Nicolas Santorini
As palavras de Ethan martelavam em minha mente como uma acusação silenciosa: “Eles dizem que sou órfão. Que minha mãe não me aguentou.” A crueldade infantil, tão brutal quanto inesperada, me confrontava com minha própria negligência. Eu estava falhando com meu filho, deixando-o à mercê de um mundo implacável. O restante do jantar se arrastou em um silêncio constrangedor. Ethan, absorto em seus próprios pensamentos sombrios, mal tocou na comida. Jhulietta, com uma delicadeza admirável, tentava amenizar a atmosfera pesada, mas seus esforços eram em vão. Eu apenas observava, perdido em um turbilhão de culpa e arrependimento. Quando Ethan finalmente pediu licença para se retirar, um alívio momentâneo pairou na sala de jantar. Mas a conversa que se seguiu prometia ser ainda mais difícil. Jhulietta me encarou, um misto de desconforto e determinação em seus olhos. — Ele não deveria passar por isso. — Sua voz era suave, mas carregada de convicção. — Acha que eu não sei? — retruquei, o tom mais áspero do que pretendia. A defensiva era meu escudo habitual. Ela cruzou os braços, sustentando meu olhar com uma coragem que me surpreendeu. — Com todo o respeito, senhor Nicolas, o senhor pode saber, mas o que está fazendo para ajudá-lo? Aquelas palavras me atingiram como um golpe certeiro. Verdades duras costumavam machucar. — Ele tem tudo o que precisa. Educação, segurança, conforto material. — Menos a presença do pai que pode lhe dar segurança emocional — rebateu ela, sem hesitar. A honestidade brutal de Jhulietta era um espelho implacável, refletindo minhas próprias falhas. Desde a partida de Laura, eu me refugiara no trabalho, erguendo um império como uma barreira contra a dor. Mas, enquanto eu me protegia, negligenciava a fragilidade de Ethan, deixando-o à deriva em um mar de incertezas. — Não é tão simples, Jhulietta — suspirei, a voz carregada de exaustão. — Eu sei que não é — respondeu ela, suavizando o tom. — Mas ele precisa do senhor. Não de um pai perfeito, apenas de um pai presente. Um silêncio denso se instalou entre nós. Aquelas palavras pairavam no ar, carregadas de um peso que eu não conseguia ignorar. — Você parece se importar muito com ele — murmurei, tentando desviar o foco da conversa. — Como não me importaria? — respondeu ela, os olhos brilhando com uma compaixão genuína. — Ethan é um menino incrível. Ele só precisa de alguém que o ouça, que o *veja* de verdade. Havia algo na forma como Jhulietta falava que me tocava profundamente, despertando uma sensação incômoda. A semelhança entre ela e Laura era perturbadora, um eco do passado que eu tentava desesperadamente abafar. Era irracional, eu sabia, mas a cada olhar, a cada gesto, a sombra de minha falecida esposa pairava sobre nós. Não era apenas a aparência física – os traços assustadoramente similares –, mas a forma como ela se conectava com Ethan, como se houvesse entre eles um laço invisível. — Ele pediu que você fosse a professora dele — declarei, quebrando o silêncio. Um sorriso hesitante surgiu em seus lábios. — Eu sei. — E o que acha disso? — Acho que ele só quer se sentir seguro, compreendido. Ele busca um lugar onde não se sinta julgado ou pressionado. Assenti lentamente, ponderando suas palavras. — Talvez devêssemos considerar aulas particulares por enquanto — sugeri, mais para mim mesmo do que para ela. — Até que ele esteja pronto para voltar à escola. — Pode ser uma boa ideia — concordou ela. — Mas o mais importante, senhor Nicolas, é que o senhor converse com ele. Tente entender o que ele realmente precisa. Ela tinha razão, é claro. Mas confrontar os sentimentos de Ethan significava confrontar os meus próprios fantasmas, uma tarefa que me aterrorizava. Após a partida de Jhulietta, dirigi-me ao quarto de Ethan. Ele estava sentado na cama, concentrado em um desenho. — Posso entrar? — perguntei, parado na porta. Ele ergueu os olhos e deu de ombros. — Você já está aqui. Entrei e sentei ao seu lado. O silêncio pairou entre nós por um momento, enquanto eu observava o desenho em seu caderno. Era uma casa, com uma figura pequena na janela e outra maior do lado de fora. — Quem são eles? — perguntei, apontando para as figuras. — Eu e a mamãe — respondeu ele, sem hesitar. Um aperto doloroso tomou meu coração. — Ethan, você sente muita falta dela, não é? Ele assentiu, mordendo o lábio para conter as lágrimas que ameaçavam cair. — Todo mundo na escola tem mãe… menos eu. — Eu sei que é difícil — murmurei, tentando manter a voz firme. — Mas você não está sozinho, filho. Ele me olhou com uma mistura de esperança e descrença. — Então por que você trabalha tanto? A pergunta me desarmou completamente. Respirei fundo, buscando