Serena saiu do banheiro de senhoras já sentindo-se melhor, após lavar o rosto, molhar os pulsos e prender os cabelos. Caramba, sentia-se quente, muito quente. E não era por causa da dança, e nem porque o local estava abafado e cheio, nada disso. Ela sabia muito bem qual a razão de estar afogueada, e era aquele deus louro sentado a um canto do bar. Mas não se deixaria abalar por isso, beberia alguma coisa e voltaria ao palco para finalizar sua apresentação. Mal alcançou o corredor e foi abordada por Francisco. Deu um pulo para trás, de susto.
— Chico! Quase me mata do coração!
— Desculpe. Queria falar com você, gata. Você está me evitando a semana toda!
Serena apressou o passo para sair logo do corredor apertado, sendo seguida de perto pelo colega de trabalho. Tudo o que ela menos queria agora era lidar com Francisco, ou Chico — como todos costumavam chamá-lo — um dos segurança-faz-tudo do bar, com quem mantivera um relacionamento amizade-caso. Ficaram juntos algumas vezes, numa época em que sentiam-se muito solitários. Ela sabia muito bem que Chico havia terminado um namoro há algumas semanas e agora queria afogar a dor da rejeição nos braços dela. Só que Serena não desejava mais esse tipo de relação. Na verdade pressentia que o amigo sentia algo mais por ela do que uma simples vontade de fazer sexo para aliviar as tensões.
E ela nem atração física sentia mais por Chico, apesar da beleza negra e máscula, da voz potente e sedutora. Há vários meses não ficavam juntos, e das duas ou três vezes em que acontecera um ato completo, não tinha sido nada ruim, mas agora não havia mais clima, e não queria que a coisa se repetisse. Sentia-se estranha ultimamente, como se algo lhe faltasse. Faltava mesmo, ela sabia, faltava-lhe amor, e as desilusões que sofrera até hoje já eram mais do que suficiente para indicar que ela não tinha muita sorte na área. Porém uma noite na cama de um colega não melhorava a situação em nada, ainda por cima se ele se apaixonasse, e ela não. Aí seria mesmo a gota d’água, pois azedaria uma amizade antiga e tornaria péssimo o clima no bar, um lugar onde amava trabalhar, e que considerava como seu lar.
Apesar de toda a intimidade com Chico, não sabia exatamente o que dizer para ele, qual desculpa usar para livrar-se do acordo firmado quando estavam muito infelizes com suas vidas no campo amoroso. Sentia-se constrangida pela situação, e não tinha ânimo e nem tempo no momento para formular uma boa desculpa ou pensar em algo que a ajudasse a escapar nesse caso.
— Serena, sei que você está sem namorado. Lembra do que combinamos? Quero ver você hoje, posso ir na sua casa depois que o bar fechar?
Oh, meu Deus, e agora? Mordeu o lábio, ansiosa, já perto do balcão onde Luíza e Joana serviam bebidas. Como desejava agora um copo de vinho branco ou uma cerveja gelada para diminuir o estresse!
— Não vai dar, Chico. Eu tenho... hum... um compromisso.
— Quê? Arrumou um cara enfim? — ele indagou, primeiro surpreso, e depois com um sorriso largo: — Conte-me quem é ele, como é.
— Eu... Olha, Chico, é que... — Ela juntou as mãos, e olhou para os próprios dedos, sem saber o que dizer.
— Serena... — Chico franziu as sobrancelhas com expressão desconfiada.
— O compromisso é comigo. É que ainda estamos começando o relacionamento, então ela não sabia exatamente como dizer isso a você.
Tanto Serena como Francisco olharam surpresos para o dono da voz que se intrometia na conversa tão de repente.
Stephen sorriu, e estendeu a mão para Chico.
— Sou Stephen James Beckinsale.
— Francisco — respondeu, um tanto seco, apertando a mão do homem louro, e apenas para equilibrar melhor as coisas, completou seu nome: — Francisco Elias. Com licença.
Stephen quase riu diante da antipatia imediata e sem disfarces que o outro demonstrou por ele. Lhe agradava uma pessoa franca.
Assim que Chico se afastou, Serena sorriu para Stephen:
— Muito obrigada. Sua intromissão foi providencial, o senhor me salvou de uma situação complicada. — Serena encarou o homem louro, engolindo a saliva com dificuldade. Virgem Santa, ele é ainda melhor visto de perto, pensou, diante do bonitão que a havia impressionado minutos atrás, sentado entre os colegas da empresa White.
— Foi um ato de heroísmo. Só posso classificar assim a coragem para enfrentar um homem do tamanho de seu amigo. Vocês diriam, acho, que ele é um “armário”.
