CAPÍTULO 1
Maria Luíza Duarte Desci as escadas de casa correndo, com um sorriso no rosto e um envelope na mão. Marco precisava saber da minha melhora. Ele era o motivo pelo qual eu me sentia tão bem nas últimas semanas. Apesar de ser um dos soldados do meu pai, Marco sempre me tratou com respeito. Seus beijos e carinhos faziam meus dias mais leves, mesmo que nosso relacionamento fosse um segredo. Atravessei a sala sem olhar para os lados, passei pelo jardim e fui direto para a casinha dos fundos, onde os soldados moravam. Eu sabia onde ficava o quarto dele. Só tinha entrado uma vez, mas hoje queria surpreendê-lo logo de manhã, contar sobre o laudo médico e como os resultados foram bons. A porta estava apenas encostada. Coloquei a mão na maçaneta e a abri devagar. Meu coração acelerou no peito. "Marco?" sussurrei para mim mesma, incrédula, ao ver a cena que me destruiu por dentro. O ar pareceu sumir. Uma dor aguda atravessou meu peito e precisei me concentrar para não desmoronar ali mesmo. Marco estava ali... completamente nu, sobre outra mulher, que gemia enquanto se agarrava ao pescoço dele. No mesmo sofá onde eu estive ontem, onde ele tentou me tocar. A cena ficou gravada em minha mente. Ele parecia tão satisfeito com ela. Ouvi seus gemidos de prazer quando ele se afundou entre suas pernas, e aquilo queimou dentro de mim. Amassei o envelope na mão. Quando ele caiu no chão, Marco se levantou num salto, surpreso. — MALU? CO... COMO VEIO PARAR AQUI? — gritou, ainda nu, enquanto avançava na minha direção. Mas antes que ele pudesse me tocar com aquelas mãos nojentas, eu peguei um vaso de flores e joguei a água sobre os dois, espalhando cacos de vidro pelo chão com o impacto quando lancei contra a parede. — FICA LONGE DE MIM! — MALU, NÃO É O QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO! Bati a porta com força e saí correndo de volta para casa. Atravessei a sala, me tranquei no quarto e desabei em lágrimas. “Não vou perder o controle, não vou!“ — Disse a mim mesma, olhando pelo espelho. Eu não permitiria que um homem me destruísse. Eu só queria me sentir livre, fora dessa bolha que meus pais me criaram, ter um relacionamento saudável e não ser apenas um fantoche masculino. Mas estava enganada. Limpei o rosto, apliquei uma maquiagem leve e decidi andar pela casa como se nada tivesse acontecido. Marco precisaria entender que Maria Luíza Duarte não seria abalada por ele. Olhei pela janela e observei um movimento estranho em casa. Meu pai estava recebendo o Don e um homem de certa idade que não vi o rosto, mas dava pra notar que era alguém importante, pela quantidade de seguranças que se alinharam do lado de fora. Marco estava lá, então olhei para o lado oposto, ignorando. Desci as escadas, resolvi servir um café, meu pai gosta quando recepciono bem seus convidados, precisava erguer a cabeça. Me aproximei do escritório com a bandeja, mas parei abruptamente quando ouvi a conversa onde diziam que os russos querem um novo acordo de paz, mas espere! “Don Antony acabou de confirmar, que “eu” seria esse acordo?“ Segurar uma bandeja com só uma das mãos, agora se tornou uma tarefa quase impossível, porque eu tremia inteira. Meu corpo todo precisava de um auxílio ao ouvir o meu nome ser pronunciado pelo próprio Don. Gelei ao me lembrar como os russos são cruéis. As minhas pernas fraquejaram, e num descuido me assustei com uma figura forte e imponente que passou por mim, me fazendo derrubar a bandeja com tudo no chão. Pensei que fosse Marco, mas não... — Presta atenção, porra! — estremeci com a voz grossa e alta, praticamente gritando comigo quando me ajoelhei para juntar os cacos. Ergui a cabeça rapidamente, colocando a mão no peito com o susto. Era um homem lindo, cheirava muito bem, seus olhos azuis chegavam a brilhar, contrastando com seus cabelos naturais e loiros. Pensei que teria um enfarto, mas me lembrei que o diavolo era o anjo mais bonito do céu, e voltei à realidade. — Quem é você? — perguntei e vi que o homem me olhou por dois segundos, bufou e me ignorou. De repente meu pai abriu a porta do escritório, e me deparei com vários homens bem vestidos, de terno e gravata que me olhavam estranho, ao lado do Don. — Filha, esse é Alexei Kim, o Don Antony acabou de fechar um novo acordo, você casará com ele em três dias — soltei o pedaço de louça da mão, deixando cair. — Espero que quando estiver na minha casa, não cometa esses erros... — meu coração quase parou quando ouvi novamente aquele demônio falando. Tudo o que tinha de lindo, tinha de grosseiro — Não vai juntar? — olhei para o caco no chão e sem pensar muito me abaixei segurando o pedaço com pressa, cortando o dedo. “Os homens são todos iguais, todos com defeito!