Enquanto atravessávamos a rua, percebi que meu coração estava mais leve. Grady O’Neil não era apenas o carrancudo que aparentava ser. Ele havia demonstrado bondade e compreensão. Isso me fez refletir: Se ele foi capaz de ajudar os meninos com esse trabalho, talvez pudesse ter algo para mim também.
Nos últimos meses, a situação financeira tinha se tornado insustentável. Era como se cada dia trouxesse mais contas, mais dificuldades e menos soluções. Eu estava disposta a aceitar qualquer trabalho: faxina, lavagem de carros, organização do pátio... qualquer coisa que pudesse aliviar a carga que pesava sobre meus ombros. Quando vi o homem mexendo no motor do caminhão, decidi voltar. Talvez ele pudesse me ajudar de algum jeito. Não custa tentar, pensei, tentando afastar a vergonha e o medo de ser rejeitada. Sem esperar por mais nada, segurei Megan pela mão e conduzi meus filhos até a calçada. Ao atravessar a rua, notei um homem mexendo no motor de um caminhão. Um frio percorreu minha espinha, e meu rosto queimou ao reconhecê-lo. Era o mesmo homem que havia me oferecido ajuda com o pneu furado dias atrás. — Meg, corra para casa. Vou ficar observando você atravessar. Ela hesitou, mas ao ver minha expressão, obedeceu. Assim que a vi na calçada oposta, virei-me e caminhei até o caminhão Respirei fundo. Holly, você precisa corrigir isso. Chega de evitar as pessoas por vergonha. — Meg, corra para casa. Vou ficar observando você atravessar. Ela hesitou, mas ao ver minha expressão, obedeceu. Assim que a vi na calçada oposta, virei-me e caminhei até o caminhão. — Com licença — chamei, tentando parecer mais confiante do que me sentia. — Será que podemos conversar um instante? Ele levantou-se, surpreso ao me reconhecer. Eu engoli em seco, juntando coragem. — Quero pedir desculpas. No dia em que o senhor se ofereceu para trocar o pneu, eu fui grosseira e rude. Sinto muito, não era minha intenção e eu não estava nos meus melhores dias. O homem sorriu, revelando um sorriso perfeito e encantador. — Não se preocupe com isso, mocinha. Todo mundo tem seus dias ruins. Seu tom era tão gentil que senti meu nervosismo diminuir. — Prometo que, se outro pneu furar, deixarei o senhor trocar. — Será um prazer — ele respondeu, voltando a mexer na caixa de ferramentas. Sorri, agradeci novamente e me despedi, sentindo-me um pouco mais leve. Talvez eu consiga corrigir mais do que apenas pneus furados na minha vida, pensei, enquanto voltava para casa. No fim da tarde, acompanhei os meninos à oficina de Grady. Eles trabalharam com dedicação, e eu me juntei a eles, arrancando o mato crescido. Quando terminamos, o lugar parecia outro. Grady, embora não dissesse muito, parecia satisfeito. Deixei os meninos irem brincar com os filhos de Liz e voltei para casa. Havia muito a ser feito no jardim, e decidi começar. Logo Tammy apareceu, sentando-se ao meu lado. — Oi, Holly. — Ela começou a falar sobre a escola, e eu ouvi atentamente. Enquanto eu arrancava o mato teimoso que havia tomado conta do jardim, senti uma presença se aproximando. Tammy, minha jovem vizinha de quinze anos, sentou-se no batente da varanda com sua mochila jogada ao lado, deixando escapar um suspiro cansado. — Dia difícil? — perguntei, lançando-lhe um olhar por cima do ombro. — Nem tanto, mas... sabe como é, escola pode ser bem chata às vezes — ela respondeu, apoiando o queixo nas mãos. — Hoje tivemos prova de matemática. Acho que fui bem, mas a professora também passou um trabalho para fazermos em grupo, e eu não sei nem por onde começar. Deixei o ancinho de lado por um momento e me sentei na grama, limpando as mãos na calça. — O que é esse trabalho? Talvez eu possa ajudar. Tammy deu um sorriso pequeno, mas algo nos olhos dela dizia que estava realmente aliviada por alguém se importar. — Temos que fazer uma pesquisa sobre invenções importantes e apresentar para a turma. Parece simples, mas eu não tenho ideia de onde procurar ou como montar isso. Pensei por um instante. Não era como se eu tivesse muita experiência com esse tipo de coisa, mas havia vários livros antigos na estante da sala, deixados por minha tia quando nos mudamos para cá. Talvez eles fossem úteis. — Bem, eu não sou exatamente uma expert, mas temos alguns livros em casa que podem ajudar. Se quiser, podemos olhar juntos e ver se encontramos algo. Os olhos de Tammy se iluminaram, e ela assentiu entusiasmada. — Sério? Eu adoraria! Minha mãe vive ocupada, e nunca tem tempo para me ajudar com essas coisas. Eu sorri, sentindo-me satisfeita por poder contribuir de alguma forma. — Então é só combinar o dia. Podemos fazer isso à tarde, quando você voltar da escola. — Combinado. — Ela ajeitou os cabelos e trocou de assunto