Serena deu uma risada. De fato Chico era grande e forte. Mas, pensando bem, o homem a sua frente, um norte-americano, certamente, não ficava tão atrás assim em tamanho ou largura. Brincou com ele:
— Ora, senhor “Thor”, é muita modéstia sua dizer isso, afinal não estava em desvantagem.
Ele sorriu, e era um sorriso muito, muito bonito. Serena quase perdeu o fôlego. Era uma sorte ter pele morena. Se fosse branca, tinha certeza que teria enrubescido diante dele.
Luíza, debruçada no balcão, olhava para a amiga com interesse.
— Bebe algo, Serena?
— Ah, Lu, por favor, um vinho branco, que não esteja muito gelado — precisava ter cuidado com a garganta.
A amiga arqueou as sobrancelhas, surpresa. Normalmente Serena pediria água. Vinho ou chopp, somente quando estava rodeada por amigos íntimos. Algo a havia deixado tensa. Ou alguém. Talvez o cavalheiro dourado que não desgrudava os olhos da cantora.
Stephen apressou-se em pedir o mesmo.—Tem tempo para sentar-se um pouco? — Stephen empurrou um banquinho na direção dela e sentou-se ao seu lado. Estava encantado de vê-la tão de perto, olhando para ele diretamente. Era mesmo gata! Qual era a expressão de baixo calão que os office-boys da filial São Paulo haviam lhe ensinado, assim que ele aportou no Brasil, para designar mulher bonita ou o que elas faziam os homens sentirem? Pensou um pouco. “Tesão”, era isso, “tesão”. Nada elegante, sabia, mas era uma expressão perfeita para o momento! Aquela mulher era um tesão. O que ele sentia agora? Também tesão. Serena sentou-se, sem ter muita escolha, enquanto bebericava seu vinho, apertando firme o seu copo. Legal, se safara de Chico e já estava numa situação da qual também queria escapar o mais breve possível. Haveria outro salvador no recinto?— Não me apresentei diretamente a você, mas certamente ouviu meu nome. Stephen.— E o meu você já sabe, senhor herói, é Serena.— Seu herói não que
— Não me importa a sua cara de anjo simpático. Se fizer besteira, eu, os seguranças e os caras da banda, faremos picadinho de você. E vamos começar nas partes baixas, para doer mais, então comporte-se!Stephen pensou em rir, mas o tom de voz da moça não era nada brincalhão. ****As pessoas adoravam um Revival, e Serena adorava dar isso a elas. Mesclava músicas do anos 80, 90 e 2000, e o público vibrava!Serena cochichou com seus amigos da banda, trocando algumas ideias, e logo em seguida tomou assento em seu banquinho mais uma vez. Começou cantando “Trouble” (encrenca), da cantora Pink, sorrindo e se balançando sobre o assento. Encontrou o olhar de Stephen e fez um movimento divertido com as sobrancelhas e os olhos, cantando diretamente para ele, com um sorriso ainda mais peralta do que antes, ao brincar sobre compromisso na canção anterior. Os colegas em volta de Stephen logo captaram a comunicação entre a cantora e
Quando chegou a vez da última canção, “Kiss”, Stephen sentiu-se tremer, e logo o corpo começou a ficar tenso. A música era muito sexy, e o baixista de longos cabelos negros e traços angulosos, que havia emprestado o chapéu anteriormente a Serena se aproximou para fazer uma coreografia sensual com ela, abandonando seu instrumento. O americano nunca sentiu tanta apreensão ao ouvir a melodia de Prince como naquele momento.— Ela vai beijar o Diogo, aquele ali com cara de índio, mas não fique aborrecido. Ele é só um amigo. Nós aqui somos todos muito “amigos”.Stephen voltou-se imediatamente para encarar o homem que estava falando com ele num tom de clara provocação. Era o tal Chico, e o executivo não se surpreendeu. Não sabia exatamente o que acontecia entre o segurança e Serena, e o que de fato interrompera, mas podia detectar uma moça em apuros a quilômetros de distância, e isso era bem óbvio pela expressão corporal dela e seu olhar ansioso. Ela pedia ajuda, e Stephen a atendeu prontame
— Você só canta em inglês?— Não. Atendo a demanda dos clientes. Seu pessoal, por exemplo, ama o repertório em inglês, o que era de se esperar, tendo em vista a maioria ter nascido nos Estados Unidos, então gostam de vir às sextas, quando sua música é a mais tocada. Amanhã percorro os ritmos latinos, canto de Santana a Buena Vista Social Club. Domingo é dia de música romântica, de qualquer nacionalidade, e uma amiga nos acompanha com seu sax.Stephen a olhou intensamente, enquanto ela estava distraída, pondo mais refrigerante no copo. Imaginou-se ouvindo as canções românticas na voz de Serena. Mais do que isso, imaginou-se dançando com ela, inclinando-a num tapete felpudo com baladas famosas tocando ao fundo, enquanto faziam amor e ela gemia em seus braços.— Às segundas eu e os meninos descansamos, graças a Deus, sendo substituídos por um pessoal bem legal do samba, e nos outros dias, prevalece a MPB. Mas geralmente dou uma canja para o público, e atendo a pedidos. — ela cortou mais
