Eu afastei o cabelo do rosto e apoiei a cabeça na madeira fria da porta, sentindo o peso do desânimo no olhar. Precisava me lembrar constantemente dos aspectos positivos da minha situação: a casa estava paga, as crianças tinham saúde, e eu ainda era capaz de trabalhar duro. Poderia ser pior, eu dizia a mim mesma.
Admirei o nascer do sol por mais alguns momentos, antes de desviar o olhar para a rua tranquila. A casa da minha avó era muito bem localizada. A rua em frente à propriedade já fora parte de uma auto-estrada, e, desde que a nova rodovia foi construída há alguns anos, tornou-se a principal via de acesso à cidade. Não havia muitos sinais de desenvolvimento na região, até a estrada de ferro: uma oficina reformada com uma grande placa dizendo "O'Neil Veículos", um posto de gasolina, a velha estação ferroviária e um grande prédio que pertencia a um comerciante de implementos agrícolas. Mais adiante, do outro lado dos trilhos, erguiam-se quatro enormes elevadores de grãos, que abasteciam os trens a caminho dos mercados consumidores. Eu começava a me identificar com Jennings, uma típica cidade do sudoeste canadense, onde a maior parte da economia se baseava nas prósperas comunidades agrícolas que a cercavam. Era um lugar pequeno, com uma população gentil e hospitaleira, e tinha ainda a vantagem de ser próxima a uma cidade grande: Calgary ficava a apenas uma hora de carro, na direção sul. As montanhas estavam a pouca distância, e a paisagem da região era incrivelmente bela. A casa ficava nos limites da cidade, com apenas duas outras residências ao norte. Nos fundos da propriedade havia uma depressão no terreno, formando uma divisão natural entre a cidade e os vários hectares de terra desabitada. Diversas árvores cresciam ao longo da borda da ravina e, no fundo dela, entre moitas de inúmeros matizes de verde, corria um fio de água, serpenteando sobre um leito rochoso. Uma trilha estreita levava à propriedade do outro lado, e foi durante uma caminhada no meu primeiro dia em Jennings que descobri uma pequena casa de madeira meio escondida entre as árvores. Quando percebi que o local era habitado, decidi não avançar mais, embora me sentisse tentada. Era um lugar retirado e pitoresco, onde as plantas cresciam sem serem molestadas e flores silvestres se espalhavam exuberantes. Havia também um laguinho, cujas águas cintilavam ao sol quando a brisa suave agitava sua superfície. Eu costumava ir com frequência à ravina com meus filhos, e, enquanto as três crianças brincavam, eu me sentava durante longos e silenciosos minutos sob uma enorme árvore, desfrutando a paz e a tranquilidade que encontrara ali. Gostava de ir para lá principalmente ao alvorecer, quando o sol começava a surgir no céu e o lago sombreado refletia as plantas molhadas de orvalho. Para mim, aquele ambiente era pura mágica. O relógio de pêndulo bateu sete horas, e eu ouvi distraída o som melodioso, imaginando se as crianças demorariam a acordar. Há tanto tempo elas se levantavam comigo ao romper da manhã que não costumavam mais dormir muito além disso. De fato, havíamos enfrentado uma dura e ingrata rotina. Foi logo após Megan nascer que Derek, finalmente, conseguiu um emprego fixo em uma fazenda em Manitoba. Mudamo-nos para a casa apertada que era cedida aos trabalhadores locais assim que eu saí da maternidade. Por pior que fosse, era o primeiro lar de verdade que conseguíamos ter. Eu me sentira tão esperançosa com o emprego, convencida de que Derek se daria bem ali. Mas, em seis meses, ele já havia se desinteressado pelo trabalho e retornado aos eternos rodeios. As únicas ocasiões em que permanecia na fazenda eram durante o plantio e a colheita; no restante do tempo, a responsabilidade pelas tarefas recaía sobre mim. Felizmente, para nós, Stan Rogers, o patrão, não se importava muito com quem se encarregava do trabalho, desde que este fosse feito. Foi um tempo difícil, em que eu precisava levantar de madrugada para alimentar o gado, limpar os celeiros, recolher grãos. Era a única maneira de garantir casa e comida para minha família. O salário mal dava para vestir e alimentar a todos, mas pelo menos conseguíamos sobreviver, e isso era o que importava para mim. Então, descobri que Derek estava dormindo com a esposa do patrão desde que nos mudamos para lá e pensei que iria enlouquecer. Nunca me senti tão amargurada em minha vida. Quatro meses depois, Derek apareceu bêbado em um rodeio e insistiu em fazer sua prova de qualificação em um dos touros mais ferozes e rápidos que havia. Meu marido, que continuava perseguindo