Lilly Harper estava acostumada a se virar sozinha. Desde que deixou a pequena cidade onde cresceu para estudar Pedagogia em São Paulo, aprendeu rapidamente que a vida na capital exigia mais do que apenas determinação – exigia sacrifícios.
Aos vinte e cinco anos, morava sozinha em um apartamento modesto, com paredes finas demais e um aluguel que consumia quase tudo o que ganhava no café onde trabalhava meio período. O espaço era pequeno, mas era dela, e isso significava liberdade. Liberdade para construir seu próprio caminho, ainda que com dificuldades. Era magra, de estatura mediana, com longos cabelos castanhos que quase sempre usava presos em um coque desajeitado. Os olhos verdes eram vivos, cheios de sonhos que pareciam cada vez mais distantes conforme a realidade a empurrava para preocupações mais imediatas – como pagar a mensalidade atrasada da faculdade ou decidir entre jantar e economizar para o transporte. O trabalho no café era exaustivo. O turno começava cedo, e ela passava horas em pé, servindo clientes apressados, lidando com pedidos errados e limpando mesas sujas. Algumas pessoas eram gentis, mas a maioria sequer olhava para ela, como se Lilly fosse apenas mais um detalhe invisível na engrenagem da cidade. Naquela manhã específica, a cafeteria estava especialmente lotada. Ela equilibrava uma bandeja com duas xícaras de café quando um cliente impaciente estalou os dedos, chamando sua atenção de maneira rude. — O açúcar não veio junto, moça. Eu pedi duas vezes. — Ele balançou o sachê vazio no ar, como se estivesse lidando com uma incompetente. Lilly respirou fundo, forçando um sorriso profissional. — Desculpe, senhor. Vou buscar agora. Ela girou nos calcanhares, pegou os sachês e voltou, sem deixar transparecer o cansaço acumulado. Mas, por dentro, tudo o que queria era sair dali. Quando seu turno finalmente terminou, Lilly jogou o avental no armário e pegou a bolsa. O relógio marcava três da tarde, e a chuva fina que caía desde cedo ainda persistia. Caminhando até o ponto de ônibus, puxou o casaco para mais perto do corpo e sentou-se no banco metálico gelado. Ao seu lado, um senhor lia um jornal velho. Normalmente, Lilly não prestaria atenção, mas, por alguma razão, seus olhos pousaram nas páginas amareladas, onde uma coluna de anúncios de emprego se destacava. Curiosa, inclinou-se sutilmente para ler. A maioria das vagas oferecia salários baixos para funções exaustivas, mas um anúncio pequeno, quase discreto, chamou sua atenção: "Procura-se governanta para residência particular. Salário excelente. Requisitos: discrição, organização e paciência com crianças. Enviar candidatura para o e-mail abaixo." Lilly franziu a testa. Não havia muitas informações, mas qualquer coisa que oferecesse um "salário excelente" merecia consideração. Seu amor por crianças fazia a vaga parecer ainda mais interessante. Pegou o celular e tirou uma foto do anúncio. Assim que chegou em casa, sentou-se no pequeno sofá da sala e digitou um e-mail rápido, anexando seu currículo. Esperava, no mínimo, uma resposta dentro de alguns dias. Mas, surpreendentemente, duas horas depois, seu celular vibrou com uma chamada de número desconhecido. — Alô? — atendeu, hesitante. — Senhorita Lilly Harper? — A voz masculina do outro lado era formal e séria. — Sim, sou eu. — Falo em nome do senhor James Carter. Recebemos seu currículo e gostaríamos que viesse para uma entrevista amanhã, às dez da manhã. A residência fica em Westwood. O endereço será enviado por mensagem. Lilly piscou, surpresa com a rapidez da resposta. — Ah, claro! Obrigada pela oportunidade. A ligação foi encerrada antes que pudesse perguntar mais detalhes. Ela ficou parada, encarando a tela do celular. Westwood era um dos bairros mais caros de São Paulo. Quem era esse James Carter? Na manhã seguinte, acordou cedo, nervosa e ansiosa. Optou por uma roupa discreta, mas arrumada: calça social preta, uma blusa de mangas compridas azul-marinho e sapatilhas confortáveis. Prendeu os cabelos em um rabo de cavalo e passou um pouco de rímel, tentando parecer profissional sem exagerar. O trajeto até Westwood foi longo, e, conforme se aproximava do endereço enviado, Lilly percebeu que estava entrando em um mundo completamente diferente do seu. Ruas arborizadas, casarões imponentes com portões altos e seguranças vigiando discretamente as entradas. Finalmente, parou diante do portão indicado. O portão negro de ferro era imenso, com