Nicolas SantoriniA presença de meus pais na mansão era um evento raro, quase uma anomalia em nossa rotina. Desde que os primeiros sinais da demência de minha mãe começaram a se manifestar, meu pai havia restringido drasticamente suas viagens e aparições públicas. A dinâmica familiar, antes marcada por jantares formais e compromissos sociais, havia se transformado em um ciclo de cuidados silenciosos e preocupações constantes. Tê-los ali, especialmente sob aquelas circunstâncias, despertava em mim um turbilhão de emoções conflitantes: a alegria nostálgica de tê-los por perto, contrastando com a angústia de testemunhar o declínio progressivo de minha mãe.Após o incidente perturbador na sala de estudos, quando minha mãe confundiu Jhulietta com uma tal de Mônica, uma peça crucial parecia faltar no quebra-cabeça. Algo simplesmente não se encaixava. Embora meu pai tivesse oferecido uma explicação plausível, o desconforto que pairava em seus olhos, a sombra de hesitação em sua voz, me dizia
— Oi, mamãe! — Depositei um beijo suave em sua face enrugada, sentindo a textura fina de sua pele sob meus lábios. Ela me encarou por alguns instantes, um olhar vago e hesitante, como se tentasse decifrar um enigma em meu rosto. Um esforço doloroso de se testemunhar.— Nick, meu amorzinho — respondeu finalmente, um sorriso fraco iluminando seu rosto. — Você já fez as tarefas da escola? Posso ver seus cadernos? Não quero que você e Dudu cheguem tarde para o treino. — A voz era doce, mas as palavras… as palavras pertenciam a outro tempo, a uma época em que eu ainda era um adolescente e meu irmão, Eduardo, dividia meus dias. Minha mãe estava presa em uma memória distante, em uma versão minha que não existia mais.— Pode deixar, mamãe — respondi com um sorriso forçado, tentando disfarçar a dor que me apertava o peito.Para um filho, era uma provação cruel olhar para a própria mãe e perceber que ela não o reconhecia completamente. Aquele reconhecimento fragmentado, preso a uma imagem do pa
A luz dourada da tarde invadia meu escritório pelas amplas janelas, lançando longas sombras sobre os papéis espalhados pela mesa. Analisava a planta arquitetônica de um novo hotel na costa italiana, um projeto ambicioso que exigia precisão cirúrgica. Meus dedos deslizavam sobre o papel, mas minha mente vagava por caminhos tortuosos, revisitando os acontecimentos dos últimos dias. A chegada de meus pais, os lapsos de memória de minha mãe, a estranha conexão que ela parecia ter com Jhulietta… um emaranhado de mistérios que me deixava inquieto.Perdido em meus pensamentos, fui abruptamente trazido de volta à realidade quando a porta do escritório se abriu sem aviso prévio. Levantei o olhar, uma mistura de surpresa e irritação me tomando.— Quem…? — comecei, mas a pergunta morreu em meus lábios ao ver quem entrava.Olívia.Ela adentrou o escritório com a desenvoltura de quem é dona do lugar, seu andar carregado de uma sensualidade calculada. O brilho de ousadia em seus olhos era um conhec
Jhulietta DuarteO som das crianças correndo e rindo pelo pátio da escola criava uma melodia quase reconfortante. Parada perto da grade, observava o recreio, atenta para que tudo corresse bem. Ethan estava sentado em um banco mais afastado, absorto em um livro, alheio à agitação ao seu redor. Um suspiro escapou de meus lábios enquanto ajeitava a prancheta em minhas mãos. Trabalhar com crianças era uma paixão, mas naquele momento, meus pensamentos estavam focados em outra pessoa. Nicolas. Desde a nossa conversa na cozinha, sua imagem persistia em minha mente. Havia algo nele que me intrigava profundamente, uma mistura de mistério, dor e uma barreira invisível que ele erguia contra o mundo. Ele hesitava em se abrir com qualquer pessoa, mas havia um apelo silencioso em seus olhos, um pedido de ajuda que ele jamais expressaria em palavras. Balancei a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos persistentes. — No que você está pensando, Jhulietta? — murmurei para mim mesma, com um