sonhos e apostando na sorte grande, foi atirado para longe do animal logo no início da prova e morreu em questão de segundos. Stan permitiu que eu ficasse na fazenda pelo menos até receber o pequeno seguro de vida a que tinha direito. Mas então ele descobriu sobre Derek e sua esposa e me disse, em uma entrevista humilhante, que dirigia uma fazenda, não uma casa de caridade, e que eu tinha um mês para sair de lá. Felizmente, o seguro foi liberado dentro desse prazo, ou eu teria de partir sem um centavo no bolso. — O que foi, mamãe? — Trevor me interrompeu, olhando para mim com curiosidade. — Nada, querido — respondi, forçando um sorriso. — Só estava pensando. — No papai? — Sim, no seu pai — confirmei, hesitante. Observei meu filho em silêncio, atenta. Estava preocupada pelo fato de os meninos terem demonstrado tão pouco sofrimento pela morte do pai. Na verdade, Derek nunca havia sido duro com os garotos. Ele deixava que fizessem tudo o que quisessem. Felizmente para mim, Derek ficava tão pouco em casa que eu tive a oportunidade de contornar a excessiva permissividade dele, conseguindo que as crianças desenvolvessem um sólido senso de responsabilidade.Megan, por outro lado, sempre tentou agradar o pai, apesar de ele deixar claro que não a suportava. Ele vivia chamando-a de "bebê mimado", o que a tornou tímida e insegura. É curioso como os sentimentos se desenvolvem, pensei. Apesar de tudo, era Megan quem mais sentia falta dele. Já os meninos, especialmente Trevor, reagiram à morte de Derek com uma raiva que beirava o ódio, como se a morte fosse mais uma maneira dele os irritar.Entrei na sala com a xícara nas mãos, coloquei-a sobre a mesa e me agachei na frente do meu filho.— Você sente falta dele, Trevor? — perguntei suavemente.— Não — ele respondeu, balançando a cabeça e desviando o olhar.— Não tem problema nenhum falar sobre isso, querido. — Apoiei o queixo nas mãos, esperando pacientemente.Ele levantou os olhos para mim e repetiu com firmeza:— Não sinto falta dele, mamãe. Ele só fazia você sofrer, e eu não suportava isso.A dor nos olhos dele me atingiu como uma faca. Ele enxugou uma lágrima antes de continuar:— Estou fel
Eu estava sentada à mesa da cozinha, tentando desesperadamente equilibrar as contas. O caminhão vendido, os impostos pagos, e ainda assim, o dinheiro parecia evaporar antes de eu conseguir respirar aliviada. Era como se a vida jogasse contra mim. O pagamento pelo serviço na escola ainda estava distante, e o pouco que ganhara ajudando a limpar as salas mal cobria a babá. Minha cabeça latejava, mas eu precisava me concentrar.— Mamãe, eu preciso falar com você. — A voz de Ryan cortou minha concentração.— Só um minuto, Ryan. Deixe-me terminar estas contas. — Respondi sem tirar os olhos da coluna de números.Mas ele insistiu, e algo na sua voz me fez largar a caneta.— O que foi, Ryan? Não vê que estou ocupada?— Eu e Trev tivemos uma espécie de acidente. — Ele parecia ansioso, pálido até.Meu coração apertou.— Acidente? Trev está machucado?— Não, ele está bem. Foi um tipo diferente de acidente.— O que aconteceu desta vez? — Perguntei, já prevendo algum estrago.Então, Ryan confessou
Mulher Irresistível Por Grady O’neill Eu saí da oficina naquele dia com a intenção de dar um tempo para a mente. Tinha passado a manhã inteira resolvendo problemas de clientes, negociando preços e lidando com mais papelada do que eu gostaria. Tudo o que eu queria era um café forte e uns minutos de silêncio. Mike e os outros já estavam do lado de fora do café quando cheguei. Eles conversavam animadamente sobre qualquer coisa que homens discutem para matar o tempo. Eu mal prestei atenção até que notei algo na rua. Um caminhão. Não, mais que isso... uma mulher saindo dele com um ar visivelmente tenso. — Ei, moça, você sabia que está com um pneu furado? — Mike apontou, sempre o primeiro a notar tudo e a se intrometer. Assim que os olhos dela se levantaram, fui atingido por um instante de algo que não acontecia há anos: curiosidade. A mulher tinha um jeito que mesclava fragilidade e força, como alguém que já carregou mais do que deveria, mas ainda assim se mantém em pé. Eu