detalhes sofisticados que denunciavam a riqueza do proprietário. Respirou fundo antes de apertar o interfone. Poucos minutos depois, um segurança apareceu e a conduziu pelo caminho de pedra até a entrada principal da casa. O ar ali parecia diferente – mais fresco, mais silencioso, como se estivesse em outra realidade. A porta se abriu, e um homem alto surgiu. Ele parecia ter cerca de trinta e poucos anos, os cabelos escuros perfeitamente penteados e os olhos de um azul profundo e penetrante. Seu terno era impecável, e havia algo na postura dele que exalava autoridade. — Você é Lilly Harper? — perguntou, avaliando-a com um olhar calculista. Ela assentiu, tentando manter a compostura. — Sim, sou eu. O homem assentiu e abriu mais a porta. — Eu sou James Carter. Bem-vinda à minha casa. Lilly respirou fundo e deu o primeiro passo para dentro. Ela não sabia ainda, mas aquele momento mudaria sua vida para sempre.James Carter não gostava de imprevistos. Sua vida era regida pela rotina, planejada nos mínimos detalhes para garantir que cada minuto fosse produtivo. Ele não era apenas um empresário de sucesso – era o CEO de uma das maiores empresas farmacêuticas do país, a Carter Pharmaceuticals, uma potência no setor de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos.Seus dias começavam cedo, antes mesmo do sol nascer. Após uma hora de treino intenso em sua academia particular, onde alternava entre musculação e corrida, tomava um banho frio e vestia um de seus ternos impecáveis. Cada peça era feita sob medida, sem rugas, sem falhas – assim como ele preferia manter sua vida.O café da manhã era sempre o mesmo: café preto sem açúcar e uma omelete leve, enquanto lia relatórios financeiros e respondia e-mails. Tudo em sua rotina era otimizado para eficiência.Às sete em ponto, o motorista já o esperava do lado de fora da mansão. Durante o trajeto até a sede da Carter Pharmaceuticals, localizada em um dos
Lilly respirou fundo antes de entrar no escritório. O ambiente era tão impecável quanto esperava: amplo, sofisticado, com móveis de madeira escura e uma grande janela panorâmica que exibia a vista da cidade. Mas o que realmente chamava sua atenção era o homem sentado atrás da mesa. James Carter. Ele vestia um terno escuro, sem um único amassado, e observava-a com olhos atentos, avaliando-a sem pressa. — Senhorita Harper. — Sua voz era firme, autoritária. — Sente-se. Ela obedeceu, mantendo a postura ereta. — Você tem experiência como babá? — James perguntou sem rodeios, entrelaçando os dedos sobre a mesa. — Tenho experiência com crianças. Já trabalhei como voluntária em creches e dou aulas particulares para ajudar a pagar minha faculdade de Pedagogia. Ele ergueu levemente a sobrancelha, como se analisasse a resposta. — Mas nunca trabalhou como babá. — Nunca formalmente, mas cuidei de primos mais novos e filhos de amigos da família. James assentiu devagar. — Minha
Lilly respirou fundo antes de sair do táxi. O portão imponente da mansão Carter se erguia à sua frente, e ela sentiu um misto de ansiedade e empolgação. Era sua primeira manhã oficialmente trabalhando para James Carter e cuidando da pequena Emily. O emprego era um grande passo para sua estabilidade financeira, mas também algo totalmente novo em sua vida.Enquanto puxava sua mala em direção à entrada, a porta da casa se abriu. James saía apressado, ajustando o relógio de pulso, com a expressão séria de sempre. Ele vestia um terno impecável e segurava uma pasta de couro em uma das mãos. Ao notar Lilly, parou por um instante.— Você chegou cedo. — Sua voz era firme, sem traço de emoção.— Achei melhor não me atrasar no primeiro dia. — Ela sorriu, tentando amenizar a tensão natural que sempre sentia perto dele.James apenas assentiu, lançando um olhar breve para sua mala antes de olhar para o relógio novamente.— A governanta vai te mostrar tudo. Preciso sair agora. — Ele se virou em dire
Lilly ajudou Emily a entrar no banheiro e a menina começou a falar sem parar sobre a escola, os amigos e as atividades que gostava de fazer. Enquanto lavava o cabelo de Emily com cuidado, Lilly ria das histórias exageradas que a garotinha contava.— E então, a professora disse que meu desenho era o mais bonito! — Emily disse, orgulhosa.— Aposto que sim! Você parece ser muito talentosa. — Lilly sorriu, enxaguando os fios castanhos da menina.Depois do banho, Lilly ajudou Emily a se vestir, escolhendo um vestido azul claro e um casaquinho combinando. A menina parecia animada por ter alguém ali para ajudá-la, e Lilly percebeu o quanto Emily sentia falta de uma presença mais próxima no dia a dia.Quando desceram as escadas, a governanta já as esperava na porta.— O motorista já está pronto para levá-las. — informou, entregando a mochila de Emily para Lilly.— Motorista? — Lilly franziu o cenho.— Sim, o senhor Carter deixou um carro à sua disposição para que possa levar e buscar Emily qu
