Capítulo 7 – Um Eco Familiar

Jhulietta Duarte

O “ok” que digitei no celular parecia ecoar na quietude do meu pequeno apartamento. Um simples “ok” que selava um acordo, um compromisso, algo que eu jamais imaginei aceitar. Nicolas Santorini, um homem envolto em mistério e frieza, havia me oferecido um lugar na vida de seu filho, um lugar que, por algum motivo inexplicável, parecia destinado a mim.

A noite se arrastou, povoada por pensamentos inquietos. A imagem de Ethan, com seus olhos azuis carregados de tristeza e a voz embargada ao falar da mãe, se misturava às lembranças dolorosas da minha própria infância. A dor da perda, o vazio da ausência, a crueldade das palavras… eu conhecia cada faceta daquele sofrimento. E talvez fosse essa compreensão, essa empatia visceral, que me impelia a aceitar a proposta de Nicolas.

Na manhã seguinte, preparei-me para o trabalho com uma sensação estranha. A rotina na escola parecia distante, ofuscada pela iminente conversa com Nicolas. As crianças, com suas energias vibrantes e perguntas incessantes, me distraíram por algumas horas, mas a imagem de Ethan e a responsabilidade que eu havia assumido pairavam sobre mim.

Após o término das aulas, retornei ao meu apartamento, um pequeno espaço alugado em um bairro modesto. Ajeitei os poucos móveis, preparei um chá fraco e esperei. A mensagem de Nicolas não demorou a chegar, com o endereço e o horário para nossa reunião.

Ao chegar à mansão Santorini, a imponência do lugar me causou um leve desconforto. Aquele universo de luxo e sofisticação contrastava drasticamente com a minha realidade. A governanta me recebeu com um sorriso educado e me conduziu até a biblioteca, um cômodo amplo e silencioso, com estantes repletas de livros antigos.

Nicolas aguardava em pé, perto da janela, com o olhar fixo na paisagem urbana. Ao me ver, virou-se com um aceno breve.

— Jhulietta, obrigado por vir.

— Bom dia, senhor Santorini.

Um silêncio constrangedor pairou no ar por alguns instantes. Ele parecia tão formal, tão distante.

— Ethan está ansioso para vê-la — disse ele, quebrando o silêncio. — Ele ficou muito feliz com a notícia de que você será sua professora.

— Fico feliz em saber disso. Também estou ansiosa para começar.

— Imagino que tenha muitas perguntas — continuou ele, com um leve suspiro. — E estou disposto a responder o que puder.

Sentei-me em uma poltrona, e ele se sentou em outra, mantendo uma distância respeitosa.

— Para começar — iniciei —, gostaria de saber mais sobre a rotina de Ethan, seus hábitos, suas dificuldades…

Nicolas me forneceu detalhes sobre a vida de Ethan, sua paixão por desenhos, sua dificuldade em socializar com outras crianças, seu medo da escola. A cada palavra, eu sentia meu coração se apertar. Aquele menino carregava um fardo pesado demais para sua idade.

— Ele sente muita falta da mãe — concluiu Nicolas, com a voz embargada. — A morte dela o afetou profundamente.

— Eu imagino — respondi, com a voz suave. — Perder alguém que amamos é sempre muito difícil.

Nossos olhares se encontraram por um breve instante. Percebi uma sombra de dor em seus olhos, uma dor que ele tentava esconder por trás de uma fachada fria e distante.

— Jhulietta… — ele começou, com um tom hesitante. — Sei que essa situação é… incomum. E agradeço imensamente por ter aceitado ajudar meu filho.

— Eu me importo com Ethan — respondi, com sinceridade. — E acredito que posso ajudá-lo.

— Há mais uma coisa que preciso te contar — disse ele, com um suspiro profundo. — Pedro, meu assistente, fez uma pesquisa sobre você…

Senti um frio percorrer minha espinha. A menção da pesquisa me causou um mal-estar repentino. Eu sempre fui reservada sobre meu passado, sobre as dores que carrego.

— Ele me contou sobre… sua história — continuou Nicolas, com um tom de voz cauteloso. — Sobre sua mãe…

Fechei os olhos por um instante, tentando controlar as emoções que me invadiam. As lembranças da minha infância, a dor da perda, a crueldade dos meus familiares… tudo aquilo veio à tona como um turbilhão.

— Eu entendo se isso a fizer reconsiderar… — disse Nicolas, com a voz embargada.

Abri os olhos e o encarei.

— Não — respondi, com firmeza. — Minha história não me define. E não vai me impedir de ajudar Ethan.

Um alívio visível surgiu no rosto de Nicolas.

— Obrigado, Jhulietta. De verdade.

Conversamos sobre os detalhes das aulas, horários, valores… tudo parecia se encaixar. Mas, enquanto me despedia de Nicolas, uma pergunta persistia em minha mente. Por que ele havia me escolhido? Por que, dentre tantas pessoas, ele confiaria seu filho a mim, uma completa estranha com um passado tão doloroso?

Ao sair da mansão, senti um vento frio açoitando meu rosto. Olhei para o céu, as nuvens densas prenunciando uma tempestade. Uma sensação estranha me invadiu, um pressentimento de que algo mais estava por vir, algo que eu ainda não conseguia decifrar. A anotação incompleta de Pedro no dossiê, a semelhança entre mim e a falecida esposa de Nicolas, a conexão imediata que Ethan sentiu por mim… tudo aquilo parecia convergir para um ponto obscuro, um segredo que pairava nas sombras do passado, pronto para ser revelado. E eu, de alguma forma, sentia que estava no centro de tudo aquilo. A tempestade não estava apenas no céu, mas também dentro de mim.

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