as palavras certas. — Porque, às vezes, trabalhar é mais fácil do que… sentir saudade. Ele franziu a testa, tentando processar minhas palavras. — Mas eu sinto saudade o tempo todo… — Eu sei, Ethan — respondi, passando a mão por seus cabelos macios. — E eu vou tentar estar mais presente. Eu prometo. Ele não respondeu, apenas se inclinou e apoiou a cabeça em meu ombro. Permanecemos ali em silêncio, um silêncio que, pela primeira vez em muito tempo, não era carregado de tensão, mas de uma conexão silenciosa. Enquanto o colocava na cama, o rosto de Jhulietta voltou a minha mente. Ela estava certa. Ethan precisava de mim. Mas, de alguma forma inexplicável, ele também parecia precisar dela.Nicolas Santorini Saí do quarto de Ethan com o peso do mundo sobre os ombros. Cada passo ecoava no corredor silencioso, a responsabilidade de ser o pai que meu filho merecia me oprimindo a cada instante. Eu me sentia perdido, sem saber como preencher o vazio deixado por Laura, um vazio que, sem perceber, havia me afastado de Ethan, deixando-o à deriva em meio à própria dor. Na mesa da sala de estar, um envelope chamou minha atenção. Era um dossiê de Pedro, meu assistente e homem de confiança, sempre diligente em me manter informado sobre tudo, especialmente sobre aqueles que se aproximavam da minha família. Desde a morte de Laura, minha cautela se tornara quase paranoica, e Pedro entendia essa necessidade de proteção. Sentei-me na poltrona, o couro macio cedendo sob meu peso, e abri o envelope. O nome “Jhulietta Duarte” saltava aos meus olhos. Eu precisava saber mais sobre a mulher que havia entrado em nossas vidas com tanta intensidade. As páginas seguintes revelaram uma históri
Jhulietta DuarteO “ok” que digitei no celular parecia ecoar na quietude do meu pequeno apartamento. Um simples “ok” que selava um acordo, um compromisso, algo que eu jamais imaginei aceitar. Nicolas Santorini, um homem envolto em mistério e frieza, havia me oferecido um lugar na vida de seu filho, um lugar que, por algum motivo inexplicável, parecia destinado a mim.A noite se arrastou, povoada por pensamentos inquietos. A imagem de Ethan, com seus olhos azuis carregados de tristeza e a voz embargada ao falar da mãe, se misturava às lembranças dolorosas da minha própria infância. A dor da perda, o vazio da ausência, a crueldade das palavras… eu conhecia cada faceta daquele sofrimento. E talvez fosse essa compreensão, essa empatia visceral, que me impelia a aceitar a proposta de Nicolas.Na manhã seguinte, preparei-me para o trabalho com uma sensação estranha. A rotina na escola parecia distante, ofuscada pela iminente conversa com Nicolas. As crianças, com suas energias vibrantes e p
A chuva começou a cair assim que saí da mansão Santorini, grossos pingos molhando meu rosto e lavando, momentaneamente, a sensação opressora que me acompanhava. O vento uivava entre os prédios, como se carregasse consigo os ecos de um passado que eu tanto me esforçava para manter adormecido. A conversa com Nicolas, a revelação sobre a pesquisa de Pedro, a vaga e perturbadora semelhança entre mim e Laura… tudo se somava a um turbilhão de pensamentos que me deixavam inquieta. Dentro do ônibus, enquanto observava as luzes da cidade se refletirem nas janelas molhadas, tentei organizar minhas ideias. Nicolas havia sido surpreendentemente aberto sobre a situação de Ethan, demonstrando uma preocupação genuína com o bem-estar do filho. A oferta de ser tutora de Ethan, embora inesperada, me parecia uma oportunidade de fazer a diferença na vida daquele menino tão fragilizado. Mas a menção à pesquisa de Pedro… isso me perturbava profundamente. Sempre fui muito reservada sobre meu passado. As
Nicolas Santorini A manhã amanheceu com um céu plúmbeo, como se as nuvens densas refletissem o turbilhão de pensamentos que me assaltavam. Desde a chegada de Jhulietta à mansão, uma corrente invisível havia alterado a atmosfera da casa, e, mais inquietante, a minha própria. Uma energia sutil, difícil de definir, pairava no ar. Contudo, a cautela, cultivada a ferro e fogo ao longo dos anos, mantinha-se em guarda. Jhulietta era uma incógnita, um enigma que me atraía e, ao mesmo tempo, me deixava em estado de alerta constante. Após o café da manhã solitário na imensa sala de jantar um ritual matinal que se tornara rotina, decidi convocar Dona Bryana. Se alguém naquela casa possuía o dom da observação, era ela. — Dona Bryana, poderia vir ao meu escritório, por favor? — chamei, vendo-a surgir quase imediatamente na soleira da porta, com sua postura impecável e o olhar penetrante de quem tudo vê e pouco revela. — Às suas ordens, senhor Nicolas — respondeu, com a formalidade de sempre.