James chegou cedo ao escritório, como sempre. Seu dia começou com uma reunião de diretoria, onde discutiam novas estratégias para expandir o mercado internacional da empresa. Como CEO da Carter Pharmaceuticals, sua presença era indispensável em cada decisão importante. Ele analisava relatórios, revisava contratos e respondia a e-mails, mantendo-se totalmente focado no trabalho. Ou, pelo menos, tentava.De tempos em tempos, sua mente vagava para a imagem de Lilly. O jeito que ela sorria para Emily, a forma como sua voz suave preenchia os espaços da casa. Era irritante perceber que uma simples funcionária estava conseguindo invadir seus pensamentos dessa maneira.— James, você tá me ouvindo? — A voz de Fabrício o tirou de seus devaneios.James piscou e voltou a atenção para seu amigo e sócio, que o olhava com uma sobrancelha arqueada.— Sim, claro. Você estava falando sobre a campanha do novo medicamento. — Ele tentou retomar o foco.— Na verdade, eu estava perguntando se você quer almo
Quando James estacionou o carro na garagem, Emily saltou do banco de trás animada, correndo para dentro de casa. Ele a seguiu com passos mais lentos, sentindo o peso do dia de trabalho ainda sobre seus ombros. Assim que entrou, o cheiro delicioso de comida recém-preparada invadiu seus sentidos, despertando uma sensação de conforto que ele não experimentava há muito tempo.— Você está cozinhando? — Ele perguntou ao ver Lilly na cozinha, de avental, retirando uma pizza do forno.Lilly se virou para encará-lo, um sorriso leve nos lábios.— Sim. Emily disse que adorava pizza caseira, então achei que seria uma boa ideia. Espero que não se importe. — respondeu, colocando a travessa sobre a bancada.James observou-a por um momento. O avental um pouco sujo de farinha, os cabelos presos de qualquer jeito, o brilho nos olhos ao falar de Emily… Tudo nela parecia transmitir uma calma que ele não estava acostumado a ter em sua casa.— Desde que não tenha colocado veneno na massa, acho que podemos
Lilly despertou no meio da madrugada, ainda sentindo o calor do corpinho de Emily ao seu lado. A menina dormia profundamente, os pequenos braços soltos sobre os lençóis. Com cuidado, Lilly deslizou para fora da cama e ajeitou as cobertas sobre a menina. Ao sair do quarto, percebeu um brilho fraco vindo do andar de baixo. A luz do escritório de James estava acesa.Curiosa, desceu silenciosamente, passando pelo corredor até a porta entreaberta. Espiou para dentro e encontrou James de pé, perto da janela, segurando um copo de whisky na mão. A noite estava clara, iluminada pela lua cheia, e a vasta extensão do jardim se estendia sob as estrelas.— Está acordado tarde, senhor Carter. — Lilly quebrou o silêncio, dando um passo à frente.James virou-se devagar, o olhar analítico recaindo sobre ela. Ele parecia menos impenetrável naquele momento, talvez pelo efeito da bebida ou pelo cansaço do dia.— Não costumo dormir cedo. — respondeu, levando o copo aos lábios. — E você? Achei que estivess
James Carter estava em seu escritório, sentado atrás da enorme mesa de carvalho enquanto analisava documentos com um semblante sério. Do outro lado da linha, a voz irritada de um fornecedor ecoava pelo viva-voz.— O lote simplesmente não pode ser entregue no prazo que combinamos, senhor Carter. Houve um problema com a logística, e levaremos pelo menos mais uma semana.James cerrou a mandíbula, contendo a frustração. Aquele atraso poderia custar milhões à empresa e prejudicar negociações importantes.— Uma semana não é aceitável. Já temos distribuidores esperando esse produto, e qualquer atraso compromete contratos que levamos meses para fechar. Quero uma solução. Agora.Do outro lado, o fornecedor gaguejou algo sobre tentar agilizar o processo, mas James já estava impaciente.— Espero uma nova previsão até o fim do dia. E que seja viável. Caso contrário, reconsideraremos nosso contrato com vocês. — Ele encerrou a ligação com um suspiro pesado.Fabrício, que estava sentado à frente del