam com seus cabelos vermelhos espetados.
— Boa noite.
— Uau! — a mulher ruiva, que recolhia os copos, abriu um sorriso — Boa noite. Sou Luíza, sua bartender hoje.
— Stephen, seu cliente hoje. — Ele abriu um sorriso.
Luíza inclinou um pouco sobre o balcão, perscrutando-o.
— Muito bem, onde estão os outros?
— Outros? — Stephen piscou.
— Sim, querido. Os outros anjos. Você é um deles, né? E costumam andar em bando, que eu sei. Tenho certeza que deixou o céu há pouco, e ouviremos as trombetas de seus companheiros em breve.
Stephen deu uma risada suave e agradável, bem a seu estilo.
Ela apontou-lhe o dedo enquanto escutava a risada:
— Ah! Estou ouvindo o som celestial, estou! — Ela riu, e piscou um olho, encerrando o flerte brincalhão: — Bem, vamos lá, o que vai beber?
— O que Serena bebe? Vou beber com ela.
Luíza empertigou-se, e encarou-o, séria:
— Serena não é acompanhante de solteiros. É uma cantora, senhor estrangeiro.
Stephen detectou rispidez. Não preconceito ou ciúme, mas proteção. Apressou-se em responder:
— Sei. Mas também deve sentir sede, certo?
— Ela não se senta com clientes, muito menos bebe com eles. Só com amigos. Não se deixe enganar pela dancinha sexy, nem pela voz sedutora, ela não é umazinha dessas que estão disponíveis para qualquer coisa. Com ela a parada é séria — respondeu, friamente.
Esse tratamento pouco amigável podia mesmo inibir um homem, pensou Stephen, contendo um sorriso irônico. E o que exatamente queria dizer “parada”? Nunca entendia bem esta gíria carioca que se aplicava para quase tudo. Procurou ser simpático:
— Calma, Luíza, sou do time dos bonzinhos. Porque não posso oferecer uma bebida à cantora?
Ela inclinou o rosto, e um foco de luz refletiu o brilho no piercing em seu nariz.
— Ah, não, meu caro, essa sua carinha de anjo quase me enganou, mas não vou ajudá-lo com isso. Que tal escolher algo para você beber e voltar à sua mesa? Certamente haverá muitas outras moças disponíveis pelo salão, ansiando por companhia masculina esta noite. — Deu-lhe um sorriso frio, bem diferente do tratamento caloroso de minutos atrás.
Stephen suspirou. Ah, mulheres unidas eram um grande problema!
Serena saiu do banheiro de senhoras já sentindo-se melhor, após lavar o rosto, molhar os pulsos e prender os cabelos. Caramba, sentia-se quente, muito quente. E não era por causa da dança, e nem porque o local estava abafado e cheio, nada disso. Ela sabia muito bem qual a razão de estar afogueada, e era aquele deus louro sentado a um canto do bar. Mas não se deixaria abalar por isso, beberia alguma coisa e voltaria ao palco para finalizar sua apresentação. Mal alcançou o corredor e foi abordada por Francisco. Deu um pulo para trás, de susto.— Chico! Quase me mata do coração!— Desculpe. Queria falar com você, gata. Você está me evitando a semana toda!Serena apressou o passo para sair logo do corredor apertado, sendo seguida de perto pelo colega de trabalho. Tudo o que ela menos queria agora era lidar com Francisco, ou Chico — como todos costumavam chamá-lo — um dos segurança-faz-tudo do bar, com quem mantivera um relacionamento amizade-caso. Ficaram juntos algumas vezes, numa época
Stephen apressou-se em pedir o mesmo.—Tem tempo para sentar-se um pouco? — Stephen empurrou um banquinho na direção dela e sentou-se ao seu lado. Estava encantado de vê-la tão de perto, olhando para ele diretamente. Era mesmo gata! Qual era a expressão de baixo calão que os office-boys da filial São Paulo haviam lhe ensinado, assim que ele aportou no Brasil, para designar mulher bonita ou o que elas faziam os homens sentirem? Pensou um pouco. “Tesão”, era isso, “tesão”. Nada elegante, sabia, mas era uma expressão perfeita para o momento! Aquela mulher era um tesão. O que ele sentia agora? Também tesão. Serena sentou-se, sem ter muita escolha, enquanto bebericava seu vinho, apertando firme o seu copo. Legal, se safara de Chico e já estava numa situação da qual também queria escapar o mais breve possível. Haveria outro salvador no recinto?— Não me apresentei diretamente a você, mas certamente ouviu meu nome. Stephen.— E o meu você já sabe, senhor herói, é Serena.— Seu herói não que
— Não me importa a sua cara de anjo simpático. Se fizer besteira, eu, os seguranças e os caras da banda, faremos picadinho de você. E vamos começar nas partes baixas, para doer mais, então comporte-se!Stephen pensou em rir, mas o tom de voz da moça não era nada brincalhão. ****As pessoas adoravam um Revival, e Serena adorava dar isso a elas. Mesclava músicas do anos 80, 90 e 2000, e o público vibrava!Serena cochichou com seus amigos da banda, trocando algumas ideias, e logo em seguida tomou assento em seu banquinho mais uma vez. Começou cantando “Trouble” (encrenca), da cantora Pink, sorrindo e se balançando sobre o assento. Encontrou o olhar de Stephen e fez um movimento divertido com as sobrancelhas e os olhos, cantando diretamente para ele, com um sorriso ainda mais peralta do que antes, ao brincar sobre compromisso na canção anterior. Os colegas em volta de Stephen logo captaram a comunicação entre a cantora e
