Você acredita que o nosso destino já está traçado de alguma forma?
Eu nunca acreditei muito nisso... até meu caminho se cruzar com o de um lindo menino de olhos azuis. Através dele, encontrei mais do que buscava na vida. E tudo começou naquele final de tarde…
Sou Jhulietta Duarte, professora em uma escola pública no coração da cidade. Sabe o que essa profissão me ensinou? Que a rotina simplesmente não existe. Crianças são imprevisíveis. Uma pergunta inesperada, um pequeno acidente ou um olhar carregado de uma tempestade silenciosa podem transformar um dia comum em um verdadeiro enigma.
Depois de uma semana exaustiva, tudo o que eu queria era chegar em casa, tirar os sapatos, preparar um chá quente e me perder em um filme qualquer. Nada de surpresas.
O relógio se aproximava das seis e meu trajeto até o ponto de ônibus era sempre o mesmo: ruas calmas, crianças rindo ao longe, um cachorro latindo, o murmúrio do trânsito ao fundo.
Mas hoje… havia algo diferente.
O silêncio parecia pesado, como se o mundo prendesse a respiração.
E então, eu o vi.
Um menino pequeno para estar sozinho, sentado na sarjeta, os braços finos apertando os joelhos contra o peito. Seu corpo encolhido, tentando se tornar invisível. Suas roupas estavam empoeiradas, os cabelos desgrenhados cobriam parte do rosto...
Mas seus olhos.
Aqueles olhos.
Um azul profundo, perturbador. Olhos de quem buscava algo. Sei disso porque já fui uma criança assim.
Minhas pernas pararam antes que minha mente processasse qualquer coisa. Algo dentro de mim gritou que eu não podia simplesmente seguir em frente.
Engoli em seco e me aproximei devagar, mantendo uma distância segura.
— Oi… tudo bem? — minha voz saiu baixa, como se temesse assustá-lo.
O menino ergueu o rosto lentamente. Seus olhos encontraram os meus, como se tentassem enxergar além da superfície.
Então, sem aviso, ele se levantou e correu em minha direção.
Antes que eu pudesse reagir, seu pequeno corpo se chocou contra o meu, e seus braços se fecharam ao meu redor em um abraço desesperado.
— Mamãe!
Meu coração parou.
O tempo ao redor se distorceu. O barulho da cidade desapareceu.
— O quê? — minha voz saiu em um sussurro rouco.
Senti seus dedos trêmulos apertando meu corpo.
— Mamãe… você voltou. Eu sabia!
Meu corpo inteiro congelou. “Mamãe?”
A palavra ecoava na minha mente como um trovão distante. Aquilo não fazia sentido.
Respirei fundo, tentando encontrar alguma lógica para o que estava acontecendo.
Afastei-o levemente para olhar seu rosto. Ele me encarava com uma devoção desesperada, como se estivesse diante de um milagre.
— Pequeno… acho que você está me confundindo com outra pessoa.
Ele balançou a cabeça freneticamente, os olhos brilhando com um misto de medo e esperança.
— Não! Você é a mamãe. O papai disse que você foi para o céu, mas eu sabia que voltaria.
Um calafrio percorreu minha espinha.
Papai?
Será que ele estava perdido? Ou pior… fugindo de casa?
— Mamãe, por que você não lembra de mim? Sou eu, o Ethan, seu filho.
Ajoelhei-me para ficar à sua altura, segurando seus ombros com delicadeza.
— Ethan… esse é o seu nome, certo? — perguntei, tentando manter a calma.
Ele assentiu vigorosamente.
— Onde está o seu pai? Ele sabe que você está aqui?
Ethan desviou o olhar. O medo em sua expressão era quase palpável.
Antes que eu pudesse insistir, uma voz grave e autoritária cortou o ar.
— ETHAN!
O grito fez minha pele arrepiar.
Me virei num reflexo e vi um homem se aproximando rapidamente. Alto, imponente, vestido com um terno impecável. Seu olhar estava fixo no menino e carregava uma fúria contida.
— O que diabos você pensa que está fazendo? — sua voz era cortante, cheia de autoridade.
Senti Ethan estremecer ao meu lado. Ele se agarrou ainda mais a mim.
— Eu não quero voltar para casa, papai. Quero ficar com a mamãe!
O homem parou abruptamente.
Por um segundo, algo cruzou seu olhar. Algo profundo e indecifrável.
Mas, num piscar de olhos, desapareceu.
Ele fechou a mandíbula, os olhos escurecendo.
— Ethan, chega.
Seu tom me incomodou. Frio e implacável.
Quando seus olhos finalmente se voltaram para mim, um calafrio percorreu minha espinha.
— Quem é você?
Engoli em seco.
— Jhulietta. Eu o encontrei aqui na rua. Ele parecia perdido, então parei para ajudar.
O homem suspirou pesadamente, passando a mão pelo rosto.
— Me desculpe por isso. Ele… está confuso.
Antes que eu pudesse responder, Ethan explodiu:
— Ela é a mamãe, papai! Eu sei que é!