“ Don Antony estendeu um pequeno lenço, enquanto aquele homem grande me olhava com reprovação, mas eu sabia perfeitamente que não poderia negar a uma ordem do Don. — A... Alexei? — gaguejei, parecendo olhar para o próprio demônio. Vingança é um prato que se come frio, não é? Alexei mal me olhou e questionou ao Don: — Temos um acordo, ou não? Observei os olhares entre o meu pai e o Don, me encolhi. — Filha, a esposa de Alexei faleceu no parto e deixou uma filha recém-nascida. Ele é o novo Don da Rússia, e não pode ficar sem esposa, precisa resolver imediatamente — meu pai parecia apenas me informar. — Eu soube disso, mas nunca imaginei que essa substituta seria eu... — soltei as palavras pausadamente, sentindo algo amargo na garganta. Don me puxou e sussurrou: — Com esse casamento, nossa aliança com a Rússia será inquebrável. Ficaremos mais fortes, sem problemas com outros países. — Coloquei as mãos nos cabelos, sei como tudo funciona. — Não tem mais ninguém? — perguntei sentindo dor com meu estômago revirando, no fundo, eu não queria me sacrificar assim, mas ele negou. — Filha, eu conversei com o pai dele, o senhor Kim vai se encarregar de você e seu tratamento de saúde. Lá na Rússia tem excelentes profissionais. Olhando do outro lado da sala, vi Marco... eu adoraria mostrar a ele que agora teria outro destino, outro homem, isso me ajudou a tomar uma decisão. Eu nunca sonhei em ser como as mulheres da máfia, só queria resolver esse problema que tenho e ter uma vida normal, porém sei que fui criada pra isso, vou encarar de frente: “ninguém vai passar por cima de mim, tão fácil”. Balancei a cabeça concordando, sabia que não teria outra pessoa pra fazer isso por mim, e seria bom sair daquela casa. Me afastei por um momento indo para uma das salas, precisava ficar sozinha. Ouvi vozes, estremeci quando ouvi as portas batendo e aquele cheiro masculino entrando na minha frente. Era Alexei com seu porte dominante: — Arrume apenas uma pequena bolsa, não quero que use essas coisas que usa aqui. As suas novas roupas estarão no seu closet — ergui a cabeça confusa ao ver o olhar de nojo do meu noivo sobre mim. — Não vou usar as coisas de nenhuma defunta, nem sonhe com isso! — falei mais firme com aquele demônio encantador. Ele me olhou enfurecido, e colocou a mão no meu pescoço com fúria, me deixando imóvel. — Na minha casa quem manda sou eu, porra! Essa é apenas a primeira regra. Você aceitou essa merda, e nada vai cancelar esse acordo sem que haja morte, porque não tenho tempo para ladainhas de mulher — ele não apertava forte, mas me deixou presa, com falta de ar, precisando desesperadamente sumir dali e pular no lago para me acalmar. A porta foi aberta e eu ainda estava do mesmo jeito, porém Alexei escorregou a mão para meu colo, como se acariciando. — Vou enviar a passagem de avião convencional pra você mais tarde, porque preciso voltar hoje pra Rússia. Poderá se despedir dos familiares e viajar amanhã — a sua voz agora era mais suave, pelo visto só porque os demais estavam presentes. — Amanhã? — sussurrei, tremendo inteira. Por que fui aceitar isso? Deixar o soldado traidor tudo bem, mas me casar com o próprio demônio? Era loucura demais pra mim, meus sonhos seriam arruinados. — Amanhã e nem mais um dia, entendido? Aproveite e treine melhor o vocabulário Russo, que está horrível. Não quero passar vergonha — vi que todos se afastaram e de repente senti que Alexei me puxou pela cintura e com a outra mão, segurou a minha cabeça. Ele me olhou e não consegui me mover. Não é possível... ele iria me beijar? A sua boca grudou na minha sem pedir autorização, e o pior