Jhulietta Duarte
O dia na escola transcorreu entre a sinfonia usual de vozes infantis, risadas contagiantes e os desafios inerentes ao desenvolvimento. Ensinar era mais do que uma profissão, era a minha paixão, a força motriz que me impelia adiante. No entanto, mesmo em meio à rotina, a imagem de Ethan e o eco de sua voz me chamando de “mamãe” persistiam em minha mente. Aquele gesto, apesar de toda a sua estranheza, havia plantado uma semente de afeto em meu coração. Enquanto organizava meus materiais após o expediente, uma mensagem inesperada vibrou em meu celular. Era de Nicolas Santorini. A mensagem, concisa e direta, contrastava com a imagem fria que eu tinha dele. "Ethan insiste em vê-la. Se estiver disponível, venha até minha casa. Ele parece mais tranquilo com sua presença." Relendo a mensagem, tentei decifrar o que motivara aquele convite. Desespero? Pragmatismo? Ou algo mais? A mera possibilidade de rever Ethan me trouxe um calor reconfortante. Aos poucos, as visitas foram se tornando mais frequentes, mesmo com a clara relutância de Nicolas. Peguei o ônibus e logo me encontrava diante dos portões da mansão Santorini. A imponência da construção, os jardins meticulosamente cuidados, tudo ali exalava opulência. Um mundo à parte da minha realidade. Assim que a governanta abriu a porta, passos rápidos ecoaram pelo hall. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Ethan surgiu correndo e se atirou em meus braços, um abraço apertado e necessitado. — Jhulietta! — exclamou, a alegria contagiante iluminando seu rosto. — Oi, Ethan! — respondi, envolvendo-o em meus braços. — Como está o meu pequeno aventureiro? O sorriso vacilou, dando lugar a uma expressão séria. — Preciso te contar uma coisa — disse ele, puxando minha mão. — Vem! Ele me conduziu até a sala de estar. Nicolas estava sentado em uma poltrona, concentrado em alguns papéis. Seus olhos encontraram os meus por um breve instante, um aceno quase imperceptível antes que ele voltasse a atenção para os documentos. Acomodei-me no sofá com Ethan, que se aninhou ao meu lado, segurando minha mão como se temesse perdê-la. — Como foi o seu dia, Ethan? — perguntei, tentando quebrar a atmosfera tensa. Ele deu de ombros, fitando o chão. — Chato. — Por quê? — insisti, com delicadeza. Ele hesitou, mordendo o lábio inferior. — Eu não fui para a escola — confessou, a voz baixa e carregada de culpa. Uma pontada de preocupação me atingiu. — Não foi? O que aconteceu? Seus olhos azuis encontraram os meus, a tristeza transparecendo em cada detalhe. — Eu não gosto de lá — murmurou. — É horrível. — Horrível? — arqueei as sobrancelhas, surpresa. — Por quê? Um suspiro profundo escapou de seus lábios, um gesto que parecia deslocado em uma criança tão jovem. — Os outros meninos… eles riem de mim. Dizem que eu sou estranho porque eu não tenho… — ele interrompeu a frase, desviando o olhar. — Porque você não tem o quê, Ethan? — incentivei-o a continuar, com a voz suave. — Porque eu não tenho mãe — a confissão sussurrada me atingiu como um golpe. Meu coração se apertou em uma dor lancinante. Aquilo explicava muita coisa. — Oh, Ethan… — apertei sua mão em um gesto de consolo. — Eu odeio a escola — continuou ele, a voz embargada pela frustração. — Não quero mais ir. Observei-o por um momento, buscando as palavras certas. — Eu entendo que a escola pode ser difícil às vezes — comecei. — Mas também pode ser incrível. Ele franziu a testa, cético. — Incrível? Como? — Você pode aprender coisas novas, fazer amigos, descobrir talentos que nem imagina ter e até mesmo encontrar algo que você ame fazer. Ele balançou a cabeça em negativa. — Eu não quero amigos. Eles só me machucam. — Nem todos são assim, Ethan — retruquei. — E, às vezes, as pessoas que nos magoam estão apenas tentando esconder suas próprias inseguranças. Ele pareceu ponderar minhas palavras, mas a dúvida ainda pairava em seus olhos. — E se eu não conseguir? — Você vai conseguir, Ethan. Você é muito mais forte do que pensa. Ele permaneceu em silêncio por um instante, antes de se inclinar e apoiar a cabeça em meu braço. — Eu queria que você fosse minha professora — sussurrou. Um sorriso brotou em meus lábios, tocada pela confiança que ele depositava em mim. — Mesmo? — Sim. Você me entende — respondeu, como se fosse óbvio. Compartilhamos mais alguns minutos de conversa. Ele me falou sobre seus brinquedos favoritos, seu amor por desenhos e sua paixão por chocolate. A cada palavra, a cada gesto, a barreira que o isolava parecia se dissipar, revelando o menino doce e inteligente que se escondia por trás da dor. Durante nossa conversa, senti o olhar de Nicolas sobre nós. Ele estava parado na entrada da sala, observando-nos em silêncio. Seus