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Capítulo 3 – O Passado em Uma Nova Face

Nicolas Santorini

Chegar em casa sempre me proporcionava uma trégua efêmera. Um breve alívio antes da exaustão inevitável. Meu dia, como tantos outros, fora uma maratona de reuniões intermináveis, a frieza dos contratos e o peso das decisões cruciais. Ao sair do elevador privativo, tudo o que eu ansiava era o silêncio reconfortante do meu lar e a presença de Ethan, mesmo que nossos encontros, desde a partida de Laura, fossem permeados por uma melancolia persistente.

Mas, assim que as portas se abriram, uma dissonância me atingiu. O apartamento estava silencioso demais. Um silêncio que gritava ausência. Normalmente, a essa hora, Ethan estaria espalhando alegria – e brinquedos – pela sala, sua risada ecoando pelos cômodos. Fechei a porta atrás de mim, um pressentimento incômodo se instalando em meu peito.

— Ethan? — chamei, a voz ecoando no vazio.

O silêncio respondeu.

A calma que eu tanto buscava se esvaiu, dando lugar a uma crescente apreensão. Caminhei pelo apartamento, cada passo aumentando a angústia. O quarto de Ethan estava impecável – um péssimo sinal. Meu filho era a personificação da desordem infantil. Inspecionei embaixo da cama, dentro do closet, vasculhei cada canto. Nada.

A respiração começou a falhar, o pânico apertando meu coração. Percorri a sala, a cozinha, até mesmo meu escritório, a cada cômodo vazio a ansiedade se intensificando.

— Alguém viu o Ethan? — rosnei no interfone, chamando a governanta.

Bryana surgiu em segundos, com uma expressão confusa que logo se transformou em apreensão ao ver meu rosto.

— Senhor Santorini? O Ethan não estava em seu quarto?

— Ele sumiu! — a voz escapou rouca, carregada de pavor. — Como ninguém notou que meu filho não está em casa?

Bryana gaguejou uma desculpa sobre estar ocupada na cozinha, mas a verdade era cristalina: a negligência reinava. A sensação de falha me atingiu como um soco no estômago.

— Acione a segurança. Quero saber se alguém o viu sair! — ordenei, o sangue fervendo nas veias.

Minutos se arrastaram como horas. Um dos seguranças apareceu, o rosto pálido e a voz hesitante.

— Senhor Santorini, revisamos as câmeras. Parece que o pequeno Ethan saiu sozinho pela porta dos fundos durante a entrega das compras.

Um frio glacial percorreu meu corpo. Ethan, sozinho, nas ruas da cidade? A imagem me assombrou. Ele era tão pequeno, tão vulnerável.

— E ninguém viu? — a raiva transbordava em cada palavra.

— Não, senhor. Nós… presumimos que ele estivesse com a babá.

Contive um grito de fúria. Desde a morte de Laura, confiar o cuidado de Ethan a alguém era um teste constante para meus nervos, e agora essa confiança se revelava um erro catastrófico.

— Quero todos procurando por ele agora! Revistem as ruas, os parques, cada beco, cada esquina! — ordenei, pegando meu casaco e saindo em disparada.

No elevador, cada segundo parecia uma eternidade. Imagens terríveis invadiam minha mente, o medo de perder Ethan me corroendo por dentro. Ao chegar na garagem, pulei para dentro do carro e acelerei pelas ruas, a adrenalina pulsando em minhas veias.

Varri cada rua, cada praça, interrogando qualquer pessoa que cruzasse meu caminho, buscando desesperadamente por um sinal do meu filho. O desespero me consumia. Não era apenas o medo da perda, mas a culpa avassaladora de tê-lo deixado vulnerável.

Quase meia hora depois, o telefone tocou. Era um dos seguranças.

— Senhor, encontramos o Ethan. Ele está seguro, com uma mulher, perto da praça principal.

Uma onda de alívio me inundou, mas a raiva ainda borbulhava em minhas entranhas.

— Chego aí em instantes.

Acelerei até a praça e, assim que estacionei, meus olhos encontraram Ethan. Ele estava sentado em um banco, de mãos dadas com uma mulher. Ela conversava com ele em um tom calmo e gentil, e Ethan a olhava com uma expressão que eu não via há meses: paz.

Aproximei-me, o coração batendo forte. Quando a mulher ergueu o olhar, senti o mundo girar.

Por um breve e perturbador instante, vi Laura. O rosto, a postura, até mesmo a maneira como ela olhava para Ethan… a semelhança era assustadora, quase sobrenatural. Um nó se formou em minha garganta, sufocando qualquer palavra.

Chamei por Ethan, mas ele resistiu, agarrado à mão da mulher, chamando-a de “mamãe” com uma convicção que me dilacerou. A dor me atingiu como um golpe certeiro. Olhei para a mulher, tentando processar a cena. Não era Laura, é claro, mas a semelhança era perturbadora.

Após uma breve e tensa conversa, e a insistência de Ethan em permanecer com a mulher, nos encontramos agora dentro do meu carro. Uma completa estranha ocupava o banco de trás com meu filho, que irradiava felicidade em sua presença. Aquele sorriso era uma tortura para mim.

De volta ao apartamento, pedi que levassem Ethan para o quarto. Troquei algumas palavras frias com a mulher, Jhulietta, que me confrontou com uma ousadia inédita. A ousadia de uma estranha dentro da minha casa, com meu filho. A pergunta martelava em minha mente: “qual o interesse dela em Ethan?”

Peguei meu celular e liguei para Bryana.

— Bryana, demita a babá imediatamente. Diga a ela que estou sendo generoso em não denunciá-la.

— Devo procurar outra babá para o Ethan, senhor?

— Por enquanto, não. Uma mulher estará visitando o Ethan e quero que a observe discretamente.

— Sim, senhor. Mais alguma coisa?

Dispensei-a com um gesto e liguei para Pedro, meu investigador particular.

— Pedro, preciso que levante a ficha de uma mulher. Jhulietta Duarte. Quero tudo.

Após a breve conversa com Pedro, servi-me uma dose generosa de uísque. Precisava de algo forte para digerir o turbilhão de emoções que me assolava. A semelhança com Laura, a conexão instantânea de Ethan com aquela estranha… tudo aquilo era profundamente perturbador.

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