foi que não consegui negar. Aquele cheiro tão masculino, aquela estrutura grande que manipulava meu ser como se fosse um Deus, me fizeram ceder e sentir por apenas alguns segundos que ele me queria de alguma forma. — Por que fez isso? — sussurrei, com a boca tão bonita daquele demônio perto da minha. — Porque é minha. — Ele falou naturalmente, como se fosse tão simples. Alexei virou as costas e foi saindo por onde entrou. Vi Marco sair bravo pelos fundos, mas que se dane... eu simplesmente não conseguia respirar.CAPÍTULO 2 Maria Luíza Duarte Aquele homem parecia um demônio, mas não posso negar... um demônio que beija muito bem. Fiquei imóvel, em choque, imaginando como seria em território dele. Um homem frio, esnobe, que parece ter me detestado assim que me viu? Ele só me beijou porque “sou dele”? Por que diabos aceitei esse acordo? Percebi que estava sozinha, Marco voltou, tentou se aproximar, mas corri feito doida. Fui para os fundos da propriedade do meu pai e tirei apenas os sapatos, antes de pular no lago, que de acordo com meu tratamento, era uma das coisas que poderia aplacar um pouco da minha agonia, agora. Me sinto confortável, me sinto calma. De repente, mãos fortes me puxaram com tudo da água assim que atravessei o lago, e senti meu corpo arranhar na terra. — Que porra, mulher! Eu nem havia ido embora e você se joga na água como uma qualquer? Saia daqui imediatamente! Se um dos meus homens te ver com essa roupa grudada no corpo, arcará com as consequências! — e
CAPÍTULO 3 Maria Luíza Duarte Ao chegar no quarto, fui amparada pela minha mãe e levada até o chuveiro do banheiro. Esse é o lugar que normalmente passo horas. A água escorria pelo meu corpo. O calor do abraço da minha mãe misturado com a textura da água, era o único conforto naquele momento, amenizando a minha angústia e o meu desespero. Muitas coisas aconteceram de uma vez só, estava difícil de assimilar. Ela sabia que palavras não trariam solução, e isso que nem imagina que também fui enganada por Marco, mas sua presença sempre conseguiu amenizar as tempestades dentro de mim. Ficamos ali, abraçadas e vestidas, até que as lágrimas secaram e meu coração encontrou um ritmo mais calmo. — Você é forte, filha — minha mãe disse suavemente, passando a mão pelos meus cabelos. — Só quero que saiba disso. Eu sabia que precisava ser forte. A vida inteira fui preparada para os acordos que moldavam nossa família, e embora soubesse que não teria como escapar do des
CAPÍTULO 4 Maria Luíza Duarte Meu coração batia descompassado, como se fosse saltar do peito. O avião balançava cada vez mais, os gritos ecoavam por todos os lados, e a minha visão começou a embaçar. As luzes piscavam descontroladas, e a única coisa que conseguia sentir era o medo crescendo dentro de mim. “Eu não posso morrer aqui... Não agora.” — DROGA, ALEXEI! EU MENTI, NÃO QUERO MORRER, EU ME CASO COM VOCÊ! — Gritei com o choque, segurando firme na poltrona. Tentei respirar fundo, mas meus pulmões pareciam não obedecer. O pânico subiu à minha garganta, as mãos tremiam, e eu me vi sem controle sobre o que acontecia ao meu redor. As paredes da cabine pareciam se fechar, e minha visão começou a escurecer. A crise de ansiedade estava voltando a dar sinais... senti a dor no peito, a falta de ar, o pânico, aquela sensação de que estou infartando, uma angústia muito forte... caramba! Um homem alto, de jaleco branco, se aproximou rapidamente de mim. Ele se ajoelhou ao
CAPÍTULO 5 Don Alexei Kim — Don Alexei... desculpe interromper, mas perdemos o sinal do avião que traria sua noiva — paro de contar as armas no mesmo instante, olhando para meu soldado parado na porta. — Porra! Por que diabos perdemos o sinal do avião? Você não disse que estava tudo certo? Acabei de falar com Maria Luíza, merda! — joguei a última pistola na caixa, fechando com raiva. Em seguida, peguei meu celular para ligar pra ela. — Nenhum dos nossos homens estão atendendo, Don. Eu estou tentando ligar, mas não estou conseguindo, nem mesmo o médico atende — olhei com raiva para o soldado com vontade de explodir sua cabeça, e comecei a xingar no telefone: — Atende, porra! Pra perturbar me ligou agora mesmo, caralho! — a ligação nem chamava, estava desligado. “Você não vai escapar de mim, Maria Luíza, não vai!“ — Devemos mandar uma equipe pra Roma, Don? — respiro fundo. — Já localizaram o avião? — Deu algum problema no localizador, não fazemos ideia de onde