Nicolas Santorini Estava sentado à mesa da sala de jantar, aproveitando a serenidade matinal enquanto lia as notícias no meu iPad. O aroma convidativo do café fresco pairava no ar, e Dona Nilza havia acabado de colocar uma fatia generosa de torta de nozes ao meu lado. Era meu momento de paz, um breve respiro antes que a rotina agitada do dia se instalasse. De repente, Ethan entrou na sala com passos rápidos, o rosto carregado de uma expressão que me chamou a atenção assim que ele se sentou à minha frente. Ele apoiou os braços na mesa, fixando em mim aqueles olhos grandes e expressivos, sempre repletos de expectativa. — Pai, você tem um tempinho para mim? — perguntou, com uma seriedade incomum para uma criança de apenas oito anos. Desliguei o iPad e o coloquei de lado. O tom de voz de Ethan e a forma como ele se portava me indicavam que o assunto era importante. — Claro, Ethan. O que aconteceu? Ele respirou fundo antes de começar, como se reunisse coragem para o que ia dizer. —
Jhulietta DuarteEthan estava visivelmente chateado, e quando mencionei que não estaria com ele no final de semana, ele começou a demonstrar sua insatisfação de todas as formas possíveis.— Eu odeio o meu pai! — gritou, cruzando os braços com força. Seus olhos brilhavam de raiva e tristeza.Parei o que estava fazendo e me ajoelhei ao seu lado, segurando gentilmente seus ombros.— Ethan, você não pode dizer isso. Seu pai ama você.— Ama? Ele só briga comigo! Só sabe gritar! — rebateu ele, com a voz embargada, enquanto lágrimas começavam a escorrer pelo seu rostinho.Respirei fundo, tentando encontrar as palavras certas.— Sei que às vezes o papai é duro, mas ele só quer proteger você. Às vezes, o jeito dele de demonstrar amor pode não parecer o melhor, mas isso não significa que ele não se importe.Ethan hesitou por um momento, digerindo minhas palavras. Então, sem aviso, ele me envolveu em um abraço apertado, enterrando o rosto em meu ombro.— Eu só queria que ele fosse mais como você
O domingo prometia ser um raro oásis de tranquilidade em minha rotina. A luz suave da tarde banhava meu apartamento enquanto eu me perdia entre as páginas de um livro envolvente. O silêncio era um bálsamo para minha mente geralmente agitada. No entanto, a paz foi abruptamente interrompida pelo toque estridente do telefone. Peguei o celular e vi o nome de Nicolas no visor. Suas ligações eram raras, o que instantaneamente acendeu um sinal de alerta em mim. — Oi, Nicolas. Aconteceu alguma coisa? — perguntei, tentando manter a voz calma. — Jhulietta, desculpe incomodar seu domingo, mas o Ethan está com febre muito alta. Ele não para de chamar por você — respondeu ele, com uma mistura de urgência e preocupação em sua voz. Meu coração acelerou. Ethan era uma criança adorável, e nossa conexão era inegável. Talvez fosse a semelhança física com alguém importante em sua vida, ou simplesmente o laço que havíamos construído, mas ele parecia encontrar conforto em minha presença. A ideia
Nicolas Santorini Eu terminava minha fatia de torta, o olhar perdido no vazio, enquanto o peso das responsabilidades parecia esmagar meu peito. Jhulietta se preparava para sair da cozinha quando a chamei, quase sem pensar. — Jhulietta, você tem um minuto? — perguntei, sem muita certeza de como iniciar a conversa. — Claro, Nicolas. — Ela respondeu prontamente, seu tom respeitoso, mas sem a formalidade excessiva de antes. Suspirei, sentindo a necessidade de ar fresco. — Vamos ao jardim? Acho que precisamos de um pouco de ar. Ela assentiu e me acompanhou. No jardim, as luzes baixas iluminavam delicadamente as flores. O aroma das rosas se misturava à brisa noturna, criando uma atmosfera serena. Paramos perto da fonte, onde a água fluía suavemente. Olhei para o céu, as estrelas pareciam tão distantes quanto as respostas que eu buscava. — Parece que tem algo te incomodando, Nicolas. Quer conversar sobre isso? — perguntou Jhulietta, com uma voz gentil, mas firme. Hesitei por alguns s