Enquanto atravessávamos a rua, percebi que meu coração estava mais leve. Grady O’Neil não era apenas o carrancudo que aparentava ser. Ele havia demonstrado bondade e compreensão. Isso me fez refletir: Se ele foi capaz de ajudar os meninos com esse trabalho, talvez pudesse ter algo para mim também.Nos últimos meses, a situação financeira tinha se tornado insustentável. Era como se cada dia trouxesse mais contas, mais dificuldades e menos soluções. Eu estava disposta a aceitar qualquer trabalho: faxina, lavagem de carros, organização do pátio... qualquer coisa que pudesse aliviar a carga que pesava sobre meus ombros.Quando vi o homem mexendo no motor do caminhão, decidi voltar. Talvez ele pudesse me ajudar de algum jeito. Não custa tentar, pensei, tentando afastar a vergonha e o medo de ser rejeitada.Sem esperar por mais nada, segurei Megan pela mão e conduzi meus filhos até a calçada. Ao atravessar a rua, notei um homem mexendo no motor de um caminhão. Um frio percorreu minha espinh
Não conseguiria dormir. Levantei-me devagar, com cuidado para não fazer barulho e não acordar Megan, que dormia tranquila do outro lado da cama. Fui ao banheiro e, em seguida, parei ao lado do beliche onde meus meninos dormiam. Fiquei ali, parada, por alguns minutos, apenas observando-os. Eles estavam tão serenos e tão vulneráveis. Aquilo me cortou o coração. Sentia-me tão pequena diante do peso que carregava todos os dias, a luta para dar a eles um futuro melhor. Com os olhos cheios de lágrimas, fechei a porta sem fazer barulho e me dirigi à cozinha. Eu sabia que eles mereciam muito mais do que eu poderia dar. Esse pensamento me angustiava. Sentei-me em uma cadeira, apoiei o rosto nas mãos e deixei as lágrimas caírem. Chorei por eles, pelo meu casamento infeliz, pela ausência de minha avó, que tanto significava para mim, mas, acima de tudo, chorei pelo vazio que parecia se expandir diante de mim sem que eu soubesse como preenchê-lo. Olhei para a velha máquina de costura que esta
Para a Sra. Potter, derrubar a cerca já seria um grande problema; estragar algumas de suas preciosas plantas atingia o nível de catástrofe.— Se acontecer alguma coisa, tomem cuidado para não rir.— Está bem. — Ele virou-se e caminhou para a porta. — Pelo menos não na frente dela.— Trevor! — avisei.— Pode ficar sossegada, mamãe. Nós não vamos incomodar. O que acha que ela vai fazer se o caminhão passar por cima das rosas? — ele indagou, com um sorriso travesso.— Nem pense nisso! -- Falei, eu queria sorrir, mais precisava passar autoridade para ele.Ele riu e abriu a porta, mas antes de sair olhou para mim com uma firmeza que não condizia com sua pouca idade.— Não fique triste por causa do cinema, mamãe. Logo eu e Ryan vamos crescer e poderemos trabalhar. Aí você não precisará se preocupar tanto. — Ele levantou os ombros num gesto tímido e saiu da cozinha.Eu o observei através de uma nova cortina de lágrimas. Havia muitas coisas ruins na minha vida, mas as crianças certamente não
"Eu Te Esperarei"Eu te esperareiEla tentava se esquivar. Eu podia sentir. Toda vez que nossos olhares se cruzavam, Holly desviava os olhos rapidamente, como se temesse que eu enxergasse algo que ela escondia a sete chaves. Não era a primeira vez que percebia isso, mas naquela manhã, com a luz dourada atravessando a cozinha, pareceu mais evidente.Holly era um enigma. Eu a observava enquanto ela movia os braços no fogão, o rosto parcialmente voltado para longe de mim, e me perguntava o que a fazia se recolher para dentro de si daquele jeito. Sua vulnerabilidade estava visível, como uma corda tensa prestes a se romper.Quando seus olhos umedecidos brilharam antes que ela se virasse, algo dentro de mim se apertou. Eu sabia o que era ser forte por fora, enquanto por dentro tudo desmoronava. Reconhecia a forma como ela erguia as defesas e forçava um sorriso para os filhos, tentando esconder o peso que carregava.Mas o que me perturbava mais do que qualquer coisa era o modo como ela reag
Eu não vi os meninos pelo resto da tarde. Por volta das cinco horas, não consegui mais conter a minha curiosidade e fui espiar o que estava acontecendo. minha cerca ficou reduzida a uma pilha caprichada de madeira para fogo e a terra havia sido espalhada por igual sobre a horta da sra. Potter. Eu mal contive o riso quando dei a volta na garagem e vi Trevor, sério e suado, varrendo dedicadamente a calçada da vizinha enquanto Ryan vinha atrás com uma mangueira de água.Eu ia voltar para casa quando o caminhão da O’Neil Veículos estacionou no meio-fio e Grady desceu. Ele me cumprimentou com um aceno de cabeça e encaminhou-se para onde os meninos se encontravam. Colocou as mãos nos quadris, olhou em volta e falou alguma coisa com Trevor. O garoto pegou as pás e a vassoura e depositou-as na carroceria do caminhão. Ryan enrolou a mangueira e aproximou-se do irmão.Eu os observei por um momento, depois virei-me e voltei para casa. Ao passar pelos canteiros de flores, notei algum mato cresc