CAPÍTULO 6 Maria Luíza Duarte Ouvir aquelas vozes discutindo a morte de Alexei e Don Antony, havia despertado um instinto de sobrevivência que eu não sabia que possuía. Eu precisava pensar rápido, agir antes que me descobrissem. Não podia deixar que as coisas saíssem do controle, mas também não podia permitir que Alexei ou Antony fossem mortos por nada. Cheguei à porta da sala de estar, onde os homens discutiam de forma acalorada. Minhas mãos estavam frias e trêmulas, e por um breve momento, considerei fugir. Mas me lembrei de que não havia para onde ir. Estava em uma ilha isolada, cercada de homens prontos para matar ou serem mortos. Se eu fosse descoberta como um peão entre os dois Dons, acabaria sendo o próximo alvo. Respirei fundo, reunindo toda a coragem que ainda me restava. “Vamos, Maria Luíza. Se tem uma coisa que aprendeu ao crescer nessa vida, foi a não demonstrar fraqueza”. Abri a porta de uma vez, entrando na sala com passos firmes. Todos os olhos se vol
CAPÍTULO 7 Alexei Kim O jato aterrissou com uma força brutal na pista rochosa da ilha de Elba, e eu não esperei sequer as turbinas desacelerarem para sair da cabine. Assim que meus pés tocaram o chão, minha equipe já estava a postos, formando um semicírculo em torno de mim, prontos para agir. Não precisaram de ordens. Eu sabia que Maria Luíza estava dentro da casa grande, e enquanto andava em direção à porta, a raiva queimava lentamente dentro de mim. “Essa mulher pensa que tenho tempo para essas merdas?“ Assim que entrei, vi Don Antony já acomodado, com aquele sorriso maldito no rosto, como se estivesse esperando por mim. — Alexei, sempre pontual. — Ele se levantou lentamente, estendendo a mão como se fosse um encontro amigável. Mas eu não estava interessado em cordialidades. — Onde ela está? — perguntei, ignorando o gesto e avançando diretamente para o centro da sala. — Depois que cumprimentar o Don vai saber... — era aquele maldito consigliere. O enc
CAPÍTULO 8 Maria Luíza Duarte Foram as horas mais detestadas da minha vida. Cada vez que Alexei me encarava, eu fazia pior, deixando claro que não me intimidaria. Ele me ignorava o tempo todo, mas não sou tonta, via quando olhava para minhas pernas. Acabei dormindo na poltrona, e acordei toda torta, assustada com aquela voz grossa, me chamando: — Vamos descer. — A voz de Alexei cortou o silêncio da cabine do jato como uma lâmina, me arrancando de um sono perturbado. Me esforcei para abrir os olhos e me orientar. Estava tão cansada que não sabia quanto tempo tinha passado desde que o jato pousou. Meu corpo doía de estar torta na poltrona e, ao levantar, me estiquei um pouco, soltando um suspiro frustrado. Alexei estava impassível na porta, me esperando, e, sem dizer mais nada, desci logo atrás dele. Assim que saímos do jato, ele caminhou na minha frente, sem olhar para trás. Ao longe, vi um carro preto esperando. Aquele silêncio todo me dava nos nervos. Ele achava que po
CAPÍTULO 9 Maria Luíza Duarte Olhei para o closet e fui até lá devagar. Me subiu uma raiva quando vi tantas roupas penduradas... roupas que eram da defunta, a mulher que meu futuro marido, amava. — Não vou usar nada disso, demônio encantador... — olhei a minha volta procurando pelas minhas coisas, e quase morri de raiva quando percebi que havia perdido tudo no avião. Entrei no banheiro para tomar um banho, a porta não tinha chave. “Ah, você me paga, Alexei!“ — Entrei no chuveiro mesmo assim, molhei todo o meu corpo e passei um shampoo no cabelo. Senti meu coração acelerar no mesmo instante em que ouvi um barulho no quarto. O som de passos pesados fez meu corpo congelar. Eu sabia que só podia ser ele, o homem que agora controlava minha vida. "Alexei..." pensei, com a espuma escorrendo pelos meus ombros. O pânico tomou conta. Meus olhos se abriram, mas a espuma ainda cobria meu rosto, me cegando. Com pressa, comecei a enxaguar o cabelo, tentando me livrar da