com a naturalidade de uma adolescente. — Ah, e por falar nisso, vi umas blusas lindas numa revista outro dia. Eu queria tanto uma, mas são tão caras... — Por que não compra o tecido e traz para mim? — sugeri quando ela mencionou as blusas caras que queria. — Posso costurar quatro blusas pelo preço de uma. Seus olhos brilharam. — Você faria isso por mim? Assenti, e ela, animada, pegou a pá de jardinagem das minhas mãos. — Deixe-me ajudar no jardim, então! Aceitei, sorrindo. Por um breve momento, senti que estava começando a reconstruir não só minha casa, mas também a minha vida. Naquela noite, deitada em minha cama, meu corpo exausto, minha mente vagou. Não era o constrangimento do dia que me assombrava, mas um par de olhos azuis e frios. Desde o dia em que o vi, algo despertou em mim, algo que eu não sentia há muito tempo. Cruzei as mãos sob a cabeça, tentando afastar a ideia. O mundo real era duro demais para fantasias, mas, ainda assim, os olhos dele não me deixavam. Virei-me de bruços na cama, tentando apagar da minha mente aquela imagem. Aqueles olhos azuis continuavam ali, brilhando, como se tivessem se cravado em meu coração e me deixado completamente sem ar. Fechei as pálpebras, mas não conseguia afastar a melancolia que me invadia. Meu coração apertava e, por um momento, imaginei se um dia teria a sorte de encontrar alguém para ficar ao meu lado, alguém para preencher o vazio que tantas vezes parecia sufocá-lo.Não conseguiria dormir. Levantei-me devagar, com cuidado para não fazer barulho e não acordar Megan, que dormia tranquila do outro lado da cama. Fui ao banheiro e, em seguida, parei ao lado do beliche onde meus meninos dormiam. Fiquei ali, parada, por alguns minutos, apenas observando-os. Eles estavam tão serenos e tão vulneráveis. Aquilo me cortou o coração. Sentia-me tão pequena diante do peso que carregava todos os dias, a luta para dar a eles um futuro melhor. Com os olhos cheios de lágrimas, fechei a porta sem fazer barulho e me dirigi à cozinha. Eu sabia que eles mereciam muito mais do que eu poderia dar. Esse pensamento me angustiava. Sentei-me em uma cadeira, apoiei o rosto nas mãos e deixei as lágrimas caírem. Chorei por eles, pelo meu casamento infeliz, pela ausência de minha avó, que tanto significava para mim, mas, acima de tudo, chorei pelo vazio que parecia se expandir diante de mim sem que eu soubesse como preenchê-lo. Olhei para a velha máquina de costura que esta
Para a Sra. Potter, derrubar a cerca já seria um grande problema; estragar algumas de suas preciosas plantas atingia o nível de catástrofe.— Se acontecer alguma coisa, tomem cuidado para não rir.— Está bem. — Ele virou-se e caminhou para a porta. — Pelo menos não na frente dela.— Trevor! — avisei.— Pode ficar sossegada, mamãe. Nós não vamos incomodar. O que acha que ela vai fazer se o caminhão passar por cima das rosas? — ele indagou, com um sorriso travesso.— Nem pense nisso! -- Falei, eu queria sorrir, mais precisava passar autoridade para ele.Ele riu e abriu a porta, mas antes de sair olhou para mim com uma firmeza que não condizia com sua pouca idade.— Não fique triste por causa do cinema, mamãe. Logo eu e Ryan vamos crescer e poderemos trabalhar. Aí você não precisará se preocupar tanto. — Ele levantou os ombros num gesto tímido e saiu da cozinha.Eu o observei através de uma nova cortina de lágrimas. Havia muitas coisas ruins na minha vida, mas as crianças certamente não
"Eu Te Esperarei"Eu te esperareiEla tentava se esquivar. Eu podia sentir. Toda vez que nossos olhares se cruzavam, Holly desviava os olhos rapidamente, como se temesse que eu enxergasse algo que ela escondia a sete chaves. Não era a primeira vez que percebia isso, mas naquela manhã, com a luz dourada atravessando a cozinha, pareceu mais evidente.Holly era um enigma. Eu a observava enquanto ela movia os braços no fogão, o rosto parcialmente voltado para longe de mim, e me perguntava o que a fazia se recolher para dentro de si daquele jeito. Sua vulnerabilidade estava visível, como uma corda tensa prestes a se romper.Quando seus olhos umedecidos brilharam antes que ela se virasse, algo dentro de mim se apertou. Eu sabia o que era ser forte por fora, enquanto por dentro tudo desmoronava. Reconhecia a forma como ela erguia as defesas e forçava um sorriso para os filhos, tentando esconder o peso que carregava.Mas o que me perturbava mais do que qualquer coisa era o modo como ela reag