olhos eram indecifráveis, mas percebi neles uma mistura de surpresa e… talvez admiração. — Ethan, está na hora do jantar — anunciou Nicolas, interrompendo nossa conversa. Ethan fez uma careta. — Posso jantar com a Jhulietta? — Isso depende dela — respondeu Nicolas, fixando seus olhos em mim. — Claro — aceitei, sorrindo para Ethan. Enquanto nos dirigíamos à sala de jantar, a atmosfera se adensou. Aquele jantar, aquele convívio, pareciam prenunciar algo maior. Eu não compreendia completamente a dinâmica daquela família, mas sentia que havia ali algo mais profundo, algo que transcendia a mera coincidência. O jantar transcorreu em um misto de silêncio por parte de Nicolas e a animação contagiante de Ethan. Na sobremesa, no entanto, uma pergunta de Ethan quebrou o tênue equilíbrio. — Papai, eu ainda não quero voltar para a escola. Posso ter aulas com a Jhulietta? O olhar de Nicolas se voltou para mim, como se a ideia tivesse partido de mim. — O que conversamos sobre você tentar coisas novas? — perguntei a Ethan, com delicadeza. — Eu sei, Jhulietta, mas não quero ir para a escola ainda. Meus colegas me chamam de órfão e dizem que minha mãe não me aguentou e por isso morreu. As palavras de Ethan me atingiram como um choque. A crueldade infantil, a dor profunda da perda… tudo se conectou naquele instante. A razão de sua aversão à escola, o motivo de sua fragilidade. Aquele menino carregava um fardo pesado demais para seus pequenos ombros.Nicolas SantoriniAs palavras de Ethan martelavam em minha mente como uma acusação silenciosa: “Eles dizem que sou órfão. Que minha mãe não me aguentou.” A crueldade infantil, tão brutal quanto inesperada, me confrontava com minha própria negligência. Eu estava falhando com meu filho, deixando-o à mercê de um mundo implacável.O restante do jantar se arrastou em um silêncio constrangedor. Ethan, absorto em seus próprios pensamentos sombrios, mal tocou na comida. Jhulietta, com uma delicadeza admirável, tentava amenizar a atmosfera pesada, mas seus esforços eram em vão. Eu apenas observava, perdido em um turbilhão de culpa e arrependimento. Quando Ethan finalmente pediu licença para se retirar, um alívio momentâneo pairou na sala de jantar. Mas a conversa que se seguiu prometia ser ainda mais difícil.Jhulietta me encarou, um misto de desconforto e determinação em seus olhos.— Ele não deveria passar por isso. — Sua voz era suave, mas carregada de convicção.— Acha que eu não sei? — re
Nicolas Santorini Saí do quarto de Ethan com o peso do mundo sobre os ombros. Cada passo ecoava no corredor silencioso, a responsabilidade de ser o pai que meu filho merecia me oprimindo a cada instante. Eu me sentia perdido, sem saber como preencher o vazio deixado por Laura, um vazio que, sem perceber, havia me afastado de Ethan, deixando-o à deriva em meio à própria dor. Na mesa da sala de estar, um envelope chamou minha atenção. Era um dossiê de Pedro, meu assistente e homem de confiança, sempre diligente em me manter informado sobre tudo, especialmente sobre aqueles que se aproximavam da minha família. Desde a morte de Laura, minha cautela se tornara quase paranoica, e Pedro entendia essa necessidade de proteção. Sentei-me na poltrona, o couro macio cedendo sob meu peso, e abri o envelope. O nome “Jhulietta Duarte” saltava aos meus olhos. Eu precisava saber mais sobre a mulher que havia entrado em nossas vidas com tanta intensidade. As páginas seguintes revelaram uma históri
Jhulietta DuarteO “ok” que digitei no celular parecia ecoar na quietude do meu pequeno apartamento. Um simples “ok” que selava um acordo, um compromisso, algo que eu jamais imaginei aceitar. Nicolas Santorini, um homem envolto em mistério e frieza, havia me oferecido um lugar na vida de seu filho, um lugar que, por algum motivo inexplicável, parecia destinado a mim.A noite se arrastou, povoada por pensamentos inquietos. A imagem de Ethan, com seus olhos azuis carregados de tristeza e a voz embargada ao falar da mãe, se misturava às lembranças dolorosas da minha própria infância. A dor da perda, o vazio da ausência, a crueldade das palavras… eu conhecia cada faceta daquele sofrimento. E talvez fosse essa compreensão, essa empatia visceral, que me impelia a aceitar a proposta de Nicolas.Na manhã seguinte, preparei-me para o trabalho com uma sensação estranha. A rotina na escola parecia distante, ofuscada pela iminente conversa com Nicolas. As crianças, com suas energias vibrantes e p