— Chega, Ethan! A sua mãe não está mais viva, e você tem que aceitar isso. — Ele disse em um tom ríspido, o que fez o menino se agarrar ainda mais a mim.
O silêncio que se seguiu foi sufocante. As palavras duras que ele dirigiu ao menino me deixaram irritada. Será que ele não percebe que o filho está sofrendo?
— Senhor, não precisa ser tão rude com o menino.
O homem fechou os olhos, como se minhas palavras tivessem atingido um ponto vulnerável. Quando os abriu novamente, sua expressão estava controlada. Mas algo ali havia mudado.
— Escute, senhorita Jhulietta… — ele disse meu nome com uma frieza calculada. — Agradeço por ter ajudado meu filho, mas posso cuidar dele agora.
Havia algo na forma como ele falou que me fez estremecer.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Ethan agarrou minha mão com força.
— Não me deixa, mamãe! Por favor, não me deixa!
Meu coração apertou. Eu não conhecia aquele menino. Não sabia o que estava acontecendo.
Mas, naquele momento, uma coisa era certa: eu não podia simplesmente ir embora.
Levantei o olhar e encarei o homem diretamente.
— Só quero ter certeza de que ele está bem.
Ele arqueou uma sobrancelha, surpreso com minha resposta.
Depois de um instante tenso, assentiu lentamente.
— Muito bem. Se insiste, venha conosco até o carro.
Minhas mãos suavam. Meu coração estava acelerado.
E, enquanto Ethan ainda segurava minha mão com força, uma certeza crescia dentro de mim.
Eu tinha acabado de entrar em algo muito maior do que imaginava.
A situação era tão irreal que parecia um sonho distorcido. Eu, uma professora de escola pública, estava agora enclausurada no banco de trás de um carro luxuoso, a mão pequena de Ethan apertando a minha com uma força quase desesperada. O homem a nossa frente emanava uma aura de tensão palpável. Sua postura rígida, os olhos fixos na estrada como se fugisse de algo, denunciavam uma batalha interna, um turbilhão de emoções contido a duras penas. — Senhor… — tentei quebrar o silêncio denso que nos envolvia como uma mortalha. — Santorini. Nicolas Santorini — respondeu ele, sem desviar o olhar da estrada. A voz grave e autoritária ecoou no interior do carro, revelando um homem acostumado a comandar. Engoli em seco. O sobrenome soava familiar, uma vaga lembrança que dançava à margem da minha memória, sem se concretizar. — Senhor Santorini, não quero me intrometer, mas… acho que precisamos conversar sobre o que aconteceu. Um suspiro impaciente escapou de seus lábios, como se minha ten
Nicolas Santorini Chegar em casa sempre me proporcionava uma trégua efêmera. Um breve alívio antes da exaustão inevitável. Meu dia, como tantos outros, fora uma maratona de reuniões intermináveis, a frieza dos contratos e o peso das decisões cruciais. Tudo o que ansiava era o silêncio reconfortante do meu lar e a presença de Ethan, mesmo que nossos encontros, desde a partida de Laura, fossem permeados por uma melancolia persistente. Assim que cheguei minha casa estava silenciosa. Normalmente, a essa hora, Ethan jogando ou brincando. Fechei a porta atrás de mim, um pressentimento incômodo se instalando em meu peito. — Ethan? — chamei, a voz ecoando no vazio. O silêncio respondeu. A calma que eu tanto buscava se esvaiu, dando lugar a uma crescente apreensão. Caminhei pela casa e cada passo aumentava a angústia. O quarto de Ethan estava impecável, um péssimo sinal. Meu filho era a personificação da desordem infantil. Inspecionei embaixo da cama, dentro do closet, vasculhei cada
Jhulietta Duarte O dia na escola transcorreu entre a sinfonia usual de vozes infantis, risadas contagiantes e os desafios inerentes ao desenvolvimento. Ensinar era mais do que uma profissão, era a minha paixão, a força motriz que me impelia adiante. No entanto, mesmo em meio à rotina, a imagem de Ethan e o eco de sua voz me chamando de “mamãe” persistiam em minha mente. Aquele gesto, apesar de toda a sua estranheza, havia plantado uma semente de afeto em meu coração.Enquanto organizava meus materiais após o expediente, uma mensagem inesperada vibrou em meu celular. Era de Nicolas Santorini. A mensagem, concisa e direta, contrastava com a imagem fria que eu tinha dele."Ethan insiste em vê-la. Se estiver disponível, venha até minha casa. Ele parece mais tranquilo com sua presença."Relendo a mensagem, tentei decifrar o que motivara aquele convite. Desespero? Pragmatismo? Ou algo mais? A mera possibilidade de rever Ethan me trouxe um calor reconfortante. Aos poucos, as visitas foram s
