Capítulo 2 – Uma Verdade Fria

A situação era tão irreal que parecia um sonho distorcido. Eu, Jhulietta Duarte, professora de uma escola pública, estava agora enclausurada no banco de trás de um carro luxuoso, a mão pequena de Ethan apertando a minha com uma força quase desesperada. À nossa frente, o homem que presumivelmente era seu pai, o motorista, emanava uma aura de tensão palpável. Sua postura rígida, os olhos fixos na estrada como se fugisse de algo, denunciavam uma batalha interna, um turbilhão de emoções contido a duras penas.

— Senhor… — tentei quebrar o silêncio denso que nos envolvia como uma mortalha.

— Santorini. Nicolas Santorini — respondeu ele, sem desviar o olhar da estrada. A voz grave e autoritária ecoou no interior do carro, revelando um homem acostumado a comandar.

Engoli em seco. O sobrenome soava familiar, uma vaga lembrança que dançava à margem da minha memória, sem se concretizar.

— Senhor Santorini, não quero me intrometer, mas… acho que precisamos conversar sobre o que aconteceu.

Um suspiro impaciente escapou de seus lábios, como se minha tentativa de diálogo fosse uma intrusão irritante.

— Não há muito o que dizer, senhorita… — Ele lançou um olhar rápido pelo retrovisor, como se esperasse que eu completasse a frase.

— Jhulietta Duarte — respondi, e ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, processando a informação.

— Senhorita Duarte, Ethan tem passado por momentos difíceis recentemente. Ele está… confuso. Isso explica o comportamento dele.

Olhei para Ethan. Sua cabeça baixa, o aperto em minha mão, tudo nele gritava confusão e dor. Mas havia algo no tom de Nicolas que me incomodava profundamente. Era como se ele estivesse minimizando a angústia do próprio filho.

— E o que aconteceu para deixá-lo assim? — arrisquei, sentindo um frio na espinha.

Uma longa pausa pairou no ar antes que Nicolas respondesse, como se ele estivesse medindo cada palavra, decidindo o quanto revelar.

— A mãe de Ethan faleceu há seis meses — a voz carregada de uma tristeza contida, quase fria.

Um nó se formou em minha garganta. Voltei meu olhar para Ethan, que pareceu encolher ainda mais com a menção da mãe. A fragilidade em seus ombros era quase insuportável.

— Meus sentimentos — murmurei, a voz embargada. Palavras pareciam tão insuficientes diante de tamanha dor.

— Obrigado — respondeu Nicolas, seco.

O resto da viagem transcorreu em um silêncio opressor. Eu ansiava por fazer mais perguntas, entender a dinâmica daquela família, mas Nicolas havia erguido uma barreira intransponível. Quando o carro parou em frente a um prédio imponente, a realidade da situação me atingiu com ainda mais força. A fachada grandiosa, a entrada luxuosa, tudo ali gritava riqueza e poder, um universo completamente distante da minha vida simples e cotidiana.

Nicolas estacionou na garagem subterrânea e saiu do carro com movimentos rápidos e precisos, abrindo a porta para Ethan. O menino hesitou em soltar minha mão, mas o pai o chamou com uma firmeza que não admitia réplicas.

— Ethan, vamos. Agora.

O tom autoritário fez com que ele soltasse minha mão lentamente. Senti um aperto no coração ao vê-lo se afastar, os ombros curvados sob o peso da tristeza.

— Senhorita Duarte, agradeço por ter ajudado meu filho, mas agora é melhor que siga seu caminho.

A frieza daquelas palavras me atingiu como um tapa. Antes que eu pudesse sequer formular uma resposta, Ethan correu de volta e se agarrou às minhas pernas, com o rosto banhado em lágrimas.

— Não vai embora, mamãe! Por favor, não me deixa!

Encarei Nicolas. A irritação era evidente em seu rosto, mas havia algo mais ali, uma sombra de desespero, um pedido silencioso de ajuda que ele se recusava a verbalizar.

— Talvez… talvez eu possa ajudar — sugeri, sentindo a ousadia das minhas próprias palavras.

— Ajudar como? — perguntou Nicolas, o ceticismo estampado em cada traço de seu rosto.

— Não sei exatamente. Sou professora. Trabalho com crianças todos os dias. Talvez Ethan precise de alguém que… se conecte com ele.

Ele me observou por um longo momento, como se estivesse tentando ler meus pensamentos. Então, suspirou profundamente, um gesto que parecia carregar o peso do mundo.

— Suba.

A surpresa me paralisou por um instante, mas não hesitei. Ethan segurou minha mão novamente, e Nicolas nos guiou até um elevador privativo. Quando as portas se abriram para um apartamento que ocupava um andar inteiro, fiquei sem palavras. As janelas panorâmicas emolduravam uma vista deslumbrante da cidade, e a decoração, embora impecável, exalava uma frieza asséptica. Era um lar sem alma.

Ethan me puxou pela mão até um quarto que, apesar da quantidade de brinquedos intocados, parecia igualmente vazio. Não havia a bagunça típica de uma criança, apenas a ordem fria imposta pela ausência de vida.

— Este é meu quarto — disse ele, a voz carregada de uma tristeza profunda.

— É lindo, Ethan. Você tem muitos brinquedos.

Ele assentiu, mas seus olhos permaneceram opacos.

— O papai comprou tudo isso, mas… eu só queria a minha mamãe.

Ajoelhei-me à sua frente, sentindo a dor lancinante daquele pequeno coração.

— Eu sei que é difícil, Ethan, mas tenho certeza de que sua mãe está olhando por você, onde quer que ela esteja.

Ele assentiu lentamente, os olhos marejados.

— Você vai ficar?

Antes que eu pudesse responder, Nicolas surgiu na porta.

— Ethan, vá lavar as mãos. Vou pedir algo para comermos.

O menino hesitou, mas acabou obedecendo. Assim que ele saiu, Nicolas cruzou os braços e me encarou com uma intensidade que me intimidou.

— Escute, senhorita Duarte, não sei qual o seu interesse nisso, mas quero deixar uma coisa bem clara: eu não preciso da sua ajuda.

Imitei seu gesto, cruzando os braços também.

— Não parece estar lidando muito bem com a situação, senhor Santorini. Ethan está sofrendo, e o senhor está simplesmente ignorando isso.

Seus olhos se estreitaram, como se ele não estivesse acostumado a ser contrariado.

— E o que a senhorita sugere? Que eu a contrate como babá?

— Não sou babá. Sou professora. E talvez Ethan precise de algo mais do que brinquedos caros e um apartamento de luxo. Talvez ele precise de… conexão.

Por um instante, temi que ele me expulsasse dali. Mas, para minha surpresa, ele suspirou novamente, um som carregado de exaustão.

— Certo. Vou permitir que passe um tempo com ele. Mas apenas até que ele… supere isso. — A forma como ele me olhou, como se eu fosse uma intrusa em seu mundo perfeito, deixou claro que aquela era uma concessão relutante.

Percebi que, por trás da fachada fria e autoritária, Nicolas também estava perdido. Talvez Ethan não fosse o único a precisar de ajuda.

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