Quando chegou a vez da última canção, “Kiss”, Stephen sentiu-se tremer, e logo o corpo começou a ficar tenso. A música era muito sexy, e o baixista de longos cabelos negros e traços angulosos, que havia emprestado o chapéu anteriormente a Serena se aproximou para fazer uma coreografia sensual com ela, abandonando seu instrumento. O americano nunca sentiu tanta apreensão ao ouvir a melodia de Prince como naquele momento.— Ela vai beijar o Diogo, aquele ali com cara de índio, mas não fique aborrecido. Ele é só um amigo. Nós aqui somos todos muito “amigos”.Stephen voltou-se imediatamente para encarar o homem que estava falando com ele num tom de clara provocação. Era o tal Chico, e o executivo não se surpreendeu. Não sabia exatamente o que acontecia entre o segurança e Serena, e o que de fato interrompera, mas podia detectar uma moça em apuros a quilômetros de distância, e isso era bem óbvio pela expressão corporal dela e seu olhar ansioso. Ela pedia ajuda, e Stephen a atendeu prontame
— Você só canta em inglês?— Não. Atendo a demanda dos clientes. Seu pessoal, por exemplo, ama o repertório em inglês, o que era de se esperar, tendo em vista a maioria ter nascido nos Estados Unidos, então gostam de vir às sextas, quando sua música é a mais tocada. Amanhã percorro os ritmos latinos, canto de Santana a Buena Vista Social Club. Domingo é dia de música romântica, de qualquer nacionalidade, e uma amiga nos acompanha com seu sax.Stephen a olhou intensamente, enquanto ela estava distraída, pondo mais refrigerante no copo. Imaginou-se ouvindo as canções românticas na voz de Serena. Mais do que isso, imaginou-se dançando com ela, inclinando-a num tapete felpudo com baladas famosas tocando ao fundo, enquanto faziam amor e ela gemia em seus braços.— Às segundas eu e os meninos descansamos, graças a Deus, sendo substituídos por um pessoal bem legal do samba, e nos outros dias, prevalece a MPB. Mas geralmente dou uma canja para o público, e atendo a pedidos. — ela cortou mais
Decidindo abandonar a tentativa de levá-la para uma sessão particular de música em seu apartamento, pelo menos por enquanto, mudou de assunto, aproveitando que ela não o rechaçara por completo:— Você não costuma beber álcool? — Tomou um gole de seu saboroso chopp. Estava um pouco curioso, pois a vira beber vinho antes, mas recusara bebida alcoólica veementemente quando fizeram seus pedidos na pizzaria.— Só com meus amigos, ou quando estou sozinha em minha casa.— Por quê? — Surpreendeu-se. — Você é fraca para bebidas?— Não, a questão não é bem essa...— E qual é?— Prefiro manter-me bem sóbria quando não piso em terreno firme.— Acho que estou um pouquinho ofendido com essa resposta... Serena fitou o homem estrangeiro. Gostava de olhar nos olhos da pessoa com quem falava, e aparentemente ele também fazia uso desse recurso, que testava tanto a sinceridade quanto a índole do interlocutor. Não o conhecia o bastante, mas uma coisa parecia bem clara: não era um homem que precisasse us
Serena soltou suas mãos da pressão dele.— Isso que você está falando é ridículo — resmungou.— Não. Acha que é o primeiro cliente bonitão que me cerca? Já trabalho cantando faz tempo, senhor Stephen, e já passei por isso antes! Fiz algumas tentativas com uns rapazes que me admiravam no bar, todas com péssimo resultado para mim. Eu sofri, me senti humilhada. Essa é a razão pela qual não fico de conversa com os clientes. Não saio com eles. Nem mesmo procuro fazer amizade com eles. Não funciona. Os homens sempre confundem tudo.— Você não pode me comparar a outros homens!Serena deu um sorriso sem alegria, e suspirou:— É seu instinto de macho alfa falando, o predador que existe no ser humano tem necessidade de vencer quando se sente provocado, e admito que muito do meu repertório é bem provocante, então posso representar um desafio. Mas garanto que se você apenas passasse por mim pela rua, mal me olharia. Além do mais, todos sabem que depois que um desafio é vencido, acaba a graça.Ste
Podia ficar durante toda a noite conversando com Serena. Sim, conversando. Poderia se contentar com isso. Não para sempre, evidente, mas podia esperar até que ela confiasse nele o bastante para entregar seu corpo, e com um pouco de sorte, talvez também o coração. Em troca poderia dar-lhe o seu. Por que não? Afinal, estava morando no Brasil, não havia nenhuma previsão — e nem vontade — de retornar aos EUA, já vira em cada uma das filiais espalhadas pelas terras tupiniquins, casamentos ou uniões de sucesso entre norte-americanos e brasileiras, então por que não arriscar também? Serena era realmente tudo que ele havia dito antes, bonita, esperta, divertida. E devia ser um furacão na cama. Se ele soubesse conduzir as coisas do modo certo, talvez em um mês ou dois estivessem morando juntos, sob o mesmo teto. Seria fantástico! — Acho que devemos ir, antes que os funcionários nos expulsem. — Stephen pediu a conta e pagou. Olhou Serena intensamente. — Da próxima vez a levarei a um cinco