Jhulietta Duarte A tarde estava tranquila na mansão Santorini. Eu estava na sala de estudos com Ethan, ajudando-o com um exercício de leitura. Ele estava concentrado, o que era raro, e eu aproveitava cada momento para incentivá-lo. — Muito bem, Ethan! — aplaudi, enquanto ele lia uma frase inteira sem hesitar. — Está melhorando muito! Ele sorriu timidamente, mas antes que pudesse responder, o som de vozes no corredor atraiu nossa atenção. — Parece que temos visitas — comentei. Ele ergueu os olhos para mim, curioso. — Será o vovô? — Vamos descobrir. Peguei sua mão e juntos fomos até a entrada da sala. Lá, encontramos Nicolas conversando com um homem de porte imponente e uma senhora elegantemente vestida. Mesmo com o semblante delicado, ela parecia um pouco confusa, como se estivesse deslocada. — Ah, Ethan! — exclamou Nicolas, vem ver o vovô e a vovó. Ethan olhou timidamente para o casal, enquanto o homem se abaixava um pouco para cumprimentá-lo. — Meu amor como você cresce
Nicolas SantoriniA presença de meus pais na mansão era um evento raro, quase uma anomalia em nossa rotina. Desde que os primeiros sinais da demência de minha mãe começaram a se manifestar, meu pai havia restringido drasticamente suas viagens e aparições públicas. A dinâmica familiar, antes marcada por jantares formais e compromissos sociais, havia se transformado em um ciclo de cuidados silenciosos e preocupações constantes. Tê-los ali, especialmente sob aquelas circunstâncias, despertava em mim um turbilhão de emoções conflitantes: a alegria nostálgica de tê-los por perto, contrastando com a angústia de testemunhar o declínio progressivo de minha mãe.Após o incidente perturbador na sala de estudos, quando minha mãe confundiu Jhulietta com uma tal de Mônica, uma peça crucial parecia faltar no quebra-cabeça. Algo simplesmente não se encaixava. Embora meu pai tivesse oferecido uma explicação plausível, o desconforto que pairava em seus olhos, a sombra de hesitação em sua voz, me dizia
— Oi, mamãe! — Depositei um beijo suave em sua face enrugada, sentindo a textura fina de sua pele sob meus lábios. Ela me encarou por alguns instantes, um olhar vago e hesitante, como se tentasse decifrar um enigma em meu rosto. Um esforço doloroso de se testemunhar.— Nick, meu amorzinho — respondeu finalmente, um sorriso fraco iluminando seu rosto. — Você já fez as tarefas da escola? Posso ver seus cadernos? Não quero que você e Dudu cheguem tarde para o treino. — A voz era doce, mas as palavras… as palavras pertenciam a outro tempo, a uma época em que eu ainda era um adolescente e meu irmão, Eduardo, dividia meus dias. Minha mãe estava presa em uma memória distante, em uma versão minha que não existia mais.— Pode deixar, mamãe — respondi com um sorriso forçado, tentando disfarçar a dor que me apertava o peito.Para um filho, era uma provação cruel olhar para a própria mãe e perceber que ela não o reconhecia completamente. Aquele reconhecimento fragmentado, preso a uma imagem do pa
A luz dourada da tarde invadia meu escritório pelas amplas janelas, lançando longas sombras sobre os papéis espalhados pela mesa. Analisava a planta arquitetônica de um novo hotel na costa italiana, um projeto ambicioso que exigia precisão cirúrgica. Meus dedos deslizavam sobre o papel, mas minha mente vagava por caminhos tortuosos, revisitando os acontecimentos dos últimos dias. A chegada de meus pais, os lapsos de memória de minha mãe, a estranha conexão que ela parecia ter com Jhulietta… um emaranhado de mistérios que me deixava inquieto.Perdido em meus pensamentos, fui abruptamente trazido de volta à realidade quando a porta do escritório se abriu sem aviso prévio. Levantei o olhar, uma mistura de surpresa e irritação me tomando.— Quem…? — comecei, mas a pergunta morreu em meus lábios ao ver quem entrava.Olívia.Ela adentrou o escritório com a desenvoltura de quem é dona do lugar, seu andar carregado de uma sensualidade calculada. O brilho de ousadia em seus olhos era um conhec