Decidindo abandonar a tentativa de levá-la para uma sessão particular de música em seu apartamento, pelo menos por enquanto, mudou de assunto, aproveitando que ela não o rechaçara por completo:— Você não costuma beber álcool? — Tomou um gole de seu saboroso chopp. Estava um pouco curioso, pois a vira beber vinho antes, mas recusara bebida alcoólica veementemente quando fizeram seus pedidos na pizzaria.— Só com meus amigos, ou quando estou sozinha em minha casa.— Por quê? — Surpreendeu-se. — Você é fraca para bebidas?— Não, a questão não é bem essa...— E qual é?— Prefiro manter-me bem sóbria quando não piso em terreno firme.— Acho que estou um pouquinho ofendido com essa resposta... Serena fitou o homem estrangeiro. Gostava de olhar nos olhos da pessoa com quem falava, e aparentemente ele também fazia uso desse recurso, que testava tanto a sinceridade quanto a índole do interlocutor. Não o conhecia o bastante, mas uma coisa parecia bem clara: não era um homem que precisasse us
Serena soltou suas mãos da pressão dele.— Isso que você está falando é ridículo — resmungou.— Não. Acha que é o primeiro cliente bonitão que me cerca? Já trabalho cantando faz tempo, senhor Stephen, e já passei por isso antes! Fiz algumas tentativas com uns rapazes que me admiravam no bar, todas com péssimo resultado para mim. Eu sofri, me senti humilhada. Essa é a razão pela qual não fico de conversa com os clientes. Não saio com eles. Nem mesmo procuro fazer amizade com eles. Não funciona. Os homens sempre confundem tudo.— Você não pode me comparar a outros homens!Serena deu um sorriso sem alegria, e suspirou:— É seu instinto de macho alfa falando, o predador que existe no ser humano tem necessidade de vencer quando se sente provocado, e admito que muito do meu repertório é bem provocante, então posso representar um desafio. Mas garanto que se você apenas passasse por mim pela rua, mal me olharia. Além do mais, todos sabem que depois que um desafio é vencido, acaba a graça.Ste
Podia ficar durante toda a noite conversando com Serena. Sim, conversando. Poderia se contentar com isso. Não para sempre, evidente, mas podia esperar até que ela confiasse nele o bastante para entregar seu corpo, e com um pouco de sorte, talvez também o coração. Em troca poderia dar-lhe o seu. Por que não? Afinal, estava morando no Brasil, não havia nenhuma previsão — e nem vontade — de retornar aos EUA, já vira em cada uma das filiais espalhadas pelas terras tupiniquins, casamentos ou uniões de sucesso entre norte-americanos e brasileiras, então por que não arriscar também? Serena era realmente tudo que ele havia dito antes, bonita, esperta, divertida. E devia ser um furacão na cama. Se ele soubesse conduzir as coisas do modo certo, talvez em um mês ou dois estivessem morando juntos, sob o mesmo teto. Seria fantástico! — Acho que devemos ir, antes que os funcionários nos expulsem. — Stephen pediu a conta e pagou. Olhou Serena intensamente. — Da próxima vez a levarei a um cinco
— Mas... não vá pensar que vai dormir comigo na minha cama, entendido?— Bem entendido! — Deu um grande sorriso.— Você vai dormir na sala — insistiu Serena, desconfiada do sorriso dele.— Claro.Não havia dúvidas que era um apartamento feminino, até o aroma indicava isso, bem como os toques pessoais de cada moradora. Serena já havia dito que dividia o lar, e as despesas, com as duas amigas do bar, mesmo assim ele se surpreendeu que fosse tão aconchegante e arrumado. As garotas eram organizadas e caprichosas com a decoração, apesar de Stephen perceber que era um local modesto. Registrou a informação de que elas não deviam ganhar um salário alto, e provavelmente precisavam abrir mão de várias coisas que desejariam, somente para manter um teto sobre suas cabeças.A criatividade ali suplantava o luxo. Mas era eficiente, e ele apreciava isso.Se a história com Serena vingasse, e ele estava disposto a empenhar-se nisso, poderia ajudar com as despesas sem que isso as insultasse? Afinal, com