O calor úmido de Recife me envolveu assim que pisei fora do avião, um contraste gritante com o ar frio e seco que eu deixara para trás na mansão Santorini. O cheiro salgado do mar, tão característico da região, trouxe à tona memórias de um tempo em que eu permitia que o lazer e a despreocupação fizessem parte da minha vida. O motorista, impecavelmente alinhado, aguardava com uma placa discreta com meu nome.— Boa noite, senhor Santorini — cumprimentou com uma breve inclinação de cabeça, pegando minha bagagem.— Boa noite. Direto para o resort, por favor — respondi, entrando no carro.A viagem até Porto de Galinhas durou cerca de uma hora. O trajeto me ofereceu um breve interlúdio para repassar mentalmente os detalhes do problema estrutural. Uma fissura preocupante, segundo Eduardo, exigindo intervenção imediata para evitar maiores danos. Um contratempo irritante, mas administrável.Eduardo me aguardava na entrada do resort, sua figura alta e elegante destacando-se mesmo sob o calor tr
Jhulietta DuarteO burburinho constante dos corredores da escola ecoava ao meu redor, uma sinfonia cotidiana de passos apressados e vozes animadas. A última aula finalmente havia terminado, e eu guardava meus livros na mochila quando Renata surgiu na porta, um sorriso travesso iluminando seu rosto.— Jhulietta, você não vai acreditar no que consegui! — exclamou, entrando na sala com a energia de um furacão e sentando-se na cadeira ao meu lado.— O que aprontou dessa vez, Re? — perguntei, erguendo as sobrancelhas em antecipação.— Convites VIP para a festa *bomba* do clube! Música ao vivo, open bar e a nata da sociedade. Vai ser épico! — Ela brandia os convites como troféus, seus olhos brilhando de excitação.Suspirei, fechando a mochila.— Parece incrível, Re, mas não posso ir.O sorriso de Renata murchou, dando lugar a uma expressão de puro drama.— Ah, qual é, Jhu! Você nunca sai! Se solta, garota! Vai ter uns gatos que você nem imagina. E me deu um trabalho *danado* conseguir esses
Nicolas SantoriniO som constante das ondas quebrando na costa preenchia o escritório improvisado onde eu passava os últimos dias. As negociações sobre a estrutura do novo resort avançavam lentamente, e cada detalhe exigia minha atenção. Com o notebook à minha frente, revisava contratos e plantas arquitetônicas enquanto o relógio marcava o final da manhã.— Então, quando é que você vai parar de brincar de empresário e me acompanhar numa festa decente? — Eduardo surgiu do outro lado da sala com um sorriso provocador, se recostando em uma das cadeiras. Ele tamborilava os dedos na mesa, claramente à vontade.Suspirei e tirei os óculos, esfregando os olhos cansados.— Eduardo, você sabe que eu não vim aqui para festas. — Meu amigo é muito bom no que faz, porém é um festeiro de marca maior, e eu me meti em algumas confusões com meus pais por conta dele. — Ah, sim, sempre tão responsável. — Ele se levantou, caminhando até a janela. — E aí, está vigiando muito a professorinha gostosa? — Me
Jhulietta DuarteO sol já estava alto quando entrei no quarto de Ethan. Ele estava sentado na cama, com os cabelos bagunçados e o olhar ainda carregado de preguiça matinal. Sabia que o dia seria importante para ele e, para mim, seria uma oportunidade única de mostrar algo diferente do que ele estava acostumado. — Bom dia, campeão! — cumprimentei com um sorriso caloroso. — Dormiu bem? Ele levantou os olhos para mim, ainda desconfiado. — Dormi... Por que você tá tão animada? Ri, sentando-me na beira da cama. — Porque hoje você vai passear comigo. Os olhos dele brilharam brevemente, mas logo foram tomados pela curiosidade. — Passear? Pra onde? Respirei fundo, preparando-me para a possível resistência. — Vamos para a escola onde eu trabalho. Ethan fez uma careta, cruzando os braços em um gesto de protesto. — Escola? Eu não quero ir pra escola! Sorri, já esperando essa reação. — Calma, Ethan. Você não vai precisar fazer nada, é só um passeio. Quero que conheça as