Jhulietta DuarteO som das crianças correndo e rindo pelo pátio da escola criava uma melodia quase reconfortante. Parada perto da grade, observava o recreio, atenta para que tudo corresse bem. Ethan estava sentado em um banco mais afastado, absorto em um livro, alheio à agitação ao seu redor. Um suspiro escapou de meus lábios enquanto ajeitava a prancheta em minhas mãos. Trabalhar com crianças era uma paixão, mas naquele momento, meus pensamentos estavam focados em outra pessoa. Nicolas. Desde a nossa conversa na cozinha, sua imagem persistia em minha mente. Havia algo nele que me intrigava profundamente, uma mistura de mistério, dor e uma barreira invisível que ele erguia contra o mundo. Ele hesitava em se abrir com qualquer pessoa, mas havia um apelo silencioso em seus olhos, um pedido de ajuda que ele jamais expressaria em palavras. Balancei a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos persistentes. — No que você está pensando, Jhulietta? — murmurei para mim mesma, com um
Nicolas Santorini Estava sentado à mesa da sala de jantar, aproveitando a serenidade matinal enquanto lia as notícias no meu iPad. O aroma convidativo do café fresco pairava no ar, e Dona Nilza havia acabado de colocar uma fatia generosa de torta de nozes ao meu lado. Era meu momento de paz, um breve respiro antes que a rotina agitada do dia se instalasse. De repente, Ethan entrou na sala com passos rápidos, o rosto carregado de uma expressão que me chamou a atenção assim que ele se sentou à minha frente. Ele apoiou os braços na mesa, fixando em mim aqueles olhos grandes e expressivos, sempre repletos de expectativa. — Pai, você tem um tempinho para mim? — perguntou, com uma seriedade incomum para uma criança de apenas oito anos. Desliguei o iPad e o coloquei de lado. O tom de voz de Ethan e a forma como ele se portava me indicavam que o assunto era importante. — Claro, Ethan. O que aconteceu? Ele respirou fundo antes de começar, como se reunisse coragem para o que ia dizer. —
Jhulietta DuarteEthan estava visivelmente chateado, e quando mencionei que não estaria com ele no final de semana, ele começou a demonstrar sua insatisfação de todas as formas possíveis.— Eu odeio o meu pai! — gritou, cruzando os braços com força. Seus olhos brilhavam de raiva e tristeza.Parei o que estava fazendo e me ajoelhei ao seu lado, segurando gentilmente seus ombros.— Ethan, você não pode dizer isso. Seu pai ama você.— Ama? Ele só briga comigo! Só sabe gritar! — rebateu ele, com a voz embargada, enquanto lágrimas começavam a escorrer pelo seu rostinho.Respirei fundo, tentando encontrar as palavras certas.— Sei que às vezes o papai é duro, mas ele só quer proteger você. Às vezes, o jeito dele de demonstrar amor pode não parecer o melhor, mas isso não significa que ele não se importe.Ethan hesitou por um momento, digerindo minhas palavras. Então, sem aviso, ele me envolveu em um abraço apertado, enterrando o rosto em meu ombro.— Eu só queria que ele fosse mais como você
O domingo prometia ser um raro oásis de tranquilidade em minha rotina. A luz suave da tarde banhava meu apartamento enquanto eu me perdia entre as páginas de um livro envolvente. O silêncio era um bálsamo para minha mente geralmente agitada. No entanto, a paz foi abruptamente interrompida pelo toque estridente do telefone. Peguei o celular e vi o nome de Nicolas no visor. Suas ligações eram raras, o que instantaneamente acendeu um sinal de alerta em mim. — Oi, Nicolas. Aconteceu alguma coisa? — perguntei, tentando manter a voz calma. — Jhulietta, desculpe incomodar seu domingo, mas o Ethan está com febre muito alta. Ele não para de chamar por você — respondeu ele, com uma mistura de urgência e preocupação em sua voz. Meu coração acelerou. Ethan era uma criança adorável, e nossa conexão era inegável. Talvez fosse a semelhança física com alguém importante em sua vida, ou simplesmente o laço que havíamos construído, mas ele parecia encontrar conforto em minha presença. A ideia