Nicolas SantoriniAs palavras de Ethan martelavam em minha mente como uma acusação silenciosa: “Eles dizem que sou órfão. Que minha mãe não me aguentou.” A crueldade infantil, tão brutal quanto inesperada, me confrontava com minha própria negligência. Eu estava falhando com meu filho, deixando-o à mercê de um mundo implacável.O restante do jantar se arrastou em um silêncio constrangedor. Ethan, absorto em seus próprios pensamentos sombrios, mal tocou na comida. Jhulietta, com uma delicadeza admirável, tentava amenizar a atmosfera pesada, mas seus esforços eram em vão. Eu apenas observava, perdido em um turbilhão de culpa e arrependimento. Quando Ethan finalmente pediu licença para se retirar, um alívio momentâneo pairou na sala de jantar. Mas a conversa que se seguiu prometia ser ainda mais difícil.Jhulietta me encarou, um misto de desconforto e determinação em seus olhos.— Ele não deveria passar por isso. — Sua voz era suave, mas carregada de convicção.— Acha que eu não sei? — re
Nicolas Santorini Saí do quarto de Ethan com o peso do mundo sobre os ombros. Cada passo ecoava no corredor silencioso, a responsabilidade de ser o pai que meu filho merecia me oprimindo a cada instante. Eu me sentia perdido, sem saber como preencher o vazio deixado por Laura, um vazio que, sem perceber, havia me afastado de Ethan, deixando-o à deriva em meio à própria dor. Na mesa da sala de estar, um envelope chamou minha atenção. Era um dossiê de Pedro, meu assistente e homem de confiança, sempre diligente em me manter informado sobre tudo, especialmente sobre aqueles que se aproximavam da minha família. Desde a morte de Laura, minha cautela se tornara quase paranoica, e Pedro entendia essa necessidade de proteção. Sentei-me na poltrona, o couro macio cedendo sob meu peso, e abri o envelope. O nome “Jhulietta Duarte” saltava aos meus olhos. Eu precisava saber mais sobre a mulher que havia entrado em nossas vidas com tanta intensidade. As páginas seguintes revelaram uma históri
Jhulietta DuarteO “ok” que digitei no celular parecia ecoar na quietude do meu pequeno apartamento. Um simples “ok” que selava um acordo, um compromisso, algo que eu jamais imaginei aceitar. Nicolas Santorini, um homem envolto em mistério e frieza, havia me oferecido um lugar na vida de seu filho, um lugar que, por algum motivo inexplicável, parecia destinado a mim.A noite se arrastou, povoada por pensamentos inquietos. A imagem de Ethan, com seus olhos azuis carregados de tristeza e a voz embargada ao falar da mãe, se misturava às lembranças dolorosas da minha própria infância. A dor da perda, o vazio da ausência, a crueldade das palavras… eu conhecia cada faceta daquele sofrimento. E talvez fosse essa compreensão, essa empatia visceral, que me impelia a aceitar a proposta de Nicolas.Na manhã seguinte, preparei-me para o trabalho com uma sensação estranha. A rotina na escola parecia distante, ofuscada pela iminente conversa com Nicolas. As crianças, com suas energias vibrantes e p
A chuva começou a cair assim que saí da mansão Santorini, grossos pingos molhando meu rosto e lavando, momentaneamente, a sensação opressora que me acompanhava. O vento uivava entre os prédios, como se carregasse consigo os ecos de um passado que eu tanto me esforçava para manter adormecido. A conversa com Nicolas, a revelação sobre a pesquisa de Pedro, a vaga e perturbadora semelhança entre mim e Laura… tudo se somava a um turbilhão de pensamentos que me deixavam inquieta. Dentro do ônibus, enquanto observava as luzes da cidade se refletirem nas janelas molhadas, tentei organizar minhas ideias. Nicolas havia sido surpreendentemente aberto sobre a situação de Ethan, demonstrando uma preocupação genuína com o bem-estar do filho. A oferta de ser tutora de Ethan, embora inesperada, me parecia uma oportunidade de fazer a diferença na vida daquele menino tão fragilizado. Mas a menção à pesquisa de Pedro… isso me perturbava profundamente. Sempre fui muito reservada sobre meu passado. As
Nicolas Santorini A manhã amanheceu com um céu plúmbeo, como se as nuvens densas refletissem o turbilhão de pensamentos que me assaltavam. Desde a chegada de Jhulietta à mansão, uma corrente invisível havia alterado a atmosfera da casa, e, mais inquietante, a minha própria. Uma energia sutil, difícil de definir, pairava no ar. Contudo, a cautela, cultivada a ferro e fogo ao longo dos anos, mantinha-se em guarda. Jhulietta era uma incógnita, um enigma que me atraía e, ao mesmo tempo, me deixava em estado de alerta constante. Após o café da manhã solitário na imensa sala de jantar um ritual matinal que se tornara rotina, decidi convocar Dona Bryana. Se alguém naquela casa possuía o dom da observação, era ela. — Dona Bryana, poderia vir ao meu escritório, por favor? — chamei, vendo-a surgir quase imediatamente na soleira da porta, com sua postura impecável e o olhar penetrante de quem tudo vê e pouco revela. — Às suas ordens, senhor Nicolas — respondeu, com a formalidade de sempre.