Eu não vi os meninos pelo resto da tarde. Por volta das cinco horas, não consegui mais conter a minha curiosidade e fui espiar o que estava acontecendo. minha cerca ficou reduzida a uma pilha caprichada de madeira para fogo e a terra havia sido espalhada por igual sobre a horta da sra. Potter. Eu mal contive o riso quando dei a volta na garagem e vi Trevor, sério e suado, varrendo dedicadamente a calçada da vizinha enquanto Ryan vinha atrás com uma mangueira de água.Eu ia voltar para casa quando o caminhão da O’Neil Veículos estacionou no meio-fio e Grady desceu. Ele me cumprimentou com um aceno de cabeça e encaminhou-se para onde os meninos se encontravam. Colocou as mãos nos quadris, olhou em volta e falou alguma coisa com Trevor. O garoto pegou as pás e a vassoura e depositou-as na carroceria do caminhão. Ryan enrolou a mangueira e aproximou-se do irmão.Eu os observei por um momento, depois virei-me e voltei para casa. Ao passar pelos canteiros de flores, notei algum mato cresc
"Risadas e Frustrações" Enquanto cuidava do jardim, meus olhos inevitavelmente se voltaram para a varanda. As pilastras cederam sob o peso do peitoril de cimento, e a cena gritava por uma solução. A casa ficaria com uma aparência bem melhor se eu conseguisse consertá-la. Era uma ideia simples: com um macaco de automóvel grande o suficiente, poderia levantar o parapeito inclinado e colocar sob ele os blocos de cimento que vi na garagem. Não parecia algo tão difícil. Olhei na direção da oficina de Grady, onde Mike Tuttle acabava de estacionar seu caminhão. Hesitei por um momento antes de atravessar a rua e me aproximar. — Oi, Mike. Como vai? — cumprimentei, tentando parecer casual. — Ótimo. E você? — Estou bem, obrigada. Será que poderia me emprestar o macaco do seu caminhão? Quero tentar levantar o parapeito da varanda. — Pode pegar. Está na caixa de ferramentas. Quando terminar, é só colocá-lo de volta. Sinto muito por não poder ajudar, mas tenho uma entrega para fazer daqui a po
— É só apoiar direito que não acontecerá nada — garanti, confiante. — Será seguro se colocarmos uma escora aqui na frente. Vamos tentar?Ele respirou fundo, ainda desconfiado, mas cedeu.— Está certo, mas espere até eu deixar isso bem firme.E assim começamos de novo. Uma hora depois, com as mãos sujas de terra e o cabelo desalinhado, observei a varanda praticamente nivelada e senti um orgulho imenso.— Foi uma melhora e tanto! — comemorei, limpando a testa com as costas da mão.Mas Grady, com aquele jeito provocador de sempre, me analisou de cima a baixo antes de declarar:— É pena que eu não possa dizer o mesmo de você.Revirei os olhos, exasperada.— Muito obrigada!Ele riu, satisfeito.— De nada. Agora, vamos aos bolinhos de canela.Cruzei os braços e fiz minha melhor imitação de uma mãe exigente.— Diga, "por favor".Grady parou, sua expressão mudando de súbita leveza para algo mais intenso. Quando respondeu, sua voz estava repleta de algo que não consegui decifrar.— Não,
"Olá Tigrinha... "Ela estava furiosa, claro. Não era exatamente uma novidade, mas, por algum motivo, eu nunca me cansava de vê-la assim. Holly tinha esse jeito peculiar de transformar a raiva em um espetáculo. Até o modo como jogava o macaco no chão parecia coreografado. Frustrada, determinada, ferozmente encantadora.A ironia na resposta dela me fez sorrir. Não importava quantas vezes eu tentasse ajudar, ela sempre rebatia com alguma provocação. Ainda assim, eu sabia que ela precisava de mim, mesmo que nunca admitisse.Enquanto inspecionava o parapeito, ouvi sua ameaça de dinamite e ri baixinho. Era típico de Holly exagerar, mas eu não duvidava que, se tivesse mesmo uma banana de dinamite, ela já teria resolvido a questão sozinha. Ela era como uma tempestade—intensa e impossível de ignorar."Você quer ou não quer ajuda?" perguntei, mantendo o tom leve, mesmo enquanto meu coração dava aquele salto irritante. Não sei bem por que gostava tanto de provocá-la. Talvez fosse o jeito como o
Eu me sentia vulnerável e ao mesmo tempo inquieta com a proximidade de Grady. Quando sua voz grave soou tão perto do meu ouvido, um arrepio percorreu minha espinha.— Oi, tigrinha — ele murmurou.Engoli em seco. O calor de seu corpo irradiava para o meu, e a maneira como ele disse aquelas palavras me desarmava completamente. Fiquei paralisada por um instante, lutando contra a sensação de fraqueza que me dominava.— Gostei das suas palavras sobre rapazinhos querendo parecer gente grande. Alguém já lhe disse que você é cruel?Cruel. Eu, cruel? Ele tirou uma das mãos do bolso e, antes que eu pudesse reagir, enlaçou seus dedos nos meus. Senti meu rosto corar, e temi que ele pudesse enxergar em meus olhos o que eu tentava esconder: uma confusão de sentimentos que me deixava exposta.— Meus filhos me dizem isso o tempo todo — respondi, forçando um sorriso para mascarar meu nervosismo. — Obrigada por ter me defendido, Grady.— Duvido que você precisasse mesmo de ajuda — ele retrucou, com uma