A chuva começou a cair assim que saí da mansão Santorini, grossos pingos molhando meu rosto e lavando, momentaneamente, a sensação opressora que me acompanhava. O vento uivava entre os prédios, como se carregasse consigo os ecos de um passado que eu tanto me esforçava para manter adormecido. A conversa com Nicolas, a revelação sobre a pesquisa de Pedro, a vaga e perturbadora semelhança entre mim e Laura… tudo se somava a um turbilhão de pensamentos que me deixavam inquieta. Dentro do ônibus, enquanto observava as luzes da cidade se refletirem nas janelas molhadas, tentei organizar minhas ideias. Nicolas havia sido surpreendentemente aberto sobre a situação de Ethan, demonstrando uma preocupação genuína com o bem-estar do filho. A oferta de ser tutora de Ethan, embora inesperada, me parecia uma oportunidade de fazer a diferença na vida daquele menino tão fragilizado. Mas a menção à pesquisa de Pedro… isso me perturbava profundamente. Sempre fui muito reservada sobre meu passado. As
Nicolas Santorini A manhã amanheceu com um céu plúmbeo, como se as nuvens densas refletissem o turbilhão de pensamentos que me assaltavam. Desde a chegada de Jhulietta à mansão, uma corrente invisível havia alterado a atmosfera da casa, e, mais inquietante, a minha própria. Uma energia sutil, difícil de definir, pairava no ar. Contudo, a cautela, cultivada a ferro e fogo ao longo dos anos, mantinha-se em guarda. Jhulietta era uma incógnita, um enigma que me atraía e, ao mesmo tempo, me deixava em estado de alerta constante. Após o café da manhã solitário na imensa sala de jantar um ritual matinal que se tornara rotina, decidi convocar Dona Bryana. Se alguém naquela casa possuía o dom da observação, era ela. — Dona Bryana, poderia vir ao meu escritório, por favor? — chamei, vendo-a surgir quase imediatamente na soleira da porta, com sua postura impecável e o olhar penetrante de quem tudo vê e pouco revela. — Às suas ordens, senhor Nicolas — respondeu, com a formalidade de sempre.
O calor úmido de Recife me envolveu assim que pisei fora do avião, um contraste gritante com o ar frio e seco que eu deixara para trás na mansão Santorini. O cheiro salgado do mar, tão característico da região, trouxe à tona memórias de um tempo em que eu permitia que o lazer e a despreocupação fizessem parte da minha vida. O motorista, impecavelmente alinhado, aguardava com uma placa discreta com meu nome.— Boa noite, senhor Santorini — cumprimentou com uma breve inclinação de cabeça, pegando minha bagagem.— Boa noite. Direto para o resort, por favor — respondi, entrando no carro.A viagem até Porto de Galinhas durou cerca de uma hora. O trajeto me ofereceu um breve interlúdio para repassar mentalmente os detalhes do problema estrutural. Uma fissura preocupante, segundo Eduardo, exigindo intervenção imediata para evitar maiores danos. Um contratempo irritante, mas administrável.Eduardo me aguardava na entrada do resort, sua figura alta e elegante destacando-se mesmo sob o calor tr
Jhulietta DuarteO burburinho constante dos corredores da escola ecoava ao meu redor, uma sinfonia cotidiana de passos apressados e vozes animadas. A última aula finalmente havia terminado, e eu guardava meus livros na mochila quando Renata surgiu na porta, um sorriso travesso iluminando seu rosto.— Jhulietta, você não vai acreditar no que consegui! — exclamou, entrando na sala com a energia de um furacão e sentando-se na cadeira ao meu lado.— O que aprontou dessa vez, Re? — perguntei, erguendo as sobrancelhas em antecipação.— Convites VIP para a festa *bomba* do clube! Música ao vivo, open bar e a nata da sociedade. Vai ser épico! — Ela brandia os convites como troféus, seus olhos brilhando de excitação.Suspirei, fechando a mochila.— Parece incrível, Re, mas não posso ir.O sorriso de Renata murchou, dando lugar a uma expressão de puro drama.— Ah, qual é, Jhu! Você nunca sai! Se solta, garota! Vai ter uns gatos que você nem imagina. E me deu um trabalho *danado* conseguir esses
Nicolas SantoriniO som constante das ondas quebrando na costa preenchia o escritório improvisado onde eu passava os últimos dias. As negociações sobre a estrutura do novo resort avançavam lentamente, e cada detalhe exigia minha atenção. Com o notebook à minha frente, revisava contratos e plantas arquitetônicas enquanto o relógio marcava o final da manhã.— Então, quando é que você vai parar de brincar de empresário e me acompanhar numa festa decente? — Eduardo surgiu do outro lado da sala com um sorriso provocador, se recostando em uma das cadeiras. Ele tamborilava os dedos na mesa, claramente à vontade.Suspirei e tirei os óculos, esfregando os olhos cansados.— Eduardo, você sabe que eu não vim aqui para festas. — Meu amigo é muito bom no que faz, porém é um festeiro de marca maior, e eu me meti em algumas confusões com meus pais por conta dele. — Ah, sim, sempre tão responsável. — Ele se levantou, caminhando até a janela. — E aí, está vigiando muito a professorinha gostosa? — Me